Como conquistar a harmonia numa Família Empresarial

A preservação da harmonia no seio de uma Família Acionista depende da garantia de alinhamento dos membros nas três dimensões cruciais: Identidade, Dinheiro e Comunicação.

1. O dilema de Teresa, líder da MFS Metalúrgica Ferreira da Silva Lda.

Teresa Ferreira da Silva , membro da terceira geração, Presidente e CEO da MFS Metalúrgica Ferreira da Silva Lda. (MFS), viu-se numa situação difícil. Como CEO, tinha a responsabilidade pela sustentação da alta rentabilidade da empresa fundada pelo seu avô e garantir uma excelente comunicação com o Conselho de Administração (CA) e com o próprio Conselho De Família (CF). À medida que se aproximava dos seus 62 anos, a angústia de Teresa aumentava porque a implementação do plano de sucessão de liderança que tinha desenvolvido com tanto cuidado estava claramente ameaçada.

A família Ferreira da Silva tinha três ramos e quatro membros da quarta geração da Família com funções executivas no negócio. O robusto e objetivo programa de desenvolvimento NextGen do Conselho de Família ajudou dois desses quatro membros a perceber que não tinham condições para passar de um nível de gestão intermédia no negócio. No entanto, qualquer um dos outros dois, cada um de ramos diferentes, aspirava a ser o próximo CEO e tinham ambos bons argumentos para sustentar as aspirações – a experiência, a credibilidade e os conhecimentos académicos, técnicos e de liderança

A irmã de Teresa, uma acionista que não trabalhava no negócio, era mãe de um desses dois candidatos. Não parava de pressionar Teresa, o CA, o CF e qualquer outra pessoa que apanhasse a jeito para argumentar sobre a excelente escolha que seria para a Empresa ter a sua filha como próxima CEO. Parecia ter feito dessa promoção o objetivo da sua vida.

Para complicar ainda mais a situação, o outro finalista era nada mais nada menos do que o próprio filho de Teresa. Quando o CA tomasse a decisão final sobre o próximo CEO, não haveria forma de Teresa não fazer parte da reunião e da decisão. Sentia pressão de todos os lados para tomar uma decisão que criasse a melhor solução para a preservação da empresa e do seu legado estimulando o seu crescimento e valorização. E assegurando a harmonia familiar no seio dos quatro ramos da Família Ferreira da Silva. E que não deixasse o filho abatido se não fosse ele o escolhido.

Este caso, sabemos bem, está longe de ser raro, ocorrem-me sem muito pensar quatro ou cinco casos similares em Portugal nos últimos cinco anos. De facto, torna-se muitas vezes um pesadelo para um líder de um Grupo Familiar gerir o cumprimento dos objetivos de negócio e preservar a harmonia familiar. Os desafios que enfrentam só são comparáveis a um surfista na crista de uma onda gigante da Nazaré a olhar para baixo e questionar-se se a vai conseguir descer ou não – e se confia na parelha do seu jet ski de suporte claro!

Neste artigo, queremos identificar os fatores que mais contribuem para uma harmonia familiar duradoura e que criam a estabilidade que resiste quer ao implacável teste do tempo, quer à tempestade individual que pode ocorrer no negócios ou na família. Fatores esse que são naturalmente os mesmo sem os quais o Grupo Empresarial pode entrar em autodestruição.

2. Navegando a dinâmica familiar

Todos temos famílias e todos navegamos pelos altos e baixos da vida, mas porque é que a dinâmica familiar numa empresa familiar parece tão mais complicada? O cimento que une os membros de uma empresa familiar nasce em boa parte do negócio familiar e isso estimula interesses mais complexos e potencialmente adversos do que numa família “normal”, que veremos adiante. Mas na outra face a realidade é que existe uma união intrínseca que mantém as famílias ligadas , seja nos assuntos de família seja nos de negócio. Isso comporta obrigações e deveres que podem ser frustrantes para os membros da família, mas também oferece oportunidades de criar uma força maior se se souber mobilizar os seus membros no sentido comum que mais interessa à preservação do legado e ao desenvolvimento do negócio.

A chave passa a ser reconhecer como a dinâmica familiar desempenha um papel no negócio e aprender a comunicar abertamente sobre isso. Muitas vezes, as famílias acionistas ficam atoladas na tomada de decisões ou fecham-se em cantos opostos sem se sentirem ouvidas. Embora estas questões pareçam estar relacionadas com os negócios familiares, têm na realidade as suas raízes na dinâmica familiar. Neste artigo, proponho partilhar uma análise dos três fatores chave decisivos para a harmonia de uma família empresarial e que marcam, ao mesmo tempo, a própria dinâmica familiar como um todo:

  • A Identidade
  • O Dinheiro
  • A Comunicação

São estes na nossa experiência os fatores decisivos que determinam o bem estar no seio das famílias empresariais e que, naturalmente, podem fortalecer ou enfraquecer dramaticamente o sentido de propósito, a visão de legado comum e a própria harmonia de uma família.

2.1. A Identidade – a raiz da personalidade e do comportamento

A identidade está relacionada com a pergunta “Quem sou eu?” Esta é uma pergunta que nos assalta, e faz refletir de vez em quando, ao longo da vida, especialmente quando perdemos orientação. Temos visto que é uma pergunta que se descarta muitas vezes por parecer demasiado filosófica, intangível e até irrelevante… mas não é, não é de todo. A consciência de identidade está no cerne de muitas alterações à dinâmica familiar, uma vez que qualquer indivíduo, família, ramo ou funcionário de empresa pode ver evoluir a sua identidade ao longo do tempo e criar colisões com a identidade de outra pessoa no sistema do Grupo familiar.

Os nossos clientes têm partilhado histórias poderosas que incluem não apenas “de onde viemos”, mas também como o negócio foi iniciado, qual o propósito ou os valores do negócio e qual é o legado que se pretende transmitir para o futuro. Estas histórias estão ligadas à sua identidade coletiva e representam de onde vieram, como dar sentido a quem são e até direcioná-los para onde querem ir.

Como cada pessoa tem a sua identidade, nem sempre se revê nas linhas definidas para a Família e para o negócio e impera o individual sobre o coletivo. Por isso navegar por essas identidades cria decisões desafiadoras, como vimos com Teresa, que se debatia com a luta interna entre os seus papéis de líder da Empresa, líder de Governança, pai, irmã, tia e líder familiar. Enfrenta hoje algumas decisões importantes que poderiam ter impactos conflituantes no seio de muitas destas identidades – mas como a irmã resolveu esse conflito optando abertamente pela filha em detrimento do que poderia ser melhor para a Empresa, não haverá um acordo de conforto entre ambas no processo de sucessão a não ser que a sobrinha de Teresa seja melhor que o seu filho… ou que Teresa ceda à irmã.

2.2. O Dinheiro sempre no centro de tudo

O dinheiro gera naturalmente uma dinâmica complicada no seio dos Grupos Familiares, porque tende a criar uma “conexão forçada” e diferenças graves de atitude face aos rendimentos da Empresa – distribuir dividendos vs. investir para o crescimento e mesmo a própria qualidade desses investimentos. A atitude certa começa com a consciência da noção de que a família cuida do negócio tal como o negócio cuida da família. Embora o Grupo Empresarial Familiar possa criar segurança financeira, também cria um mecanismo para manter os membros da família ligados uns aos outros e ao negócio, mesmo quando os membros da família passam pela idade adulta.

O dinheiro e a riqueza estão associados a muitos traços e emoções, incluindo culpa, segurança, influência, direito, competitividade e privilégio. A introdução de informação objetiva e ferramentas para uma comunicação mais aberta e explorar o papel dos valores individuais e familiares e a sua relação com o dinheiro pode ajudar na senda da harmonia familiar. É fundamental ter discussões abertas sobre o assunto no foro acionista para que se possam ultrapassar diferenças de perspetivas individuais e chegar a um equilíbrio consensual entre objetivos individuais e coletivos. E ir mais longe – fazer entender a todos os membros da Next Gen que o dinheiro e a riqueza podem proporcionar oportunidades e desafios para a dinâmica familiar à medida se tornam adultos e estão em condições de tomar decisões.

Navegar na complexidade do dinheiro e da riqueza na empresa familiar requer um equilíbrio delicado e a comunicação e estrutura corretas para proteger as relações. Isso estimula os membros da Família a refletir sobre questões difíceis, como justiça e igualdade, interdependência e independência, valorização e direito e o que significa estar intimamente ligado/a financeiramente a uma empresa familiar. Capacitar a nova geração com educação e habilidades de tomada de decisão para se tornar adultos financeiramente responsáveis e tomar decisões de vida independentes fornecerá uma base mais sólida para o desenvolvimento individual e a harmonia familiar a prazo.

2.3. Comunicação – saber ouvir, saber perguntar e saber opinar

Todas as famílias possuem uma ampla gama de padrões de comunicação, preferências e competências. No caso das famílias empresariais, sobreposição de papéis de membros da família, proprietários, administradores, gestores ou funcionários adiciona mais complexidade. Esta interligação natural conduz frequentemente a duas dinâmicas de comunicação:

  • As famílias compartilham uma sobrecarga de informações, incluindo detalhes financeiros e de trabalho, e gastam um tempo excessivo discutindo negócios, passando muitas vezes ao lado das questões que interessam – às vezes com culpa própria.
  • As famílias comunicam de forma inconsistente, o que cria distância e, por vezes, ressentimento entre aqueles que “sabem” e aqueles que se sentem excluídos.

Essas dinâmicas também podem saltitar de um lado para ou outro, criando naturalmente ansiedade no sistema familiar. Acresce a essa tensão o padrão comum de triangulação : em vez de comunicarem direta e abertamente entre si, os membros da família falam uns dos outros num jogo disfuncional e prejudicial de conversas privadas entre si, vulgo a famosa “rádio alcatifa”. É inevitável que isso crie tensões e afete a harmonia familiar.

Sem as ferramentas de comunicação necessárias e a transparência adequada, os membros da família podem sentir ressentimento e desconfiança ao longo do tempo. Isso conduz com frequência a que indivíduos, grupos familiares ou gerações se tornem polarizados, promovendo uma mentalidade segregada nada saudável, criando mau estar no seio da Família com os seus membros a atirar culpas uns aos outros, seja de forma aberta numa reunião ou em surdina entre um par de membros.

Neste contexto, é crucial que se desenvolvam capacidades de comunicação eficazes. Sem essa capacidades, não se consegue criar o verdadeiro espírito de colaboração essencial a uma harmonia familiar duradoura, seja na mesa de jantar, na mesa do CA ou na sala de retiro do Conselho de família

3. Como pode uma família empresária criar harmonia tendo por base os três fatores?

Na base da senda da harmonia está a consciencialização de cada membro sobre os fatores que determinam a dinâmica familiar e, por sua vez, o impacto que tem nas relações e atividades compartilhadas, seja como funcionários, gestores, membros do conselho, acionistas ou membros do conselho de família.

A título de exemplo, tomemos de novo o caso de Teresa. Vamos considerar os principais fatores de Identidade, Dinheiro e Comunicação, e ver como a podem ajudar a navegar pelos desafios da sucessão de liderança, preservando a harmonia familiar.

  • À medida que as decisões de negócios familiares surgem, Sónia pode considerar as múltiplas identidades em jogo, tal como ela própria faz quando precisa de equilibrar o papel de mãe versus um papel de presidente ou CEO. Além disso, pode estudar de que forma os membros ou ramos sem envolvimento no negócio podem ser levados a melhor entender as opções de decisão e os critérios associados, assegurando uma ligação mais estreita e ativa desses membros ao Conselho de Família. Explorar como as histórias familiares passadas moldaram as perspetivas e como elas podem ser recontadas para aproximar os membros da família também pode ser útil em certas instâncias.
  • Enquanto Teresa decide sobre os papéis dos membros da família como acionistas e como gestores ativos , pode fornecer educação valiosa sobre as complexidades do dinheiro nos negócios familiares. Esta é uma oportunidade para discutir investimentos, diferentes tipos de remuneração, distribuição de dividendos ou regalias, estimulando uma discussão aberta que alimente a harmonia familiar. Acresce que deve garantir que as decisões atuais do conselho e do executivo apoiem a saúde financeira contínua do negócio, fundamental para todos os envolvidos.
  • Para assegurar a continuidade saudável da MFS, Teresa pode estabelecer um acordo entre acionistas e gestores de topo de que as informações são comunicadas de forma oportuna e apropriada – e não numa única direção. A família precisa de um processo claro para fazer perguntas, dar feedback e desenvolver uma compreensão mais profunda sobre políticas e decisões. Isso inclui um plano de quem precisa saber o quê, quando e por que ordem. Por exemplo, se a sobrinha de Teresa for selecionada como o próximo CEO, quem precisa ser informado e em que altura do processo? Sónia também tem de gerir a sua própria identidade no papel de mãe de um candidato a CEO preterido, vencido pelo papel de CEO quando opta por assegurar que todo o processo correr da forma profissional prevista e acordada nos órgãos de governo da Empresa.

4. Conclusão

A harmonia familiar é alcançada quando há um esforço intencional para a perseguir com a consciência coletiva unida dos acionistas e da gestão de topo de que essa harmonia é essencial, de que é o alicerce fundamental da Empresa e da sua Família Acionista. As três maiores fontes que a possam colocar em causa estão identificadas e são comuns a qualquer Família Empresarial – As Identidades, o Dinheiro e a Comunicação.

Face ao exposto, compreendemos melhor os desafios de Teresa e como os pode tentar ultrapassar: com um diálogo aberto sobre identidade e dinâmica de dinheiro e com a construção de canais de comunicação transparentes. Procedendo assim, a Família de Teresa ou qualquer outra Família Empresarial vão ser mais fortes, mais coesas e capazes de navegar pelos obstáculos externos com maior facilidade e sucesso. A ARBORIS desenvolveu e já aplicou várias vezes um questionário proprietário para diagnóstico destes três pilares aplicável a Famílias Empresariais. Uma pequena assessoria, mas que tem produzido resultados surpreendentes na forma como as Famílias ganham consciência dos problemas e na evolução das relações internas no seio dessas Família, fortalecendo a sua harmonia.

Uma Empresa pode sofrer muitas adversidades, mas é nas três dimensões chave dos seus alicerces que se desvaloriza e, no limite, se destrói a si própria – mais depressa ou mais devagar. A imagem final que acompanha este artigo é bem demonstrativa de um grande grupo empresarial destruído pelos seus acionistas por uma “tempestade perfeita” onde os três fatores de conjugaram.

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