Criar mais grandes empresas não é fácil mas tem de ser feito
A importância das grandes empresas em Portugal está cada vez mais abaixo da média europeia - é essencial acelerar o crescimento das médias empresas motivando-as com soluções e removendo barreiras
A importância das grandes empresas em Portugal está cada vez mais abaixo da média europeia – é essencial acelerar o crescimento das médias empresas motivando-as com soluções e removendo barreiras
“Um dos principais obstáculos – senão mesmo o mais relevante – ao aumento do PIB potencial é a baixa produtividade relativa do nosso país, que assenta num conjunto alargado de fatores, nos quais se inclui a estrutura dimensional do nosso tecido empresarial, com limitações de escala. Escalar as empresas, para fazer crescer o país é um desafio muito relevante” – José Manuel Fernandes, Presidente da AEP
Não é novidade que as grandes empresas são em larga medida o motor do fortalecimento, competitividade e crescimento da economia – mas não temos suficientes
A escala é, de facto, um dos fatores mais determinantes para a competitividade sustentada das empresas, familiares ou não, e consequentemente para um crescimento mais rápido do PIB. A dimensão potencia maior capacidade competitivida através por exemplo de economias de escala, de mais e melhor inovação, dum portfolio de produtos mais atrativo e dinâmico, duma superior relação qualidade/preço, de maior capacidade de internacionalização ganhando quota nos mercados mais atrativos e naturalmente de modelos organizacionais que potenciem a produtividade e a capacidade de atrair e reter os melhores profissionais, um fator decisivo no contexto da crescente guerra pelo talento.
Como em tudo há exceções, mas são muito particulares. São empresas especializadas muito competitivas e/ou com atributos distintivos (p ex. patentes) em segmentos de mercado limitados. Três exemplos: a Nelo Kayaks, a ADICO, a mais antiga empresa de mobiliário metálico de café em Portugal detentora dum design único e intemporal exportado para todo o mundo ou a Portugal Jewels, uma jovem empresa inovadora na exploração das características únicas da joalharia portuguesa a nível mundial. Enquanto estas empresas tiverem condições para defender a sua posição global nesses nichos, tiverem saúde financeira e mantiverem abertas as vias de crescimento não há razão para alterar o paradigma de gestão – é deixá-las crescer e serem exemplos a replicar. Mas são exceções, não têm nem vão ter peso no crescimento económico nacional. O foco tem de estar em tornas grandes as médias empresas.
As grandes empresas não nasceram nem nascem por geração espontânea – evoluem de médias empresas, tipicamente de matriz familiar, com visões ambiciosas e energia.
A história do setor empresarial desde a revolução industrial mostra que o estatuto de grande empresa resulta quase sempre duma evolução. Parte dum fundador com génio, visão e arrojo que cria uma obra e as gerações seguintes são preparadas e estimuladas para fazer crescer essa obra. A dada altura passa duma pequena para uma média empresa e daí para uma grande ou mesmo muito grande empresa. Foi assim com os Grupos Mello, Champalimaud ou Queiroz Pereira em Portugal ou Quandt, Porsche, LVMH/Arnaut, Schwartz, Bosch ou Inditex noutros países europeus.
Ao longo dos últimos 50 anos, assistimos na Europa a uma consciencialização crescente da importância da escala através do estímulo às grandes empresas para passarem a muito grandes mas sobretudo às médias empresas para passarem a grandes. Em Portugal esse movimento passou em grande medida ao lado e ficámos para trás. Agora, temos de correr para recuperar o atraso, o que vai ser mais difícil face ao crescente domínio das economias asiáticas. Os obstáculos são maiores e a conquista de mercado externos, inevitável à obtenção de escala, é mais exigente.
A escala das PMEs portuguesas e o seu crescimento em direção ao escalão das grandes empresas está na cauda da Europa – o atraso na construção de escala é cada vez maior
A estrutura das empresas em Portugal tem uma dimensão relativa e crescimento inferiores à média europeia. Cruzando informação da UE e do Financial Times, nas quatro maiores economias europeias bastam 26 a 27 empresas para criar 10M€ de PIB – enquanto que Portugal são precisa de 35,8 empresas para atingir o mesmo nível de PIB. Este indicador muito simples coloca-nos na 16ª posição da UE 27, abaixo da média e muito atrás de países improváveis com população próxima ou inferior à nossa como a Bélgica (17,5), a Grécia (19,3), a Dinamarca (22,8), o Chipre (32,7) ou a Estónia (34). A vizinha Espanha não perdeu o combóio: está acima da média europeia com 27 empresas para 10M€ de PIB.
A definição clássica e oficial dos limites entre categorias de empresas estipula que as microempresas têm 1 a 4 trabalhadores, as pequenas empresas 5 a 19, as médias empresas 20 a 199 e as grandes empresas mais de 200 a 250. São limites demasiado modestos e que não refletem o mais importante, a receita. O prestigiado instituto Gartner reconhece as limitações desta definição propondo que se use o volume de negócios anual como medida e classificando micro e pequenas empresas até 50 Milhões€, médias empresas até mil milhões€ e as grandes empresas acima desta fasquia.
Face a esta situação, está Portugal a conseguir acelerar crescimento para recuperar o tempo perdido? Não, de todo. Citado pelo ECO, no ranking do Financial Times das 1000 empresas europeias que mais cresceram no ultimo ano há apenas sete portuguesas, só uma tem receitas acima de 5 M€ e a mais bem classificada está no … 490º lugar. O top 50 deste ranking é composto por empresas de 14 países europeus diferentes. Este ranking é naturalmente limitado para evidenciar a falta de crescimento da escala das nossas empresas … mas é um proxy interessante que evidencia que o crescimento médio e absoluto do volume de negócios do nosso tecido empresarial é claramente um dos mais baixos da UE.
Para ter resultados é preciso saber medir – a definição dos limites entre categorias de empresa deve estimular o crescimento e não promover um conforto mental inibidor.
A definição clássica e oficial dos limites entre categorias de empresas estipula que as microempresas têm 1 a 4 trabalhadores, as pequenas empresas 5 a 19, as médias empresas 20 a 199 e as grandes empresas mais de 200 a 250. São limites demasiado modestos e que não refletem o mais importante, a receita. O prestigiado instituto Gartner reconhece as limitações desta definição propondo que se use o volume de negócios anual como medida e classificando micro e pequenas empresas até 50 Milhões€, médias empresas até mil milhões€ e as grandes empresas acima desta fasquia. Demasiado exigente, mas muito mais interessante.
Voltando ao nosso foco de dar mais escala às médias empresas nacionais para se tornarem grandes e tomando o modelo Gartner, poder-se-ia considerar uma “média empresa” como tendo 50 a 250 M€ de faturação, uma “grande empresa” com 250 a 1000 M€ e uma “muito grande empresa” com mais de 1000 M€. A assimilação generalizada de uma definição desta natureza no seio do tecido empresarial e das instituições de suporte governamental poderia ser útil para que as médias empresas começassem a ter uma noção de escala mais moderna e pragmática, ajudando a estimular a sua ambição de crescimento. É verdade que estamos a enterrar a caduca definição regente e haverá reações, mas será um pecado assim tão grande face aos benefícios que se podem obter?
Estabelecido um novo modelo de classificação de empresas, estamos em condições de avaliar quais as vias de crescimento que se podem abrir às médias empresas para passar a grandes – e, porque não, claramente aplicáveis às grandes para passarem a muito grandes.
Podemos isolar quatro vias de crescimento para as médias empresas – qualquer delas pode permitir atingir o estatuto de grande empresa mas a necessidade de disrupção aumenta à medida que o modelo tradicional de matriz familiar é colocado em causa e/ou não consegue ter capacidade de resposta
1. Crescimento orgânico ou via parcerias – e um exemplo inspirador
Para atingir a dimensão de grande empresa, a opção mais natural para uma média empresa é conseguir acelerar o seu crescimento orgânico. Isso implica uma liderança mobilizadora que imprima capacidades superiores em toda a cadeia de valor, acesso a novos mercados e capacidade financeira. Os fatores são muitos e não merece enumerar novamente aqui, mas sim deixar alguns bons exemplos : A Henkel, a Lego ou a Hermès a nível mundial e a NOS, a Lactogal, a Delta Cafés, a Luis Simões ou a Casais em Portugal.
Mas há modelos de crescimento orgânico em parceria que podem trazer a escala pretendida a um determinado cluster e, com o tempo, a empresas que o integram. O caso do cluster português de fabrico de bicicletas recentemente apresentado pela InterMetal é um exemplo inspirador – em particular pelas posições de topo mundial alcançadas e por atingir, no conjunto, o limiar de uma grande empresa. Vale a pena apresentar aqui uma síntese deste magnífico exemplo.
O caso do cluster português de fabrico de bicicletas recentemente apresentado pela InterMetal é um exemplo inspirador – em particular pelas posições de topo mundial alcançadas e por atingir, no conjunto, o limiar de uma grande empresa. Vale a pena apresentar aqui uma síntese deste magnífico exemplo.
Portugal tem mais de um século de história no fabrico de bicicletas e apesar de altos e baixos o know how nunca se perdeu. Nos últimos anos, a procura de bicicletas feitas na Europa aumentou e Portugal estava bem posicionado para dar resposta. Resultado: entre 2015 e 2022, o setor conseguiu aumentar as exportações de 280 para 800 milhões de euros graças à montagem de um cluster de empresas de natureza complementar que funcionam como um conjunto único…
- A primeira fábrica do mundo a produzir quadros de bicicleta em alumínio de forma robotizada, a Triangle’s, de Águeda;
- O maior produtor europeu de rodas, a Rodi, de Aveiro;
- O maior fabricante europeu de correntes para bicicletas, a Sramport, de Coimbra;
- Uma das mais inovadoras empresas europeias do setor, especialista em cranks para bicicletas, a Miranda, de Águeda;
- A líder mundial no fabrico de cadeiras de transporte para bebés, a Polisport, da Carregosa;
- A maior fábrica de montagem de bicicletas da Europa, a RTE, de Vila Nova de Gaia;
- E a primeira fábrica europeia de quadros para bicicleta feitos em fibra de carbono, a Carbon Team, de Vouzela, com uma capacidade de produção instalada de 55 mil quadros por ano.
2. Crescimento inorgânico: O poder das aquisições
O crescimento inorgânico é o acelerador natural do crescimento orgânico – desenvolver aquisições na geografia de origem ou noutras e, muitas vezes, em setores conexos ao de origem da empresa. Mais uma vez a capacidade de liderança e o arrojo são determinantes para a deteção de oportunidades mas a capacidade analítica é decisiva para compreeender os benefícios e riscos da aquisição e criar as condições para que tudo se desenrole como previsto no plano.
A compra da Compal pela Sumol em 2005 permitiu criar um novo player no setor com um portfolio alargado e competitivo e a escala duma grande empresa, liberta das pressões de aquisição da Heineken ou da SuperBock Group. A Tecnimede, a maior empresa nacional do setor farmacêutico, avançou cedo para uma grande aquisição em Marrocos permitindo-lhe tornar-se hoje numa grande empresa, rentável e com assinalável crescimento. E muitos grupos empresarias do top 50 nacional são compradores compulsivos – SONAE, Pestana ou Corticeira Amorim apenas para citar três exemplos.
3. Ganhos de escala por fusão: O sonho quase impossível
Entenda-se por fusão a junção de duas empresas mantendo-se ambos os corpos accionistas no capital da empresa resultante. Não se trata de todo de operações frequentes em Portugal – a natureza do modelo familiar tradicional impera e torna claramente complexa a construção de uma nova entidade face às cedências que cada parte tem inevitavelmente de fazer para quie o produto final seja consistente. As dificuldades começam na avaliação de cada empresa e no modelo do projeto de fusão e continuam pela discussão sobre a liderança executiva ou sobre quem cede na concretização das sinergias de custo por exemplo. Quem se lembra da novela da falhada fusão BES/BPI sabe bem do que se trata.
Em Portugal há clusters de alta competitividade que carecem de empresas maiores – se o crescimento orgânico e/ou inorgânico não funcionar, a fusão parece ser a alternativa incontornável. Não faltam setores com empresas médias competitivas e muitas com alcance internacional mas com uma escala abaixo do seu potencial – têxtil técnico, moldes, acessórios no fabrico de automóveis, cerâmica, mobiliário, logística ou retalho especializado são apenas alguns exemplos. Mas reconhecemos que a matriz familiar tradicional torna essa solução difícil de implementar, tal como acontece em Espanha, França ou Itália por exemplo onde é frequente que o termo fusão seja usado para amaciar a mais agressiva aquisição – em Espanha, a junção dos Bancos Central Hispano e Santander foi apresentada como uma fusão mas foi na realidade uma integração do primeiro no segundo.
4. E se não houver condições para crescer mantendo a matriz familiar tradicional?
O modelo clássico de empresa familiar é o ideal para criar valor acionista, contribuir para o crescimento económico e fortalecer o tecido social interno e na sua comunidade. No entanto, quando uma empresa familiar sente dificuldades em garantir uma sucessão com as qualidades necessárias no seio da família, ter capital para investir na valorização e crescimento do negócio e reconhecer os riscos de trazer para a liderança executiva um profissional recrutado fora, o modelo clássico pode não ter condições de ser preservado e é necessária uma mudança de paradigma.
Acolher um fundo de PE que aporta fundos, experiência, capacidade de gestão e sensibilidade para as relações com o fundador ou a família posiciona-se como uma opção que merece séria consideração para empresas familiares com dificuldades em preservar o legado e valorizar e fazer crescer o negócio. A relutância das empresas familiares em considerarem esta opção é natural, mas que se tenha em conta que as competências, a experiência, a pressão que os investidores desses fundos colocam e a reputação das equipas de PE se traduzem em muito mais casos de sucesso do que de insucesso.
Com poder de decisão sobre o rumo da empresa, o reforço da equipa de gestão com profissionais de topo e injeção de fundos para reforço da competitividade e do crescimento, os fundos de PE vão trabalhar para valorizar a empresas e alienarão a sua posição numa operação de consolidação, muitas vezes via fusão ou integração com players nacionais criando assim uma empresa de escala superior, já grande ou com melhores condições de vir a ser grande mais depressa.
Há outras soluções que se poderiam classificar neste último ponto como por exemplo a venda a um outro player nacional do setor mas isso já seria uma operação de aquisição na perspetiva da empresa compradora. Nem sempre será possível manter o capital nas mãos de acionistas nacionais – mas o importante é que teremos uma empresa ou uma grande filial (Bosch, Siemens) sedeada em Portugal e com uma contribuição superior para a economia nacional e para a escala do nosso tecido empresarial.
5. Palavra final
Não é novidade que as grandes empresas são em larga medida o motor do fortalecimento, competitividade e crescimento da economia – mas não temos suficientes, todos reconhecemos isso. A escala das PMEs portuguesas e o seu crescimento em direção ao escalão das grandes empresas está na cauda da Europa e o atraso na construção de escala é cada vez maior. Algo não está a funcionar que tem de ser corrigido.
Primeiro há que estabelecer uma forma mais realista de classificar empresas em escalões, a transição de médias empresas para o escalão de grandes passa por uma de quatro possíveis vias de crescimento. Se a melhor via depende essencialmente das características caso a caso e sendo evidente que o nível de disrupção ao modelo tradicional de matriz familiar aumenta à medida que avançamos da primeira à quarta via, qualquer delas tem condições para conduzir uma média empresa ao estatuto de grande empresa.
Cabe aos empresários refletir e cabe às organizações empresariais e sobretudo ao Estado (em particular através da política fiscal e da gestão dos programas de incentivos) estimular da forma mais proativa possível este caminho de ganho de escala, na certeza de que Portugal tem todas as condições para não só chegar à média europeia mas para a ultrapassar.
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