Oportunidades (urgentes) a não perder

  • João Galamba
  • 10:11

Dificilmente haverá áreas mais promissoras para reter e atrair jovens do que as associadas às transições energética e digital. Se as oportunidades são históricas, o seu não aproveitamento também será.

Dificilmente haverá áreas mais promissoras na sua capacidade para reter e atrair jovens em Portugal do que as associadas às transições energética e digital. Por essa razão, seria expectável que esses temas fossem prioritários na agenda e nas propostas dos diferentes partidos. É um pouco bizarro que tal não suceda. E também é bastante bizarro que propostas para acelerar a transição energética e digital pareçam estar completamente fora das discussões orçamentais recentes, sobretudo porque estas decorreram enquanto havia uma consulta pública sobre a revisão do Plano Nacional de Energia e Clima (PNEC), enquanto era divulgado o relatório Draghi sobre o futuro da competitividade europeia e enquanto a consultora estratégica McKinsey falava de uma oportunidade histórica para Portugal (e Espanha) em toda a agenda económica e tecnológica e industrial associada às energias renováveis. Nada disso parece ter grande relevância política. Estes temas não estão apenas arredados das principais apostas do Governo, como a oposição também não lhes dedica grande atenção.

Se queremos alterar estruturalmente as condições que permitem transformar a realidade salarial do país, assegurando subidas consistentes e continuadas do salário médio, a aposta em setores nos quais Portugal é fortemente competitivo e em atividades económicas com elevado Valor Acrescentado Bruto (VAB), sobretudo VAB mais elevado do que em setores como o turismo, devia ser uma prioridade nacional. Porque será sobretudo aí, e não em medidas como o IRS jovem, seja em que modalidade for, que teremos alguma possibilidade de deixar de ser um país de baixos salários. E, não tenhamos dúvidas, são os baixos salários, e a reduzida expectativa de alteração dessa realidade, as principais razões para a emigração dos últimos anos, sobretudo a emigração jovem.

Como defende a McKinsey no seu relatório, acelerar a transição energética (e digital) aumenta a competitividade das indústrias existentes e, também, permite atrair novas indústrias, nomeadamente eletrointensivas, como as associadas à inteligência artificial e os centros de dados, que são fortes consumidores de eletricidade verde. De uma forma ou de outra, o resultado deste processo é o mesmo: acelerar as transições verde e digital traduz-se em maior competitividade e, via efeito arrastamento para toda a economia, que será tanto maior quanto mais formos capazes de acelerar e tornar mais transversais as duas transições, torna possível uma subida generalizada e continuada de todos os salários.

Reconhecer e valorizar estas oportunidades devia levar a um alinhamento das políticas públicas com os objetivos da dupla transição. Devia tornar possível uma política de incentivos fiscais ambiciosa que promovesse, de modo eficaz, o investimento na descarbonização e a fixação de novas indústrias. Devia assegurar um quadro de licenciamento, sobretudo ambiental e municipal, que permitisse acelerar e dar mais previsibilidade aos projetos. Devia levar ao aumento do volume de investimento público em infraestruturas (energéticas, portuárias e de dados) que coordene e torne possível mais investimento privado nesses setores, um pouco por todo o território. E, por fim, devia tornar possível uma política de rendimentos mais alinhada com esse futuro, que tem de incluir fortes subidas do salário mínimo, o compromisso, por parte das empresas, de usar parte dos ganhos em competitividade para valorizar os salários e um IRS alinhado com as variações salariais desejadas e que reconheça a necessidade de aumentar, de forma significativa, o salário médio sem que tal se traduza num aumento da carga fiscal sobre os salários.

Não fazer nada disto, ou fazê-lo sem a urgência devida, pode levar a que Portugal perca as oportunidades que hoje claramente existem para transformar, de modo substantivo, o seu futuro. Se as oportunidades são históricas, o seu não aproveitamento também será, mas pelas piores razões.

  • João Galamba
  • Economista e ex-secretário de Estado de Energia

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