As vantagens de ser uma ilha energética (competitiva)

  • João Galamba
  • 11:15

Se, ao invés das interligações elétricas, se der maior prioridade ao investimento em armazenamento de energia e na flexibilidade da procura, o potencial de industrialização verde sairia reforçado.

O reforço das interligações elétricas da Península Ibérica com a Europa continental sempre foi um tema que preocupou os governos de Portugal e de Espanha. Sendo uma ilha energética, os dois países ibéricos eram prejudicados porque a baixa capacidade de interligação elétrica limitava o acesso a eletricidade a preços mais competitivos, produzida mais a norte. Isto era verdade para a eletricidade e para o gás. Com a descarbonização, as renováveis e a eletrificação dos consumos energéticos, a situação mudou radicalmente.

Tendo Portugal e Espanha passado a ser países competitivos em termos de produção de eletricidade, qual deverá ser a posição sobre as interligações elétricas internacionais? Para alguns, a preocupação deve manter-se, mas pelas razões inversas às do passado recente, passando as interligações a ser vistas como a porta de saída de uma outra forma de exportação competitiva. Parece ser essa a posição do atual Governo, tendo mesmo o Primeiro-Ministro, na carta que escreveu à Presidente da Comissão Europeia, referido as interligações como tema prioritário na política energética da nova Comissão Europeia. Fará isto algum sentido? No atual contexto, não parece fazer muito.

Em primeiro lugar, se temos eletricidade barata de origem renovável e se o reforço das interligações permite exportar eletricidade, então o resultado seria o de subir o preço da eletricidade dos países exportadores e baixar o preço dos países importadores. Ou seja, o reforço das interligações deveria ser uma prioridade de quem quer passar a ter acesso a eletricidade a um preço mais competitivo, não de quem já o tem.

Em segundo lugar, e como destaca a consultora McKinsey, a competitividade renovável de Portugal e Espanha, mais do que posicionar estes países como potenciais exportadores de eletricidade barata, torna possível uma vaga de industrialização verde, com os dois países ibéricos a serem destinos prioritários para indústrias eletrointensivas, que tradicionalmente se situavam no Centro e Norte do continente e que agora olham para o Sul como destino prioritário. O reforço das interligações, a ter algum efeito, seria o de restringir ou de esboroar essa vantagem competitiva ibérica.

Em terceiro lugar, mais do que tornar possível o reforço dos fluxos, em ambos os sentidos, da eletricidade, as interligações elétricas devem ser vistas como um elemento que aporta flexibilidade aos sistemas elétricos com elevada penetração de produção de eletricidade de origem renovável. Nesse sentido, juntamente com sistemas de armazenamento de energia e a chamada resposta da procura ou do consumo de eletricidade, as interligações elétricas têm valor porque facilitam a integração de renováveis à escala europeia.

Sendo apenas um entre vários elementos que dão flexibilidade ao sistema elétrico, uma coisa é certa: as interligações não parecem, dadas as atuais circunstâncias do mix de produção de eletricidade na Península Ibérica e correspondente competitividade de preço, merecer a prioridade que o Governo lhes aparenta querer dar, sobretudo se por interligações elétricas tivermos em mente, de modo prioritário, o reforço da capacidade de interligação elétrica com França. De todas as interligações elétricas, a dos Pirenéus parece a menos interessante de todas as possíveis, porque França, que é um sistema elétrico dominado pela tecnologia nuclear, é talvez o sistema elétrico menos complementar com o sistema elétrico de Portugal e com o de Espanha.

Se, ao invés das interligações elétricas, se der maior prioridade ao investimento em armazenamento de energia e na flexibilidade da procura, o potencial de industrialização verde identificado pela McKinsey sairia reforçado. Portanto, a haver uma preocupação prioritária do Governo, no domínio da política energética com reflexos diretos na dinamização económica, devia ser essa, deixando o tema das interligações elétricas internacionais, em particular o seu financiamento, para terceiros.

  • João Galamba
  • Economista e ex-secretário de Estado de Energia

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