Quando o modelo clássico da empresa familiar se esgota
O modelo clássico de empresa familiar é o ideal, mas se não houver sucessores, capital suficiente ou motivação dos acionistas, acolher um Private Equity é uma opção que merece ser considerada.
1. A falta de sucessores está a começar a ser um obstáculo sério à preservação de muitos Grupos Familiares no modelo clássico de propriedade e gestão executiva familiares.
Não obstante a sua enorme expressão no tecido empresarial a nível mundial, as empresas familiares enfrentam hoje a maior ameaça de sempre à sua sobrevivência: a falta de sucessores. De facto, há cada vez menos candidatos à sucessão do líder e os melhores sentem-se cada vez menos inclinados a seguir os passos dos seus pais ou tios à frente dos negócios da Família.
Este fenómeno resulta do efeito combinado de vários fatores, visíveis tanto nos EUA como na Europa ou na própria China…
- O inverno demográfico que reduz o “viveiro” de potenciais sucessores;
- Os patriarcas e matriarcas têm uma vida ativa mais longa e nem sempre estão dispostos a ceder o controlo antes dos setenta anos de idade… ou mesmo mais;
- A atração da nata da Next Gen por novos desafios geográficos e de carreira mais entusiasmantes e variados : vão para universidades e escolas de negócios de elite, arrancam a carreira nos setores e empresas com que sempre sonharam e passam a viver em cidades mais estimulantes e atrativas;
- A liberdade de terem o destino nas suas mãos, sem se preocuparem com a delicada gestão de compromissos que a liderança de um foro acionista familiar muitas vezes implica.
Ficam para trás os menos talentosos que podiam estar dispostos a assumir o controlo da empresa, mas geralmente não estão à altura. Há casos de capitulação dos acionistas nesse sentido, mas que demonstram que é sempre um passo para trás para a empresa, levando a situações familiares e de gestão muito complicadas que normalmente só são ultrapassadas com a entrada de um CEO de fora já em modo de “damage management”
2. O exemplo alemão é paradigmático – com a importância das empresas familiares na indústria alemã, o problema da sucessão atinge proporções alarmantes
O famigerado Mittelstand (setor das médias empresas) alemão, maioritariamente familiar e durante décadas o motor da economia do País, enfrenta hoje uma luta desesperada para preservar a tradição de liderança nas mãos dum membro de sangue da família. À medida que os líderes da geração atual se reformam, não se encontra uma solução de sucessão e os cargos de topo ficam vagos. O motivo vai além da falta de interesse inerente aos fatores atrás descritos: os herdeiros de empresas familiares alemãs evitam muitas vezes o risco do empreendedorismo e preferem abandonar ou vender a empresa, tal como constatou um estudo ao concluir que 34% das PMEs inquiridas conseguiam encontrar uma solução dentro da Família.
A impressão geral é de um colapso da energia dinástica: proprietários envelhecidos, falta de sucessores dispostos ou capazes e mau planeamento de sucessão. Este fenómeno tem como consequência que, com grande relutância, a liderança do negócio seja transferida para gestores profissionais ou que o negócio seja alienado, na totalidade ou parcialmente – mas garantindo sempre uma solução de governo estável e de qualidade. Trato a seguir destas opções em maior profundidade.
3. Se bem que preservar a sucessão familiar continua a ser considerada a solução pela qual se deve lutar até a fim, se isso não for possível, é necessário procurar um gestor profissional e/ou a venda parcial ou total da empresa, fortalecendo sempre o valor para os acionistas
Na ausência de sucessores com as condições adequadas, o futuro de uma empresa familiar e mantendo a totalidade do capital na família passa por trazer gestão profissional de fora da família. Há casos de sucesso, mas também de fracasso: se o gestor já tem uma longa carreira na empresa há um conhecimento mútuo sólido entre família e gestor que cria boas condições de sucesso, mas se não for o caso a experiência torna-se um desafio para ambos que muitas vezes termina em divórcio.
Se para além de não ter sucessor, o fundador ou a família já não querem a responsabilidade de manter a propriedade, parcial ou total, do negócio então a solução é vender.
Tradicionalmente a alienação de capital pelo fundador ou pela família era vista como uma derrota, uma desistência, até uma vergonha no seio da sua comunidade social. Com a dinâmica que hoje se vive, a alienação de capital já não pode ser encarada assim – é muitas vezes é a melhor opção para a valorização futura do património acionista.
De facto, os fundos encaixados com a operação podem permitir criar um Family Office que toma conta desse património gerindo uma carteira de investimentos industry agnostic e com foco predominante nos resultados. Esta solução assume-se como uma tendência que atinge hoje um nível de crescimento astronómico em todo o Mundo e as sociedades gestoras Multi-Family Office crescem como cogumelos nas grandes praças com modelos fiscais mais competitivos.
4. Que não haja dúvidas. Não obstante boas alternativas, o paradigma clássico da empresa familiar onde a liderança e a propriedade do negócio se mantêm na família continua a ser a solução ideal desde que o governo e a gestão estejam ao nível das melhores práticas e/ou a venda parcial ou total da empresa, fortalecendo sempre o valor para os acionistas
Se é verdade que a pressão para o fim do modelo tradicional se sente, ela tem de ser combatida pelas virtudes exclusivas inerentes ao modelo de propriedade e gestão familiar. Não foi por acaso que as empresas familiares conquistaram a enorme expressão económica que hoje têm, foi por um conjunto de atributos distintivos que tendem a desaparecer quando o capital deixa de estar sob controlo familiar, por exemplo…
- Uma perspectiva de longo prazo, bem mais longa do que as empresas não familiares;
- Níveis de rentabilidade estrutural superiores, comprovado por inúmeros estudos internacionais;
- Maior capacidade de retenção e motivação de colaboradores graças ao conceito de “família alargada” e aos fatores emocionais associados e cada vez mais decisivos;
- Raízes mais profundas nas comunidades locais;
- Repositórios de competências e conhecimento proprietários construídos ao longo de gerações que são fontes de vantagens competitivas valiosas;
- Ou, simplesmente, a força de um apelido de confiança junto dos vários stakeholders.
Será que estes atributos são preserváveis na ausência de sucessão de alto nível? Wolfgang Munchau, o reputado e polémico Editor do Financial Times, acha que estes atributos não se mantêm sem uma sucessão à altura e que se corre o risco deste contexto ajudar a impulsionar a desindustrialização da Alemanha, pelo papel vital que as Mittelstand têm desempenhado no investimento na infraestrutura industrial do país.
Por isso, na sua opinião, as empresas familiares tradicionais não se devem fechar a novas soluções empresariais – mas o seu foco deve manter-se na preservação do legado e do capital nas mãos da família, criando da forma mais virtuosa soluções de sucessão à altura dos requisitos de crescimento e valorização da empresa. E, se assim for, esses sucessores terão as melhores condições para preparar e atrair os seus filhos mais dotados para tomarem mais tarde o seu lugar – assegurando o círculo virtuoso de preservação da empresa familiar nas próximas gerações. Em suma, Munchau acha que a geração no poder se deve empenhar para contrariar os fatores de dissidência dos herdeiros com maior potencial para sucessores e estimulá-los com uma transição rápida e motivadora.
5. Quando os herdeiros perdem o interesse em preservar a posse da empresa familiar e a sucessão familiar é impossível, acolher um fundo de Private Equity (PE) pode representar a melhor solução de preservação e fortalecimento do valor para a família accionista
Permitir a um fundo de Private Equity (PE) o acesso ao capital da empresa é, na sua essência, uma forma de financiamento através da qual se recebe liquidez adicional em troca duma participação na empresa, parcial ou total. Mas a entrada de um fundo de PE numa empresa familiar não aporta apenas dinheiro para a empresa e/ou para os acionistas. A sua experiência e conhecimento materializam-se normalmente numa proposta com novos atributos passíveis de representar um significativo potencial de geração de valor para a empresa no momento em que se encontra.
Com efeito, os fundos de PE têm perfeita consciência do negócio onde estão a investir, do valor dos ativos, de como pode ser explorado o seu potencial de crescimento de valor – e sobretudo da crise de sucessão que se vive e que está a afetar a empresa, exigindo uma nova solução de gestão de alto calibre vinda de fora.
Por isso, o número de fundos PE e a sua dimensão média têm aumentado, fruto de um scouting eficaz que identifica no terreno as empresa familiares onde os seus atributos diferenciadores (por exemplo a participação em várias empresas familiares de uma certa indústria) podem acrescentar mais valor e que cumprem os seus critérios de investimento.
Os fundos de PE desenvolveram-se claramente segundo este racional tornando-se especialistas em explorar o potencial de valor de empresas familiares com os desafios descritos, promovendo essa valorização para maximizar o valor a obter no momento do desinvestimento – anos mais tarde. Quando questionamos um fundo PE de mercado médio baixo sobre as suas preferências de investimento, é normal que refiram algo como “Gostamos de investir em empresas de fundadores ou familiares com bom historial de mercado e liderança para explorar o seu potencial”. Outros dirão: “Queremos ter a liderança institucional, de propriedade e de gestão num negócio”. Estas afirmações significam essencialmente a mesma coisa e evidenciam a busca por situações onde o valor pode ser fortemente potenciado.
Finalmente regressamos à questão da relutância com que muitos acionistas de empresas familiares com problemas olham para os fundos de PE. É evidente que, ao acolher um fundo PE, ainda que mantendo uma posição minoritária, uma empresa familiar deve estar preparada para ceder poder de decisão. Não é obviamente uma decisão fácil e é muitas vezes apontada como uma barreira intransponível… mas os fundos de PE estão habituados a esta situação. Reconhecem a importância de preservar a voz do fundador ou do conjunto de acionistas familiares e o seu envolvimento efetivo no desenvolvimento da empresa, recolhendo a sua opinião ou as suas ideias em temas importantes da vida da empresa.
6. E que benefícios concretos pode aportar a entrada dum fundo de PE numa empresa familiar para além do influxo de liquidez?
Esta questão é decisiva e a experiência mostra que os fundos de PE aportam vários benefícios. Na minha opinião os principais podem ser agrupados em quatro grandes categorias…
i. Gestão profissional de alto calibre
O planeamento sucessório pode ser particularmente difícil para as empresas familiares. Os fundos de PE são bem versados em ajudar empresas de todos os tipos a gerenciar transições de liderança. Ao trabalhar com uma parte interessada experiente, as empresas familiares podem descobrir que podem garantir a saúde da empresa a longo prazo.
Os fundos de PE recorrem a redes de conhecimento que permitem identificar e recrutar CEO´s e outros profissionais para cargos de topo com elevadas competências, ajudando assim a solucionar a dificuldade crescente de empresas familiares em atrair sucessores estimulados e bem preparados dentro da geração seguinte. Estes profissionais externos são normalmente profissionais com forte capacidade de desenvolvimento estratégico e comercial, gestão de pessoas, obtenção de ganhos de eficiência e obviamente um conhecimento sólido do setor da empresa. Possuem uma personalidade típica de líder, carisma e talento relacional para construir um espírito de equipa aberto e construtivo com todo o foro acionista.
ii. Acesso mais alargado a conhecimento de valor através de peritos externo
Os membros da família podem trabalhar durante anos ou mesmo décadas dentro da empresa familiar. Embora isso tenha muitos benefícios em termos de estabilidade e conhecimento da empresa, é saudável e aporta valor inquestionável obter a perspetiva externa de peritos com conhecimento de classe mundial sobre o setor da empresa. A entrada dum fundo PE facilita normalmente o acesso a peritos dessa natureza e o próprio fundo de PE pode ter internamente recursos consideráveis a este nível, fruto da sua própria experiência com muitas empresas do setor em vários mercados. Para além de trazer peritos, o fundo pode ser capaz de atrair profissionais talentosos e experientes para posições de administração não executiva, personalidades independentes que trazem bons conselhos para ajudar o foro acionista a tomar as melhores decisões.
iii. Aumento da eficácia e eficiência das operações do negócio
As empresas familiares têm habitualmente características próprias que refletem os atributos distintivos da família, muitas vezes há gerações. Reorganizar uma empresa familiar a partir de dentro pode ser muito complicado pelos elos de “empresa familiar alargada” construídos durante anos ou décadas e a proximidade de relação pessoal com muitos dos colaboradores. Um dos benefícios da entrada dum fundo de PE é a inexistência de elos emocionais e a sua experiência em ajudar as empresas a simplificar o sem modelo operativo, a sua organização e os seus processos de funcionamento. Consequentemente, um fundo de PE pode ajudar uma empresa a crescer de forma mais sustentável e rápida, com melhoria significativa dos seus níveis de eficiência do negócio.
iv. Garantir a melhor solução de saída do fundo de PE
Em cada investimento, um fundo PE procura o momento e a solução de saída que lhe permita, a si e ao fundador ou aos acionistas familiares que tenham sido detentores minoritários de capital, o maior retorno possível. A venda a outra empresa do setor, a alienação a outro fundo com posições no setor ou uma fusão são soluções habituais.
Não é invulgar que os acionistas familiares originais recomprem o controlo da empresa, mas desde que tenham mantido posição acionista desde a entrada do fundo podem optar por sair com a mesma mais-valia do fundo PE ou por permanecer na nova solução, diluindo a posição ou reforçando-a.
São apenas exemplos de contextos de saídas possíveis, mas em todos eles um bom fundo PE terá garantido a valorização da posição dos acionistas originais se eles se tiverem mantido na empresa.
7. Os benefícios são evidentes e potentes – mas exige uma gestão cuidadosa da relação com o fundo PE se o fundador ou os acionistas familiares se mantiverem no capital
O casamento bem sucedido entre uma empresa familiar e um fundo PE pode gerar de facto benefícios muito importantes para ambos – mas existem buracos na estrada que as empresas familiares devem identificar, estudar e assegurar que são evitados, em particular três…
i. Disrupção no sistema acionista familiar e/ou no negócio
Há algumas armadilhas a evitar quando se procura investimento de capital privado numa empresa familiar. Uma mudança de propriedade traz consigo o potencial de disrupção que se pode materializar de modo particularmente visível quando o fundo PE assume o controlo do capital. Algumas empresas podem preferir buscar investimento minoritário e preservar o controlo, o que normalmente envolve menos interrupções. Mas são casos mais raros porque se torna menos atrativo para fundos PE já que limita o espaço de fortalecimento da empresa com as capacidades do fundo e, naturalmente, tende a reduzir a mais-valia de saída
ii. Choque com a cultura familiar
A não ser que seja uma venda total, é muito importante encontrar um fundo de PE cuja visão para o futuro do negócio esteja alinhada com a visão da família. Um choque de ideias ou estilos entre empresas investidoras e investidas pode causar muitos problemas. É sensato pesquisar muito bem o perfil de parte a parte e estabelecer as regras de jogo antes de fechar um acordo. Além disso, o foro acionista familiar deve estimular discussões honestas no seu seio para garantir que quaisquer pontos potenciais de conflito sejam reconhecidos e tratados antes que o investidor entre em cena.
iii. A diferença na experiência ou expectativas
É provável que os investidores em participações privadas tenham adquirido experiência investindo em muitas outras empresas. É improvável que uma empresa familiar que acolhe um fundo PE não o faça pela primeira vez e por isso não tenha uma exposição tão ampla a diferentes estilos de gestão. Isso pode levar a um descompasso que pode dificultar a execução de planos e estratégias de crescimento. Mais uma vez, o investimento a fundo em análises de perfis pré-acordo é essencial para dar à família e outras partes interessadas o conforto de se sentirem o mais bem preparadas possível.
8. Conclusão
O modelo clássico de empresa familiar é o ideal para criar valor acionista, contribuir para o crescimento económico e fortalecer o tecido social interno e na sua comunidade.
No entanto, quando uma empresa familiar sente dificuldades em garantir uma sucessão com as qualidades necessárias no seio da família, ter capital para investir na valorização e crescimento do negócio e reconhecer os riscos de trazer para a liderança executiva um profissional recrutado fora, o modelo clássico pode não ter condições de ser preservado e é necessária uma mudança de paradigma.
Acolher um fundo de PE que aporta fundos, experiência, capacidade de gestão e sensibilidade para as relações com o fundador ou a família posiciona-se como uma opção que merece séria consideração para empresas familiares com dificuldades em preservar o legado e valorizar e fazer crescer o negócio. A relutância das empresas familiares em considerarem esta opção é natural, mas que se tenha em conta que as competências, a experiência, a pressão que os investidores desses fundos colocam e a reputação das equipas de PE se traduzem em muito mais casos de sucesso do que de insucesso.
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