BRANDS' ECO “O setor dos pagamentos em Portugal não desenvolveu de todo o seu potencial”
Competitividade, inovação e regulação são temas centrais no setor de pagamentos em Portugal. João Câmara, Presidente da ANIPE, explora como o mercado português enfrenta estes desafios.
A propósito da 2º Conferência Anual da ANIPE, que está a decorrer hoje, estivemos à conversa com João Câmara, presidente desta associação, sobre os principais desafios do setor de pagamentos em Portugal. Entre os tópicos abordados estão a competitividade, o acesso ao Multibanco, a inovação, e o impacto da regulação europeia.
A conversa abordou também as condições necessárias para atrair investidores e competir com empresas estrangeiras, assim como o papel do Estado em promover um ecossistema de pagamentos mais dinâmico e inclusivo.
Atualmente, que problemas enfrenta o Setor de Pagamentos e Moeda Eletrónica em Portugal?
Em termos gerais podemos apontar desafios de natureza concorrencial, regulatória e de atratividade de talento e investimento. Vejamos:
- Grupo SIBS domina com mais de 95% de quota de mercado em segmentos-chave, o que limita o desenvolvimento de um ecossistema vibrante. Além disso, o ambiente regulatório ortodoxo em algumas áreas do Banco de Portugal dificulta o licenciamento, a inovação e a internacionalização. A regulação excessivamente complexa, com mais de 100 instrumentos legais entre regulamentos e diretivas, gera insegurança jurídica para os players do setor, afastando investidores e limitando a inovação, dos quais a maioría provém de Avisos, Instrutivos e Cartas Circulares do próprio Banco de Portugal.
- Outro desafio que enfrentamos é a capacidade de atrair e reter talentos no setor de pagamentos. Atualmente, os centros de decisão e de inovação estão concentrados em capitais europeias como Madrid, Paris e Londres, não existindo programas de formação específicos no nosso país.
- Temos ainda a considerar a digitalização dos pagamentos, que é um tema central nas discussões desta Conferência. A integração de novas tecnologias, como blockchain e criptomoedas, já está a transformar a forma como realizamos transações financeiras. No entanto, Portugal ainda está atrasado em relação a outros países da União Europeia no que diz respeito à adoção dessas tecnologias de maneira eficaz e regulamentada. As fintechs e as Instituições de Pagamento e Moeda Eletrónica (IPMEs) desempenham um papel crucial na transformação digital da nossa economia e do setor. Estas empresas são responsáveis por grande parte da inovação que vemos hoje. No entanto, em Portugal, o número de IPMEs sediadas no país é ainda muito baixo, com apenas 15 empresas. Isso deve-se a vários fatores, incluindo a complexidade regulatória e a dificuldade em competir com empresas da UE, que muitas vezes mesmo operando no nosso país estão sujeitas a processos mais ágeis e eficientes e abordagens regulatórias realmente proporcionais.
Como considera o ecossistema de pagamentos em Portugal, em termos de players, inovação e diversidade?
O setor dos pagamentos em Portugal não desenvolveu de todo e até ao momento o seu potencial e, por comparação a outros países, apresentando sinais claros de estagnação e encontrando-se atualmente na cauda da europa, num contexto legislativo e regulamentar (UE) que promove precisamente a sua dinamização tal como tem vindo a acontecer na esmagadora maioría dos estados-membros desde 2018. A atuação da ANIPE desde a sua fundação tem objetivos claros: + liberalização + concorrência, + empresas a operar no sector, + inovação para consumidores e comerciantes, + digitalização, + talento, + razoabilidade na aplicação de regulamentos, +valor acrescentado para a economia portuguesa. A ANIPE pugna por um país que seja de novo um referente de inovação, crescimento e desenvolvimento de talento neste mercado a nível Europeu e Mundial tal como foi até ao final dos anos 90.
O mercado é dominado por poucos players, especialmente o Grupo SIBS. A inovação é limitada, com um ecossistema pouco diversificado e menos atrativo para novos participantes. Embora existam iniciativas potencialmente inspiradoras, a regulação rígida dificulta a evolução da inovação. Se olharmos a seguinte tabela vemos como o mercado evoluiu desde finais de 2022.
O facto de termos 582 Instituições de Pagamento e Moeda Eletrónica registadas e a operar em livre prestação de serviços no país, com pouco ou nenhum valor acrescentado para a economia portuguesa, atesta de forma inequívoca o enorme o enorme potencial latente por explorar deste setor.
A ANIPE está plenamente convicta de que com políticas focadas e bem direcionadas, nomeadamente do ponto de vista legislativo e regulatório, será possível captar o investimento de pelo 10% desta Instituições, para que escolham Portugal como o local para licenciar e sedear as suas organizações, colocando no médio prazo o nosso mercado na dianteira da Europa passando a estar incluído no Top 5 da UE.
Será expectável um acesso não discriminatório ao scheme Multibanco por parte dos demais agentes de mercado? Ainda, estará a Segunda Determinação do Banco de Portugal ao grupo SIBS já implementada no início de 2025?
O Banco de Portugal (BdP), autoridade de supervisão do setor financeiro em Portugal, impôs uma medida regulamentar através de uma “Determinação Específica”, na qual reconhece os alegados atos ilícitos e tenta mitigá-los, o que reforça significativamente a evidência de que as decisões da Autoridade da Concorrência foram devidamente justificadas.
Desde 2022, o Banco de Portugal impôs duas determinações específicas ao SIBS SGPS SA (GRUPO SIBS) que, teoricamente, levariam à separação efetiva da entidade processadora do sistema Multibanco. A Segunda Determinação Específica à SIBS visava separar o sistema de pagamentos Multibanco da correspondente atividade de processamento, prática que parece constituir uma clara violação do artigo 35.º da Diretiva UE original 2015/2366 e do artigo 7.º do Regulamento (UE) 2015/751, estando este último em vigor há mais de 8 anos.
A Determinação avançou, fixando dezembro de 2024 como prazo final para a implementação das medidas correspondentes, estipulando controlos trimestrais ou relatórios de situação para acompanhar a evolução da aplicabilidade da Determinação e a aplicação de eventuais sanções em caso de atrasos injustificados.
Os argumentos tornados públicos para justificar a imposição do cumprimento por 24 meses de um Regulamento Europeu que está em vigor há cerca de 9 anos baseiam-se supostamente na justificação de que as normas tecnológicas e de segurança atualmente utilizadas pela SIBS não estão em conformidade com as normas internacionais, o que de certa forma é preocupante.
Chegados a este ponto consideramos que o acesso não discriminatório ao scheme multibanco é aparentemente uma questão em aberto. Esperamos que até o início de 2025, a implementação desta determinação facilite o acesso a outros agentes de mercado, de modo a promover uma concorrência mais justa, sem subterfúgios comerciais ou legais, que permitam levantar novas barreiras.

De que modo é que o Estado pode promover a competitividade no processos de pagamento?
Hoje, sempre que um cidadão pretende realizar um pagamento ao Estado, está limitado nas suas opções: Referências Multibanco (SIBS) ou Mbway (SIBS) ou o tradicional cheque e vale postal. Isto significa que para realização de pagamentos ao Estado (Autoridade Tributária, Segurança Social, Institutos Públicos, Custas Judiciais, Licenças, Taxas, etc), além da falta de opções, diversificação e inovação nas opções de pagamento para facilitar e acelerar o mesmo, excluímos todos os que não têm conta-bancária em Portugal, como por exemplo os nómadas digitais, a diáspora portuguesa, os imigrantes mas também o tecido empresarial português que para cumprir as suas obrigações é-lhes exigida a abertura de uma conta bancária nacional para utilizar instrumentos de pagamento que são exclusivos de Portugal, beneficiando de uma posição dominante (condenação AdC) e vedados aos grande Players Europeus e Globais, onerando e afastando o comércio português da dianteira da inovação, digitalização e competitividade, em especial nos canais digitais. Os pagamentos por transferência, por Débito Directo, por Pay-by-link ou Pay-by-Bank, bem como o recente SPIN (lançado pelo Banco de Portugal), deveriam ser implementados com a máxima urgência. A criação de um novo standard tecnológico aberto e de acesso universal atualmente em desenvolvimento pela AMA deveria ser priorizado pela tutela, sendo que a ANIPE dada a sua representatividade se disponibiliza desde já a apoiar a sua implementação de forma célere e a sua distribuição pelo maior número possível de operadores.
Todas estas iniciativas propostas visam trazer uma melhor capacidade de cobrança, a redução de custos para o Estado pela capacidade negocial entre concorrentes, uma melhor experiência ao utilizador para os cidadão, uma melhor reconciliação de pagamentos para os organismos públicos, e a abertura a pagamentos realizados por pessoas que não têm conta bancária em Portugal.
Que condições são necessárias reunir para que o Setor dos Pagamentos e Moeda Eletrónica em Portugal se torne atrativo para investidores nacionais e internacionais?
Na pergunta 2 acima já está enunciado o potencial existente neste mercado. Existem 582 IPME a atuar em livre prestação de serviços no nosso país mas com pouco ou nenhum valor acrescentado para a nossa economia. Isto comprova que o mercado apresenta um enorme potencial que não é alavancado, por constrangimentos estruturais e a ANIPE acredita que com políticas focadas, bem estruturadas e direcionadas legal e regularmente conseguiríamos captar investimento e fixar empresas. Imagine-se conseguirmos captar 5 a 10% destas empresas para sediarem as suas operações em Portugal! Estamos a falar de 27-58 novas empresas no setor que catapultaria o nosso país para o top 5 da UE.
Para que o setor surja no radar de investidores nacionais e internacionais, é necessário simplificar o enquadramento regulatório, aumentar a segurança jurídica e fomentar a inovação. A criação de um ecossistema mais diverso e inovador, juntamente com a modernização do sistema de pagamentos e a formação de talento, pode atrair mais investimentos.
Como é que uma empresa sedeada em Portugal pode competir com empresas sedeadas noutros países da UE? Isto é, empresas sedeadas noutros países da UE estão a vender serviços de pagamentos online em Portugal, registando clientes através de onboarding digital facilitado, conseguindo rapidamente abrir conta e em dois dias entregar um cartão de débito por correio. Qual seria o impacto deste tipo de eficiência no setor e na economia em geral se o pudessem fazer em condições de igualdade?
Existem neste momento em Portugal vários problemas estruturais e estruturantes no mercado, que acabam por ter como resultado a falta de concorrência, de inovação, de diversidade, e a diminuição das possibilidades de escolha de comerciantes, turistas e consumidores nacionais (e não só), com consequências ao nível do desenvolvimento do setor, do seu valor acrescentado para a economia nacional e da sua capacidade em reter talento e valor intelectual:
- A não-existência de paridade concorrencial com os demais estados-membros a nível regulatório e tecnológico uma vez que o legislador e o regulador não atuam eficazmente no sentido de promover a concorrência aberta, leal e saudável.
- Um mercado que não permite o acesso transparente e não discriminatório a todos os serviços de pagamento, onde não há neutralidade concorrencial das entidades públicas e onde é muito urgente implementar sistemas de pagamentos que permitam uma maior diversidade na reconciliação dos pagamentos ao Estado.
- Falta de liberalização efetiva do mercado, onde se desconhece os termos de adjudicação da gestão da Câmara de Compensação e não existe uma separação entre scheme doméstico e processamento, ao arrepio das Regulações Europeias em vigor;
São alguns dos fatores que condicionam a concorrência e a competitividade das empresas nacionais relativamente às empresas com sede noutras geografias. Empresas comunitárias que oferecem em Portugal serviços de pagamentos online com processos simplificados, como abertura de contas por selfie, representam uma ameaça competitiva significativa. Se as empresas nacionais pudessem operar com as mesmas condições, isso aumentaria a eficiência do setor, promovendo a competitividade e beneficiando a economia.
Face a este contexto era importante uma intervenção mais profunda e efetiva do legislador e do regulador para garantir um tratamento igual e não discriminatório dos players, de modo a evitar distorções competitivas mais acentuadas no mercado nacional com efeitos prejudiciais também ao nível do mercado único da UE.
A existência destas distorções de mercado obriga a que tenham de ser adotadas medidas tangíveis que garantam a neutralidade absoluta a nível tecnológico e concorrencial, impedindo que o ecossistema de pagamentos continue a ser dominado (ou simplesmente controlado) pelos mesmos de sempre, isto apesar das determinações específicas do BdP ou das condenações e sanções da Autoridade da Concorrência.
Existem diversos modelos estrangeiros (espanhol com a SEPBLAC, o francês com a ACPR, e o Polaco com a KNL) que separam a parte de Inspeção e Ação Sancionatória e Prudencial do organismo principal do Banco Central. Estes modelos facilitam os processos de licenciamento proporcionando uma abordagem mais proporcional e construtiva ao mercado?
É bastante interessante constatar que os exemplos de países que utiliza na sua pergunta são de países que no mínimo têm 5 vezes mais Instituições licenciadas que o nosso país, por isso e apesar de não conhecer demasiado bem esse modelo os números parecem indicar que esse será o melhor modelo, caso contrário porque é que não conseguimos registar nenhuma entidade em Portugal nos últimos 12 meses? A ANIPE tem conhecimento de processos de licenciamento em curso há já vários anos.
Nenhuma entidade supervisora que emita leis, as fiscalize, as julgue e por fim execute a sentença ou sanção, pode funcionar bem, essa é a minha convicção e não me parece que em Portugal seja diferente.
Neste nosso evento anual vamos discutir em detalhe com a ajuda de outras Associações Europeias de Pagamentos, da Irlanda, França, Bélgica e Polónia essa potencial solução. De uma coisa a ANIPE está certa, alguma mudança se terá de fazer nos processos de licenciamento, se não quisermos afastar o enorme potencial de investimento existente e quisemos garantir a continuidade do Setor.

Podem a Payment Services Directive 3 e a nova Payment Services Regulation (PSD3 e PSR) promover uma maior paridade na UE, e consequentemente apresentarem-se como uma oportunidade para Portugal?
A nova Payment Services Directive 3 (PSD3) e a Payment Services Regulation (PSR) podem promover uma maior paridade na UE, oferecendo uma oportunidade para Portugal modernizar o seu setor de pagamentos e alinhar-se com as melhores práticas europeias. Essas diretivas podem ajudar a reduzir as barreiras regulatórias e aumentar a competitividade do país.
Quando foi introduzida, a PSD2 trouxe grandes mudanças para o setor dos pagamentos em toda Europa. A Comissão Europeia procedeu à revisão da sua estrutura atual e apresentou propostas para estabelecer a Terceira Diretiva de Serviços de Pagamento e o Regulamento de Serviços de Pagamento (PSD 3 e PSR) de forma a retirar margem discricional e criativa aos legisladores locais. As novas normas de pagamento têm como objetivo promover uma maior uniformização das regras em toda a União Europeia, criar condições justas de concorrência para os prestadores de serviços de pagamento e fortalecer a proteção dos clientes contra fraudes.
Embora o processo negocial entre o Parlamento Europeu e os Estados-membros da UE continue e se antecipe que as regras finais entrem em vigor somente de 2026, é crucial que todos estejamos a par das mudanças significativas que se avizinham e nos comecemos a preparar com antecedência. A Autoridade Bancária Europeia (EBA) receberá a incumbência da Comissão Europeia para emitir normas técnicas de regulamentação (RTS) complementares e estabelecer regras detalhadas sobre elementos importantes da PSD3/PSR, como a autenticação forte de cliente, para ajudar as empresas a implementá-las. E é importante que todos os participantes do nosso ecossistema de pagamentos se apropriem das suas responsabilidades, cumpram o seu papel e contribuam para a boa implementação e operacionalização dos pressupostos, princípios e processos inerentes à nova regulamentação.
Não nos podemos esquecer do esforço hercúleo e desmesurado pedido às IPME Portuguesas, que são na sua maioría PME, para evitar excessos desproporcionais no processo de recertificação de licença supostamente necessário e previsto na PSD3, mas que infelizmente se verificaram com a recertificação aquando da PSD2.
Em que medida é que a função reguladora da UE pode estar a afetar a perceção do mercado acerca da perda de competitividade dos pagamentos na UE, quando comparado com outras regiões, isto é, pode estar a afetar a inovação?
A regulação da UE, se não for bem balanceada, pode inibir a inovação ao impor regras rígidas que dificultam a adaptação às novas tecnologias e à concorrência global. No entanto, um enquadramento regulatório modernizado pode apoiar o crescimento e a inovação no setor, se aplicado de forma adequada.
A regulação da União Europeia (UE) tem um impacto significativo no setor dos pagamentos, tanto no estímulo à inovação como no desenvolvimento do setor em toda a Europa. Diretivas como a PSD2 (Payment Services Directive 2) permitiram avanços ao introduzir conceitos como a abertura de serviços bancários a terceiros (Open Banking), promovendo a inovação. Isso facilitou a entrada de fintechs e novos players no mercado, permitindo a oferta de serviços mais personalizados e competitivos.
No entanto, a regulação excessiva (hiper-regulação) pode também representar um entrave. O alto grau de complexidade regulatória e o rigor dos processos de conformidade criam desafios significativos para as empresas que desejam inovar rapidamente. Isso é ainda mais evidente em comparação com outros estados, como os Estados Unidos, a China ou Brasil, onde o ambiente regulatório é muitas vezes mais flexível e permite uma adaptação mais rápida às mudanças tecnológicas. Assim, enquanto a regulação europeia proporciona proteção ao consumidor e estabilidade financeira, pode também sufocar a agilidade necessária para a adoção de tecnologias emergentes, como blockchain e criptomoedas.
A introdução da PSD3 e da nova Payment Services Regulation (PSR) pode ser uma oportunidade para abordar esses desafios, promovendo uma maior paridade entre os Estados-Membros e facilitando a inovação. Ao modernizar e simplificar as exigências, a UE pode equilibrar a proteção do consumidor com o incentivo à inovação, garantindo que o setor europeu de pagamentos continue a ser competitivo a nível global, ao mesmo tempo em que protege os interesses dos utilizadores.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
“O setor dos pagamentos em Portugal não desenvolveu de todo o seu potencial”
{{ noCommentsLabel }}