Até onde vai o egoísmo?

A proposta do IRS jovem iniciou o debate sobre quem tem de pagar o nosso Estado Social. O sistema de distribuição não pode ser o mesmo. O que este debate mostra é que chegamos ao fim da linha.

O nosso modelo de distribuição não é entre os mais ricos e os mais pobres. É entre os mais jovens e os mais velhos. A AD tentou uma solução absurda, tecnicamente inviável com a proposta de IRS jovem, mas tinha um diagnóstico claro: os mais novos não podem pagar mais. Mesmo que não gostemos da solução há uma pergunta que temos de responder: quanto mais podemos exigir aos mais jovens?

Ao longo da vida cada geração recupera na velhice, através da reforma, aquilo que descontou. Porém, esta geração de jovens vai receber relativamente menos do que os seus pais e avós descontaram e pagar mais por benefícios que não gozará.

Este relatório do Orçamento do Estado indica que dentro de 10 anos a segurança social não terá capacidade de fazer face aos compromissos actuais. Vai entrar em défice. Até 2070 (o horizonte final de previsão) não há uma inversão significativa de tendência.

Aliás, tudo aponta que a situação ainda se agrave mais do que o indicado neste documento. O fundo de estabilização, desenhado para suportar sobressaltos passageiros, esgotar-se-á perante défices permanentes. As contas da Caixa Geral de Aposentações aparentemente não entram no exercício. Nestes números também não estão contemplados os sistemas que suportam o abono e aliviam a pobreza mais directa. Resumindo: Estamos só a falar de pensões que representam 8% do PIB em 2024 e 10% em 2070. E há mais riscos do que os apontados no exercício.

Se estes números e esta desigualdade intergeracional e social não tornam a situação evidente, não sei o que tornará. Perante este cenário absolutamente abusivo e egoísta há algumas propostas que merecem ser estudadas.

Há uma versão do livro verde da segurança social, encomendado pelo anterior Governo, que se sabe pouco e com ideias pouco concretos, pelo que se lê nas notícias.

  1. Há quem queira taxar outros meios de produção, além dos salários. A lógica deste argumento é, muita vezes, moral: Se a inteligência artificial rouba empregos, então as empresas que a usam devem sustentar o Estado Social. A moralidade é má conselheira. Os impostos nunca serão pagos por um robot, mas pelas empresas que deixam de investir. Estamos a falar da tecnologia de ponta que pode revolucionar o país. É evidente que provocará uma baixa no crescimento económico. De uma forma simples: serão os jovens que terão de pagar, com a falta de crescimento ou com produtos mais caros.
  2. A outra solução é consignar mais receitas de impostos. Actualmente, além das contribuições, temos o IVA social, as receitas do adicional do IMI, IRS e do IRC, e o adicional sobre o sector bancário. Quantos mais impostos queremos ter? As pensões têm de crescer ao ritmo da economia, não de acordo com a capacidade de aplicar mais taxas.
  3. Finalmente, há quem sonhe com um crescimento económico formidável que resolva os nossos problemas. Talvez se o decreto que obriga o crescimento económico for publicado num formato de livro de autoajuda se perceba o absurdo da proposta.

Seja como for, vejo algumas soluções:

a. Se for para fazer algum hair cut, que se faça mais cedo do que mais tarde, de forma a diluir o esforço entre mais gerações. Temos de definir já o modelo de ajustamento para as próximas décadas.

b. Colocar um tecto nas pensões mais elevadas, bem como um mínimo nas pensões mais baixas.

c. Fomentar um pilar de capitalização, descentralizado. Isto é, permitir e incentivar que cada família comece a resolver a sua reforma, colocando menor pressão sobre as responsabilidades do Estado.

d. Reduzir a carga fiscal sobre os mais jovens de forma que estes possam começar a investir num regime de poupança e crescimento.

A proposta do IRS jovem iniciou o debate sobre quem tem de pagar o nosso Estado Social. O sistema de distribuição não pode ser o mesmo. O que este debate mostra é que chegamos ao fim da linha. O abuso sobre os mais jovens não pode continuar.

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