Industriais exigem “ética” no acolhimento de imigrantes. “Se vivesse debaixo da ponte também ia roubar”

Líderes da TMG Automotive, Navigator e Logoplaste lamentam “preconceito ideológico contra grandes empresas” e criticam as falhas na imigração, sem a qual as fábricas portuguesas “não conseguem viver".

Portugal precisa de “importar mão-de-obra com consciência e com ética”, o que envolve “abrir as portas, mas saber acolher”, advertiu Isabel Furtado, CEO da TMG Automotive, descrevendo que “o que está a acontecer é totalmente desgovernado e péssimo”.

“Quando os imigrantes vêm para Portugal sem perspetiva de emprego, e sem um sítio para morar, vão criar problemas. Se eu estivesse a viver debaixo da ponte também ia roubar. Ter imigrantes a viver nestas condições de precariedade não está certo”, ilustrou a empresária nortenha.

Se eu estivesse a viver debaixo da ponte também ia roubar. Ter imigrantes a viver nestas condições de precariedade não está certo.

Isabel Furtado

CEO da TMG Automotive

Também o chairman executivo da Logoplaste, atestou que “não há em Portugal uma verdadeira política de imigração”. “Era bom que os ministros fossem ao terreno visitar onde vivem muitos dos imigrantes que temos em Portugal. Devemos ter vergonha de assumir que isto acontece no nosso país. São condições infra-humanas”, resumiu Filipe de Botton.

As instalações de apoio aos trabalhadores agrícolas, que demoravam meses a ser aprovadas, passaram a ser autorizadas em 30 dias, mesmo envolvendo sete organismos do Estado na avaliação. No entanto, o aval final tem de ser dado por todas estas agências do Estado, presencialmente, no dia da aprovação. “Todos nos rimos, mas isto são coisas gravíssimas. Tivemos de ter 32 pessoas no campo, na região de Odemira, no mesmo dia e à mesma hora, para confirmarem o que está escrito num papel”.

A burocracia e a complexidade que introduzimos leva muitas vezes à corrupção. Somos um país corrupto, ponto. E somos porque criamos leis e burocracias absolutamente desnecessárias.

Filipe de Botton

Chairman executivo da Logoplaste

O episódio foi relatado pelo porta-voz da Logoplaste para ilustrar um exemplo que “depois leva a situações menos claras”. “A burocracia e a complexidade que introduzimos leva muitas vezes à corrupção. Somos um país corrupto, ponto. E somos porque criamos leis e burocracias absolutamente desnecessárias”, acrescentou o empresário.

Durante o II Congresso Portugal Empresarial, alertou igualmente para o “estigma sobre pagar para ter recursos de qualidade” também no setor público, à imagem do que se faz no mundo empresarial. É que, resumiu, “o Estado também tem de pagar para ter recursos de qualidade e não podemos ter vergonha de contratar os melhores e pagar o que merecem”. “Sem desprimor para quem o faz a bem da nação, temos de quebrar o paradigma”, completou.

Filipe de Botton, chairman executivo da LogoplasteRicardo Castelo/ECO

Presente na mesma conferência, organizado pela AEP na Exponor, também o CEO da The Navigator Company frisou que “o país não consegue viver sem os trabalhadores imigrantes”, notando que a integração está a ser feita pelas empresas. No entanto, alertou para a importância da “seletividade”, apostando no recrutamento de estrangeiros que “com esta integração se consigam integrar nos padrões culturais” do país.

“Estamos a olhar para os PALOP e para o Brasil, que têm alguma proximidade nos padrões culturais, e a integrá-lo em equipas multidisciplinares. Que tipo de imigração queremos e como a conseguimos integrar? Tem de ser um desígnio da sociedade como um todo. (…) Não podemos estigmatizar os imigrantes, mas temos de perceber onde os vamos buscar e como os podemos integrar”, resumiu o líder da gigante papeleira.

António Redondo, CEO da The Navigator CompanyRicardo Castelo/ECO

Para compensar a falta de mão-de-obra, além de atrair imigrantes, as fábricas portuguesas precisam de “automatizar e robotizar o mais possível”, lembrou a CEO da TMG Automotive, que tem uma unidade na China e diz que “a cada seis meses que lá [vai], eles andam dois ou três anos dos nossos [europeus]. O “cenário assustador” em Portugal, contrapõe, é que essa automatização implica investimento em tecnologia que só as grandes empresas podem fazer – e em Portugal elas representam apenas 0,1% do total.

Nas agendas mobilizadoras do PRR não se teve a coragem de apostar em 20 ou 30 grandes empresas para depois arrastarem centenas de empresas. O ritmo de tomada de decisão e a capacidade de investimento são complexos.

António Redondo

CEO da The Navigator Company

A este propósito, já depois de Isabel Furtado ter falado na “diabolização” das grandes empresas, também António Redondo, CEO da Navigator, que diz ter 6.000 fornecedores nacionais que “crescem” com o grupo, atacou o “preconceito ideológico” contra as empresas de maior dimensão. Algo que disse ter ficado visível na idealização das chamadas agendas mobilizadoras do PRR, que obrigaram à formação de consórcios envolvendo dezenas de empresas.

“A dificuldade é que quando temos agendas com 20, 30, por vezes mais de 50 empresas, o ritmo de tomada de decisão e a capacidade de investimento são complexos. Não se teve a coragem de apostar em 20 ou 30 grandes empresas para depois arrastarem centenas de empresas. Optou-se por este sistema intricado, com níveis de execução muito abaixo daquilo que deviam ser”, descreveu o gestor.

Do “flagelo” do IRC aos “tiros nos pés” da Europa

Em matéria de política fiscal, a CEO da TMG Automotive apelidou de “uma loucura” as “taxas que se pagam por tudo” em Portugal, incluindo o IRC. “Estamos sufocados em impostos e taxas. O IRC é quase um flagelo para as empresas porque o objetivo é gerar riqueza e, se o Estado vem tirar essa riqueza, a empresa não tem grande hipótese de investir. É obvio que baixar IRC das empresas, só por si, não é solução para tudo, mas temos de ir passo a passo. A Irlanda estava tão mal ou pior do que nós há uns anos e agora veja como está”, frisou Isabel Furtado.

Isabel Furtado, CEO da TMG AutomotiveRicardo Castelo/ECO

A empresária nortenha aproveitou ainda esta conferência para falar sobre o mau hábito da Europa legislar sobre tudo, o que acaba por retirar competitividade aos industriais europeus, ao aplicar regras locais num mercado globalizado. “Temos a produção na Europa constrangida entre medidas regulamentares a todos os níveis, fiscal, laboral e ambiental. Mas alegremente deixamos importar tudo o que não cumpre com esta mesma regulamentação. Gostamos de dar tiros nos pés. Estamos a complicar a vida ao industrial europeu, sem exigir reciprocidade a tudo o que vem da Ásia para a Europa”, concluiu.

Sobre o relatório de Mario Draghi sobre a competitividade na União Europeia, que foi apresentado em setembro pelo antigo presidente do Banco Central Europeu (BCE), Isabel Furtado analisa que “veio com 10 anos de atraso”. “E se demorarmos 10 anos a implementar ‘já fomos’. A China não espera. É muito complicado empreender na Europa quando a própria Europa não defende os seus empresários”, concluiu.

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