O irrevogável ziguezague de Ventura

André Ventura sabe que se provocar eleições e perder deputados será o grande derrotado, podendo até enfrentar desafios internos.

Os últimos dias têm sido intensos e a possibilidade de novas eleições antecipadas voltou em força. No momento em que escrevo, não é certa a aprovação deste orçamento, nem é claro que, se for reprovado, seja já na generalidade ou espere pela especialidade. Porém, é quase seguro que quando o leitor ler este texto, já André Ventura terá mudado novamente de opinião e adensado as dúvidas quanto ao futuro deste documento.

Ventura tem marcado o seu estilo: ziguezagueante, errático, um verdadeiro cata-vento político. Recusa-se a pensar em manada, mas orgulha-se de pensar por marés. E tal como as marés, em poucas horas muda de figura. O que afirma ou diz pensar não passa de uma análise sua àquilo que, no momento, mais agradará ao seu eleitorado. Deambula entre o líder firme que não se deixa espezinhar e o líder responsável que evita um pântano político prolongado.

De entre malabarismos ou fugas para a frente, é claro que nem Pedro Nuno, nem Ventura querem o ónus da aprovação do OE, mas, também é certo que nenhum quer ir para eleições agora, apostando na hipótese de ser o outro a viabilizar o documento. As pressões internas de ambos os lados para evitar eleições são evidentes. Dentro do PS, autarcas e senadores fazem pressão pública; enquanto que do lado do Chega há muitos deputados que receiam perder o seu assento nesse cenário.

Se o OE for chumbado e Marcelo optar pelas eleições, é provável (baseando no caso de 2021) que estas se realizem em janeiro, faltando até lá 3 meses. A média das 4 sondagens realizadas em dezembro de 2023 – 3 meses antes das últimas eleições, quando estas já estavam convocadas – dava ao Chega 15,5%; a média das últimas três sondagens apresentadas projeta a Ventura cerca de 15% dos votos. Por isso, não pode ser destes dados que se retira a conclusão que o Chega vai invariavelmente descer dos últimos 18%. Pelo contrário, deixam tudo em aberto.

Muita gente se perguntará o porquê desta postura de Ventura. Creio que foi uma forma de pressão política, de criar incerteza nas negociações e ao mesmo tempo tornar todos os cenários finais possíveis e respaldados. A que custo? Podemos falar na credibilidade para os eleitores, bem como para futuras negociações. Começando pelo fim, para futuras negociações a fiabilidade do Chega é indiferente: o governo só tem duas vias e uma delas será sempre o voto favorável do partido de Ventura. Já para os eleitores, posso estar enganado, mas, tanto comportamentos passados do líder do Chega, como dos seus homólogos internacionais demonstram que a verdade ou a estabilidade das crenças são pouco relevantes para os seus eleitorados. Não me interpretem mal, não estou a defender a estratégia, estou apenas a tentar perceber o seu intuito.

Parece-me que a perceção de que o Chega, aconteça o que acontecer vai ter menos votos, talvez resultante das últimas europeias e do comportamento frívolo de Ventura, pode não passar de um wishful thinking de uma certa bolha mediática que procura, com muita vontade, acreditar que o resultado do início deste ano e os 50 deputados são o teto máximo do Chega. Depois das eleições presidenciais de 2021, dezenas de comentadores da nossa praça (e eu próprio, a bem da verdade) achavam que a direita de Ventura tinha atingido o seu apogeu numas eleições pouco participadas e com um presidente pouco popular à sua direita. Bem, estávamos errados.

Não haja dúvidas disto, a cada eleição, na maioria dos mais diversos países europeus, mas não só, se prova que o crescimento da extrema-direita ainda não conhece limites, e o Chega talvez não seja a exceção. Isto não quer dizer, de forma alguma, que o crescimento é eterno ou que Ventura não possa sair derrotado já destas eleições, significa apenas que não é necessário que depois de um resultado retumbante a queda seja inevitável.

Se vai acabar por votar contra o orçamento? Não faço ideia. Se tivesse o dom de adivinhar as posições diárias de Ventura, talvez fosse sensato apostar em preencher o Euromilhões. No entanto, para mim é certo que se tem mostrado inseguro e está com receio de enfrentar novas eleições.

André Ventura sabe que se provocar eleições e perder deputados será o grande derrotado, podendo até enfrentar desafios internos. Ao mesmo tempo, o resto do país deleita-se a gozar com as suas acrobacias e equilibrismo, esquecendo todas as lições que aprendemos ao longo dos últimos 5 anos: Nunca o menosprezar e, mais importante, nunca avaliar o seu comportamento com a lente a que nos habituamos a ver política.

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