BRANDS' ECO Dos novos alimentos à saúde, a biotecnologia é um setor com futuro em Portugal

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  • 17 Outubro 2024

O BIOMEET 2024 juntou, em Oeiras, cerca de 300 pessoas para debater oportunidades e desafios desta atividade em crescimento. “É o ponto de encontro da biotecnologia”, disse o presidente da P-BIO.

Passaram 25 anos desde que a Associação Portuguesa de Bioindústria (P-BIO) inaugurou a sua primeira sede no Taguspark, em Oeiras. “Agora estamos aqui a celebrar os nossos 25 anos. É o ponto de encontro da biotecnologia em Portugal”, afiançou Simão Soares, Presidente da P-BIO, na sessão de abertura do BIOMEET 2024, um evento incluído na Semana Europeia da Biotecnologia e que quis promover “um espírito de partilha para podermos aprender todos uns com os outros”.

"As empresas portuguesas estão a desenvolver novos processos e tecnologias baseados em biotecnologia. Portugal tem investido em tecnologia, inovação e pesquisa e desenvolvimento”

Rui Lourenço Pereira, da AICEP

No Centro de Congressos do Taguspark, cerca de três centenas de participantes – empresários, cientistas e outros profissionais da área – procuraram refletir sobre os principais desafios, mas sobretudo sobre as oportunidades de desenvolvimento que este setor tem em território nacional. De acordo com dados do estudo Portugal Biotech, o volume de negócios do setor representava, em 2019, cerca de 36,5 milhões de euros – mais 33% do que em 2011.

“As empresas portuguesas estão a desenvolver novos processos e tecnologias baseados em biotecnologia”, realçou Rui Lourenço Pereira, da AICEP, lembrando a importância de colocar “entidades públicas, universidades e empresas a trabalhar em conjunto” para potenciar a geração de valor nesta área.

Números da Organização Europeia de Patentes (OEP) e do Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO) mostram que as startups de biotecnologia foram, em 2022, as que apresentaram mais pedidos de registo de patentes em Portugal

Certo é que as organizações que se dedicam à investigação, desenvolvimento e comercialização no setor têm vindo a reforçar a sua aposta em propriedade intelectual. Números da Organização Europeia de Patentes (OEP) e do Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO) mostram que as startups de biotecnologia foram, em 2022, as que apresentaram mais pedidos de registo de patentes em Portugal. Porém, há ainda desafios que importa ultrapassar: excesso de burocracia, escassez de recursos e dificuldade no acesso ao financiamento são as principais barreiras identificadas pelos especialistas.

Replicar casos de sucesso

Apesar das dificuldades em fazer vingar uma startup portuguesa na área da biotecnologia, o primeiro dia do BIOMEET 2024 mostrou que é possível alcançar o sucesso. Nuno Prego Ramos, fundador da CellmAbs, desenvolveu terapias inovadoras para o combate ao cancro que, no início do ano, vendeu à gigante alemã BioNTech. Este negócio, cujo valor não foi divulgado, poderá vir a ser o primeiro no setor da Biotecnologia em Portugal a ultrapassar os 1.000 milhões de euros, defenderam, à época, os acionistas. “Fizemos isto, conseguimos ter sucesso e foi um dos maiores negócios de sempre, mas o que é que ficou em Portugal? Nada, só o dinheiro. As pessoas foram embora do país”, lamenta, porém, Nuno Prego Ramos.

"Estamos hoje numa posição em que somos capazes de atrair mais e melhores empresas para Portugal. Acho que devíamos fazer com a biotecnologia o que fizemos com o IT e atrair investimento e empreendedores para o país”

Nuno Prego Ramos, fundador da CellmAbs e da Valvian

Para o empreendedor, é preciso criar mecanismos de financiamento – nomeadamente através de capital de risco – que permitam às empresas desenvolverem-se no país e serem capazes de atrair e reter talento. “Acho que devíamos fazer com a biotecnologia o que fizemos com o IT e atrair investimento e empreendedores para o país”, sugere.

Nuno Prego Ramos já arregaçou as mangas e voltou a fundar uma biotecnológica, a Valvian, que tem como grande objetivo retardar o envelhecimento e aumentar a longevidade.

O BIOMEET 2024 juntou, em Oeiras, cerca de 300 pessoas para debater oportunidades e desafios da biotecnologia

A GenIbet, criada em 2006, foi também adquirida, no início de 2022, pela sueca Recipharm e, hoje, a empresa exporta 99% da sua atividade. “Sermos pioneiros é muito importante para alcançar o sucesso”, sublinhou Ana Barreto Albuquerque. A CFO fez ainda questão de lembrar a importância de “ganhar escala” para conseguir aumentar a inovação de forma eficiente e rentável. “A Recipharm trouxe-nos escala na investigação. É muito mais fácil e lucrativo fazer inovação se tivermos mais escala em que conseguimos repartir os custos. Isso foi importante”, partilhou.

Criar medicamentos à medida

Uma das principais aplicações da biotecnologia são as Ciências da Vida, a procura de terapias inovadoras que permitam reduzir a carga de doença em várias patologias. O desenvolvimento de medicamentos órfãos (destinados às doenças raras) é uma das áreas promissoras, como debateram vários peritos nacionais no painel “Inovação no campo das Doenças Raras: barreiras e desafios”, moderado por Maria do Céu Machado (Grupo de Trabalho para as Doenças Raras) e no qual participaram Patrício Aguiar (Hospital de Santa Maria), Paula Macedo (AICIB), Hugo Rocha (INSA), Inês Alves (Committee for OMPs – EMA) e Vânia Cardoso (Colab AccelBio).

Ainda na área dos medicamentos e dispositivos médicos, o Biomeet contou com a presença de empresas que conseguiram, com sucesso, transformar projetos científicos de laboratório em produtos com potencial comercial e levá-los para o mercado

“Estamos perfeitamente alinhados com as melhores práticas a nível europeu e mundial. Temos observado, desde o início deste século, um crescimento exponencial daquilo que conseguimos produzir em termos de doenças raras”, assegurou Hugo Rocha, do INSA. No entanto, concordam os oradores, há obstáculos que devem ser superados: dificuldade no recrutamento de doentes para ensaios clínicos, melhorar os níveis de cooperação em redes nacionais e internacionais e um novo plano nacional para as doenças raras. Este documento está na fase final de preparação, confirmou Maria do Céu Machado, que diz que irá entregar a proposta ao Governo já no próximo dia 15 de outubro.

Ainda na área dos medicamentos e dispositivos médicos, o BIOMEET contou com a presença de empresas que conseguiram, com sucesso, transformar projetos científicos de laboratório em produtos com potencial comercial e levá-los para o mercado. É o caso da Stab Vida, que desenvolveu a gama DoctorVida Pocket, um aparelho PCR que permite “a qualquer cidadão ser um técnico de laboratório de genética”, explica o CEO da empresa, Orfeu Flores.

Outros exemplos incluem a Ophiomics, que desenvolve ferramentas de diagnóstico para deteção precoce de cancro, ou a BestHealth4U, que criou o adhesivAI, um dispositivo que monitoriza feridas, de forma remota e em tempo real, através de um penso inteligente e uma aplicação móvel. Já Luís Vicente, cofundador e CEO da iLof, quer ajudar a indústria farmacêutica a acelerar a identificação de candidatos ideais para ensaios clínicos e apoiar a criação de medicamentos personalizados.

Biotecnologia para a sustentabilidade

O segundo e último dia do BIOMEET focou o debate em torno da sustentabilidade, partindo de duas perspetivas complementares: o contributo da biotecnologia para novas formas de alimentação e dos recursos marinhos azuis para ajudar na preservação da biodiversidade.

O painel “Trazer novos alimentos, rações e ingredientes para o mercado”, moderado por Simão Soares, deu a conhecer as experiências vividas pela Rações Zêzere, Chrysea Labs, MicroHarvest, Solfarcos e Colab4Food na procura por inovação. A Solfarcos, representada por Joana Cunha, está a desenvolver soluções de tratamento para a atrite reumatoide que vai permitir aos doentes tomarem menos injeções e terem menos efeitos secundários. “Ainda temos oito anos pela frente antes do produto ir para o mercado, mas vai ser revolucionário”, assegura, elencando a regulação e a burocracia como maiores desafios.

Simão Soares, Presidente da P-BIO

“Achamos que a biotech na comida vai mesmo ser parte de um sistema alimentar mais sustentável, que é o que precisamos”, considerou Diogo Castelo-Branco, da luso-alemã MicroHarvest. A startup está a apostar na produção de proteína de forma sustentável, incluindo produtos para animais – um mercado em que participa a Rações Zêzere, que está a utilizar insetos. “A maior surpresa e que ninguém estava a espera foi que mais de 90% dos cães preferem a comida com insetos”, disse o médico veterinário Rui Fortunato.

Os humanos também podem optar por alimentos à base de insetos e plantas, como aqueles desenvolvidos pela Colab4Food para outras empresas. Já a Chrysea Labs, bem estabelecida no mercado, está a apostar na “programação da biologia” através da suplementação alimentar, que já aguarda aprovação em vários destinos internacionais. “Fomos aos EUA primeiro, depois ao Reino Unido e agora estamos à espera da aprovação no Japão, Singapura, Brasil e Austrália”, explicou Pedro Pissarra.

"É preciso criar uma estratégia clara e focada, criar sinergias entre academia e empresas. Portugal precisa de uma estratégia clara para desenvolver este setor [da blue biotech]”

Tânia Vinagre, da Sociedade Francisco Manuel dos Santos

Mas nem só de alimentação se fez o segundo dia do Biomeet, onde ainda houve tempo para refletir sobre o poder dos recursos marinhos. Tânia Vinagre, da Sociedade Francisco Manuel dos Santos e keynote speaker, explicou como os recursos marinhos têm “superpoderes” que permitem “remover poluentes, ajudando-nos a reverter alguns dos danos no ambiente” e, ao mesmo tempo, a produzir biomassa. “Acreditamos que a blue biotech pode utilizar estes superpoderes para alavancar as ferramentas para criar soluções sustentáveis em múltiplas indústrias”, referiu.

Doutorada em biologia molecular, a especialista defende que “há mercado, é grande e continua a crescer”. “Portugal devia destacar-se e tomar a liderança do seu capital sustentável. Somos extremamente ricos nestes recursos”, reiterou, pedindo uma “estratégia clara e focada” e a colaboração entre “academia e empresas”.

Pitch Competition #BIOMEET24

Na edição deste ano, houve uma novidade: o concurso Pitch Competition #BIOMEET24, competição para futuros projetos empresariais ou startups nas áreas da Ciências da Vida e Biotecnologia, que atribuiu um prémio monetário no valor de 1.000€ (mil Euros) e a oferta da 1ª anuidade de quota da P-BIO, referente ao ano de 2025, bem como o acesso gratuito à rede de mentores da P-BIO – BioMentors Club.

O vencedor foi o Bac3Gel, que visa desenvolver uma nova geração de substratos para aproveitar todo o potencial dos microrganismos no desenvolvimento de tecnologias avançadas.

O BIOMEET, organizado pela P-BIO com apoio da Câmara Municipal de Oeiras, tem regresso confirmado para a décima sétima edição já em 2025.

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