José Manuel Fernandes, líder do Conselho Geral da AEP, diz que IRC é “claro desincentivo ao redimensionamento empresarial” e quer gerir a imigração "na ótica do encaixe nas necessidades da economia".
É já esta terça-feira na Exponor, em Matosinhos, que a Associação Empresarial de Portugal (AEP) organiza o II Congresso Portugal Empresarial, que vai discutir o crescimento da economia no novo ciclo político e económico, assim como os “principais drivers para o crescimento empresarial futuro”: ESG, Inteligência Artificial e Pessoas. Na lista de oradores estão nomes como Álvaro Santos Pereira, economista-chefe da OCDE, ou os empresários e gestores António Redondo (The Navigator Company), Isabel Furtado (TMG Automotive), Filipe de Botton (Logoplaste), António Portela (Bial), Isabel Vaz (Luz Saúde) e Isabel Barros (Sonae MC).
Em entrevista ao ECO, José Manuel Fernandes, presidente do Conselho Geral da AEP, adverte que “é preciso escalar as empresas para fazer crescer o país”, notando que a “estrutura dimensional” do tecido empresarial português, com limitações de escala, é um dos fatores em que assenta a baixa produtividade relativa do país. O empresário nortenho diz ser “inconcebível” que Portugal tenha uma taxa máxima de IRC combinada (incluindo derramas nacionais e municipais) que atinge 31,5%, a segunda maior da OCDE, que descreve como “um claro desincentivo ao redimensionamento empresarial”. Quanto à política de imigração, aponta, deve ser gerida “na ótica do seu ‘encaixe’ nas necessidades da economia portuguesa”.
Que desafio é que este tema do congresso – “Escalar as Empresas, Fazer Crescer o País” – representa para as empresas?
Faz todo o sentido. Começando pelo crescimento, Portugal registou nas duas primeiras décadas deste milénio um crescimento económico medíocre, não atingiu sequer o ritmo de 1% ao ano, situando-se abaixo da média da União Europeia. Embora nos últimos anos tenha crescido acima da média europeia, não chega para aproximar Portugal do nível de rendimento dos países europeus mais desenvolvidos.
Um dos principais obstáculos – senão mesmo o mais relevante – ao aumento do PIB potencial é a baixa produtividade relativa do nosso país, que assenta num conjunto alargado de fatores, nos quais se inclui a estrutura dimensional do nosso tecido empresarial, com limitações de escala. Escalar as empresas, para fazer crescer o país é um desafio muito relevante a diversos níveis, onde destaco o reforço do processo de internacionalização, quer em termos de exportações quer de investimento, nacional e estrangeiro.
O que impede as empresas nacionais de ganharem mais escala?
Portugal tem de dar um salto na ambição do valor a criar e a sustentar na sua economia e no futuro. As empresas e o país têm de crescer de forma confiante e com ambição. Porém, o Estado não tem conseguido deixar de ser um obstáculo ao desenvolvimento económico, porque a própria envolvente em que se move a atividade empresarial é, em diversas situações, inibidora do processo de crescimento das empresas.
Que instrumentos e iniciativas são necessários para impulsionar esse ganho de escala?
Instrumentos que melhorem a atratividade do país enquanto destino de investimento, nomeadamente através da redução da excessiva carga fiscal sobre as empresas. É inconcebível que Portugal seja o país da OCDE com a segunda maior taxa máxima de IRC combinada (incluindo derramas nacionais e municipais), que atinge 31,5%. É um claro desincentivo ao redimensionamento empresarial, um sinal errado e contraditório com os próprios objetivos de política económica, pois os ganhos de dimensão empresarial são cruciais para a diversificação dos mercados de destino das exportações, bem como para alcançar maiores níveis de produtividade e competitividade nos mercados.
Precisamos de políticas de apoio ao desenvolvimento do conhecimento, de políticas que respondam ao desafio demográfico e, consequente, falta de mão-de-obra na economia industrial e serviços, por uma gestão da imigração na ótica do seu “encaixe” nas necessidades de desenvolvimento da economia portuguesa.
Num país ainda fortemente assimétrico como Portugal, precisamos de políticas de desenvolvimento dos territórios do interior, onde a captação de investimento direto estrangeiro permitirá viabilizar a colocação de projetos de grande dimensão, pelo efeito de povoamento e de melhor oferta de atratividade e fixação da população. Aqui, os projetos de matriz industrial têm também um efeito multiplicador, por serem desafiantes à formação de uma rede de novos fornecedores, PME locais, na valorização da cadeia de valor.
Finalmente, mas não menos importante, a necessidade de eliminar o excesso de regulamentação (demasiado rígida) e de burocracia em todas as áreas de relacionamento do setor público com as empresas, com consequências na produtividade e na competitividade.
Inteligência Artificial, ESG e valorização das pessoas foram os outros tópicos escolhidos para este encontro. Qual a sua relevância no atual contexto empresarial?
São temas absolutamente críticos, numa altura em que as pressões geopolíticas se alargam e intensificam, induzindo um clima de enorme incerteza nos agentes económicos (desde produtores, distribuidores e consumidores) e condicionando os mercados internacionais; em que as agendas para as transições digital e climática (com regras ESG), mas também a Inteligência Artificial, vêm impor novos e acrescidos desafios às organizações; em que o mundo enfrenta uma pressão demográfica paradoxal, com envelhecimento da população numas regiões e aumento exponencial da proporção de jovens noutras zonas do globo. Para responderem a estes e outros desafios, a principal “arma” que as organizações têm são as pessoas, pelo que é fundamental a respetiva adaptação a esta mudança, encarando-a como estratégica e fortemente alicerçada nas pessoas, o seu principal ativo.
Apesar do desenvolvimento acelerado da tecnologia, a diferença será feita sempre pelo lado do fator humano, responsável pela perceção das novas tecnologias serem vistas como uma ameaça ou, então, como uma enorme oportunidade para as organizações crescerem e se desenvolverem. Sempre acreditei que esta desejável segunda via é possível e está ao alcance das organizações, saibam elas serem as tomadoras desta agenda de mudança e apostarem definitivamente no capital humano, fomentando uma cultura organizacional proativa e dinâmica, bem como o engagement dos seus colaboradores para com estes objetivos estratégicos.
A par do contínuo investimento – na tecnologia e nas pessoas – o desafio demográfico adverso impõe uma particular atenção quanto à atração e retenção de talento, especialmente o qualificado. Em todo este processo, a liderança empresarial tem um papel cada vez mais relevante, pois os níveis de exigência, já habitualmente elevados, passam hoje por momentos verdadeiramente desafiantes e de elevada complexidade.
A baixa produtividade relativa do país assenta num conjunto alargado de fatores, nos quais se inclui a estrutura dimensional do nosso tecido empresarial, com limitações de escala. É preciso escalar as empresas para fazer crescer o país.
Quais são neste momento as principais iniciativas da AEP para apoiar as empresas portuguesas?
Atualmente, a AEP é a maior associação empresarial multissetorial de Portugal, com o estatuto de Câmara de Comércio e Indústria, desenvolvendo um amplo trabalho de apoio à atividade empresarial em diversas áreas.
Na área da formação, o desafio da qualificação/requalificação mantém-se. Aliás, acentuou-se pela dinâmica demográfica e novas competências requeridas pelo mercado de trabalho. A AEP tem ações de formação dirigidas a ativos, empregados e empregadores. Estamos fortemente empenhados em contribuir para a melhoria da qualificação dos portugueses e dos que acolhemos em Portugal. Desde 2008 que a AEP é Organismo Intermédio no Programa Formação-Ação PME, com resultados amplamente reconhecidos por todos os agentes, públicos e privados.
Na área da internacionalização continuamos a organizar feiras na Exponor, o principal parque de exposições do Noroeste Peninsular, a organizar missões e a participação em feiras internacionais (integradas no projeto BOW – Business on the Way).
Na área da divulgação / informação técnica, a AEP continua a produzir com rigor e a divulgar informação económica, de caráter conjuntural e estrutural, fundamental no apoio à tomada de decisão. Este observatório de informação económica permite assumir uma influência ativa, através da tomada de posição junto do Governo ou de outros órgãos de decisão, com formulação de estratégias de ação e de resposta a desafios que, direta ou indiretamente, impactam nas empresas.
No que toca à competitividade, implementamos projetos de apoio à capacitação em diferentes áreas: empreendedorismo, digital, sustentabilidade ambiental (ODS, ESG, Economia Circular) e na promoção da literacia financeira empresarial. Atuamos na vertente da inovação, como forma de acrescentar valor ao tecido empresarial, através da criação de projetos inovadores, ambiciosos e representativos da excelência dos nossos produtos e serviços. São áreas que a AEP aloca grande parte dos seus recursos. São estruturais para as empresas e para Portugal e a AEP pode dar o seu contributo.
Apenas para ter noção, em 2023, a AEP apoiou mais de 4 mil empresas, prestou mais de mil pedidos de informação (Associados, Governo e Comissão Europeia), desenvolveu 286 ações de formação, que envolveram 4.300 formandos, organizou 700 eventos (encontros nacionais e internacionais de negócios, conferências, workshops de diversas temáticas) e levou empresas a 23 mercados externos, tendo percorrido mais de 250 mil quilómetros. Todo este trabalho é desenvolvido em rede, com muitas entidades dos setores público e privado, com destaque para o movimento associativo empresarial, de base local, regional e nacional, o Sistema Científico e Tecnológico, as instituições do setor social, entre muitas outras.
Qual tem sido o papel da AEP na influência e participação nas políticas públicas que impactam o ambiente empresarial? Como colabora com os governos para promover um ambiente de negócios mais favorável?
Desde a sua fundação, a AEP tem vindo a colaborar no desenvolvimento de políticas públicas capazes de promover um ambiente de negócios favorável e esta colaboração tem-se materializado de diferentes formas. Através de tomadas de posição junto dos órgãos de governação; de produção e divulgação de informação económica relevante; de auscultação direta aos associados (realização de inquéritos), da elaboração de propostas e na emissão de pareceres, sempre tendo em vista a defesa da atividade empresarial. Organizando eventos, em colaboração com o Governo ou outros organismos, juntando os empresários e os governantes, ou em parceria com outras entidades, que contribuam para uma reflexão das políticas públicas tomadas.
A AEP celebrou este ano 175 anos de história. Qual foi a evolução da associação ao longo deste período?
A história da AEP é um testemunho vivo da importante função do movimento associativo de base empresarial. Ao longo destes 175 anos trilhámos o caminho da conciliação entre a sabedoria do passado, a inovação do presente e a antecipação de futuras tendências para ajustarmos permanentemente a nossa capacidade de mobilização e defesa junto do tecido empresarial, em distintas áreas e momentos.
Os desafios são muitos e diários, mas é com orgulho que continuamos a representar e a defender a iniciativa privada, isto é, quem mais cria riqueza em Portugal. A condecoração da AEP, no dia 4 de maio, como Membro Honorário da Ordem Militar de Cristo, é o mais recente reconhecimento que distingue a AEP pelos destacados serviços prestados ao País. Como há 175 anos, é para as empresas e com as empresas – os verdadeiros motores do desenvolvimento económico e social do País – que a AEP trabalha diariamente.
Foi em maio de 1849 que a AEP foi fundada (na altura AIP – Associação Industrial Portuense). Nasceu no Norte de Portugal, mas projetou-se para todo o país. Na época, Portugal estava a passar por mudanças devido à Revolução Industrial e à crescente globalização do comércio. A criação da AEP refletiu a necessidade de uma organização que representasse os interesses dos empresários e ajudasse a impulsionar o desenvolvimento económico.
Ao longo de 175 anos, a AEP expandiu as suas atividades para abranger uma ampla gama de setores e áreas de interesse empresarial. Tornou-se uma voz influente no cenário político e económico de Portugal, defendendo políticas que promovem a competitividade empresarial e o crescimento e desenvolvimento do país. Colocamos, todos os dias e todas as horas, o nosso empenho por um “Portugal mais”.
E quais foram os maiores contributos da AEP para esse desenvolvimento empresarial no país?
Já são muitos os contributos da AEP, mas destaco as áreas da formação, internacionalização e valorização da oferta nacional e informação / divulgação de informação técnica.
Na área da formação, a AEP foi a primeira a responder ao desafio da qualificação, que abrangia desde o nível mais básico, a alfabetização dos operários, até à sua formação técnica e científica. O sucesso desta, então, nova abordagem levou a que, em 1852, fosse criada a primeira escola industrial (Escola Industrial Portuense). A primeira instituição de ensino profissional portuguesa, pioneira no ensino técnico oficial.
Na área da internacionalização e da valorização da oferta nacional, em 1856 inaugurou, na sede da AEP, a primeira exposição permanente. Em 1861 realizou a Grande Exposição, no Palácio da Bolsa. Em 1865 inaugurou a primeira Exposição Internacional (para o efeito foi construído o Palácio de Cristal). E, em 1958, a AEP deu início à organização regular de feiras setoriais (têxtil, materiais de construção, metalomecânica, alimentação, etc.)
Na área da informação / divulgação de informação técnica, em 1852 a AEP lançou a primeira publicação de informação industrial e tecnológica, o Jornal da Associação Industrial Portuense. E na atividade financeira, em 1854, quando criou o Banco Aliança e um banco hipotecário.
Há algum momento ou iniciativa histórica particularmente marcante na trajetória da AEP?
Com 175 anos já vivemos muito, por isso é difícil apontar apenas um momento. Destaco três, que considero os mais importantes: criação da primeira Escola Industrial (1852), a realização da primeira feira industrial (1856) e a inauguração da Exponor (1987).
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