IRS Novo Talento: Mais impacto, abrangência e equidade

O IRS Novo Talento é mais focada do que o IRS Jovem, e aplica-se ainda ao novo talento menos jovem, ao regresso de emigrantes qualificados e aos estudantes estrangeiros e imigrantes qualificados.

A medida de IRS Jovem é desfocada e está mal calibrada, podendo ser melhorada de forma simples, mas continuo a defender a proposta de IRS Novo Talento, claramente preferível em termos de impacto, abrangência e equidade, procurando evidenciar as múltiplas vantagens do regime.

Proposta de IRS Jovem pode ser melhorada, mas continuará a gerar desigualdades entre gerações

A proposta de IRS Jovem incluída na proposta de Orçamento de Estado de 2025 (OE 25), resultante das negociações não terminadas entre governo e PS, embora reduza o custo da medida face à versão inicial do governo, o impacto orçamental associado é ainda elevado e a eficácia deste tipo de medida baseada na idade para redução da emigração é muito duvidosa. Foram precisamente estas as críticas do FMI a este respeito na recente consulta anual a Portugal ao abrigo do Artigo IV da instituição, continuando válidas na proposta de IRS Jovem que está inscrita no OE 25, ainda que atenuadas na questão do custo.

Em termos de alterações face à versão atual do IRS Jovem, a duração sobe para 10 anos (entre os 7 anos propostos pelo PS e os 13 que o governo desejava), o dobro da atual, o benefício permanece decrescente no tempo nesse período maior e, como negociado, a idade máxima de acesso aumenta para os 35 anos e o benefício deixa de estar dependente do ciclo de estudos, o que gerou consenso entre governo e PS.

Na prática, é eliminado o 12º ano como critério mínimo de acesso, o que considero um erro grave – nessa perspetiva, a alteração promovida ao regime piora-o –, pois incentiva o início da vida ativa sem a escolaridade mínima, que a partir desse momento passa a ser ‘letra morta’.

Entendo que, pelo contrário, o regime poderia ser melhorado de forma simples, aplicando o benefício apenas a partir da licenciatura, para incentivar as qualificações além do mínimo e concentrar, assim, o apoio naqueles em maior risco de emigrar (os mais qualificados), baixando o custo da medida. As poupanças obtidas, deveriam ser canalizadas para:

  1. Ampliar as bolsas de estudo para estudantes carenciados, reforçando a igualdade de acesso ao ensino superior e ao IRS Jovem (na versão reformulada proposta), que deveria promover um esforço de qualificação para gerar maior produtividade nas organizações, reforçando a sua capacidade de pagar maiores salários. Como está, o acesso ao benefício depende apenas da idade e da contratação.
  2. Baixar as taxas de IRS nos escalões mais baixos, onde se situarão os jovens trabalhadores que não chegam ao ensino superior;
  3. Outras medidas de apoio aos jovens, nomeadamente reforçando o acesso à habitação.

Tal seria mais justo e simples, reduzindo algumas desigualdades da ligação entre idade e ciclo de estudos no regime em vigor – jovens de 18 a 26 anos com ensino secundário, no mínimo; e jovens até aos 30 anos com doutoramento – e eliminando o desincentivo a terminar a escolaridade mínima na versão do OE 25.

Contudo, mesmo esse regime melhorado continuaria a gerar uma clara desigualdade intergeracional, podendo mesmo suscitar problemas de constitucionalidade que, curiosamente, deixaram de ser referidos após a medida ter sido consensualizada entre governo e PS, mas que persistem, a meu ver.

Discordo da justificação que tenho ouvido de que o IRS Jovem visa corrigir a redução de benefícios das novas gerações em termos de pensão futura, pois seria tentar corrigir uma distorção com outra. Há que gerar incentivos adequados que beneficiem as várias gerações e, sobretudo, impulsionem a produtividade do Pais, para que seja possível gerar mais crescimento económico, com mais pessoas, pois só assim conseguiremos uma Segurança Social sustentável e capaz de pagar pensões adequadas, hoje e no futuro. Como já referi neste espaço de opinião, um estudo da FEP mostra que a criação de condições de crescimento económico gera a dinâmica populacional que materializa esse crescimento. Precisaremos de um fluxo ainda maior de imigrantes para sustentar um crescimento económico na casa de 3% ao ano, que permitiria estabilizar a população e atingir a metade de países mais ricos da UE no espaço de uma década.

IRS Novo Talento, um incentivo único ao trabalho qualificado de residentes, emigrantes e imigrantes

Prefiro, por isso, a substituição do IRS Jovem, a par com os programas Regressar (benefício fiscal ao regresso de emigrantes) e IFICI+ (reforço do Incentivo fiscal à investigação científica e inovação criado no OE 2024, em lugar do Regime do Residente Não Habitual, RRNH, mais abrangente) – não acessíveis a todos os contribuintes –, pelo regime de IRS ‘novo talento’ (mais ou menos jovem) que defendo, com deduções em IRS nos anos imediatamente após novas qualificações superiores, tanto maiores quanto maior o grau académico. Há várias calibrações possíveis da medida, devendo ser escolhida a que melhor atenda, de forma equilibrada, aos vários regimes que visa substituir, tendo em conta os seus objetivos.

De qualquer modo, ficam algumas ideias importantes que devem ser salvaguardadas no regime:

  • Um limite de anos de apoio imediatamente após cada formação superior (cinco anos, por exemplo), face à depreciação do conhecimento adquirido (cada vez maior, neste mundo de constante evolução tecnológica), para que haja um incentivo permanente a qualificações superiores ao longo da vida;
  • Um limite global de anos de apoio, mas generoso (10 anos no total, por exemplo) e interpolado – acautelando situações como estudo e desemprego, o que incentiva a intercalar experiência profissional com regressos à Academia –, que obrigaria a escolhas (abdicar de anos de apoio para usar num grau mais avançado e obter uma maior dedução a seguir, dependendo da calibração usada) e limitaria o custo;
  • Contemplar no regime formações superiores em áreas diferentes da formação de base, assim como pós-graduações e pós-doutoramentos, significando que se aplicaria a qualquer contribuinte que esteja no ativo independentemente da formação superior que já possua e dos objetivos da formação seguinte;
  • Majoração para trabalhadores em PME – crescente no grau académico –, para as tornar mais produtivas;
  • Limites absolutos do benefício por grau em cada ano, para baixar o custo do regime e atenuar a potencial regressividade da medida – dependendo da calibração escolhida e assumindo que quem tem formação mais alta ganha mais, o que nem sempre acontece, como sabemos; basta ver que os empresários são, em média, menos qualificados do que os trabalhadores em Portugal e ganham mais –, que se aceita enquanto apoio temporário para incentivo à formação superior e retenção/atração dos mais qualificados, acessível a todos, o que me parece preferível à injustiça atual de regimes diferenciados por idade e residência.

Com a formulação genérica proposta, o IRS Novo Talento gera um incentivo unificado a novas qualificações (e à produtividade e inovação) – obtidas no país ou no estrangeiro – e à permanência no país para residentes, emigrados e imigrantes de várias idades que trabalhem e descontem em Portugal, simplificando o regime fiscal e tornando-o mais justo, o que não acontece atualmente, pois o IRS Jovem, o IFICI e o Regressar atribuem vantagens fiscais não acessíveis a todos os contribuintes portugueses.

O Ensino superior poderá também crescer com a medida de IRS Novo Talento, ao promover: (i) mais jovens estudantes nacionais que queiram ir além da escolaridade mínima; (ii) mais regressos de trabalhadores no ativo (mais ou menos jovens) à Academia; (iii) mais jovens estudantes internacionais, que têm um incentivo a cá trabalhar e aplicar o seu talento, tornando-se imigrantes permanentes.

O crescimento do Ensino superior nesses vários segmentos (em comparação com a tendência passada) poderá, por isso, ser um bom indicador de impacto da medida de IRS Novo Talento, mais efetivo do que avaliar a evolução da emigração jovem, que depende das condições económicas no país e no exterior (a emigração em geral tende a baixar com a melhoria do diferencial de crescimento económico face à União Europeia, UE, como mostrou o estudo da FEP), mas também de outros fatores (como emancipação e conhecimento de novas culturas, estimulados por programas como o Erasmus), o que dificulta ainda mais a avaliação do sucesso de uma medida como o IRS Jovem, pois não se sabe se influencia decisões ou não.

Acresce que Portugal tem uma das maiores taxas de desemprego de pessoas qualificadas na UE e nos jovens a situação é ainda pior, como mostrei neste mesmo espaço de opinião na semana passada, pelo que o crescimento do ensino superior abriria oportunidades de emprego para absorção dessas pessoas qualificadas na Academia, mas também no resto da economia, se a medida impulsionar a produtividade e o crescimento do conjunto da economia, como é pretendido.

O IRS Novo Talento é, por isso, muito mais focado e efetivo que o IRS Jovem do OE 25 – apenas são abrangidos os jovens com formação superior e é incentivado um esforço permanente a novas qualificações, que também promove uma estadia superior no País por motivo de estudo – e com um custo menor na faixa etária do IRS Jovem (até aos 35 anos), devendo a poupança ser aplicada na ampliação do valor das bolsas para os estudantes com menos recursos, reforçando a igualdade de oportunidades, bem como na redução da tributação em IRS nos escalões mais baixos (onde se inserem os jovens que não conseguem aceder ao ensino superior), entre outras medidas para os jovens (por exemplo, na habitação).

No que respeita à retenção e atração de talento jovem em Portugal, o IRS Novo Talento é, por isso, muito mais focado e efetivo que o IRS Jovem do OE 25 – apenas são abrangidos os jovens com formação superior e é incentivado um esforço permanente a novas qualificações, que também promove uma estadia superior no País por motivo de estudo – e com um custo menor na faixa etária do IRS Jovem (até aos 35 anos), devendo a poupança ser aplicada na ampliação do valor das bolsas para os estudantes com menos recursos, reforçando a igualdade de oportunidades, bem como na redução da tributação em IRS nos escalões mais baixos (onde se inserem os jovens que não conseguem aceder ao ensino superior), entre outras medidas para os jovens (por exemplo, na habitação), como já referido anteriormente.

O IRS Novo Talento beneficia tendencialmente mais as novas gerações, por frequentarem mais o ensino superior (e por ser incentivado que mais jovens o façam), mas está acessível às gerações anteriores – relativamente menos qualificadas, explicando o peso global ainda baixo do ensino terciário na população ativa no contexto da UE, pois as novas gerações já comparam bem nesse indicador –, o que incentiva o seu regresso à academia na busca de novas competências e um salário líquido maior.

Com o IRS Novo Talento, a vantagem monetária da formação superior passa a ser uma certeza em vez de uma mera possibilidade – para quem tem o primeiro emprego, mesmo que comece num trabalho que não requeira uma qualificação tão alta; e para quem já está empregado, que nunca sabe a priori se terá uma promoção salarial após a formação ou terá uma melhor oportunidade de emprego noutro lado –, devendo a medida ser calibrada para que bem mais do que compense o custo da formação, pelo que dispensaria a medida atual de devolução do custo da propina no IRS, que além de gerar uma desigualdade intergeracional, não altera a decisão de emigrar (na base dessa medida) dado o baixo valor associado.

Assim, a proposta de IRS Novo Talento gera muito menos injustiças intergeracionais do que o IRS Jovem, que só depende da idade, não do esforço de cada um, potenciando ainda um aumento da produtividade das gerações anteriores, menos qualificadas e ainda predominantes no emprego, bem como o regresso de emigrantes qualificados e a atração de estudantes estrangeiros e imigrantes qualificados.

IRS Novo Talento apenas premeia jovens futebolistas talentosos também fora de campo

A proposta impediria também que jovens futebolistas sem formação superior e com elevados salários, como o caso noticiado de Gyökeres (avançado do Sporting), consigam obter o benefício fiscal máximo do IRS Jovem. Teria ainda impedido que Pepe, antigo defesa central do Porto, tivesse vindo auferir um salário milionário para o FC Porto tributado em apenas 50% ao abrigo do Programa Regressar, a não ser que, entretanto, tivesse obtido formação superior. Sou insuspeito para falar disto, pois como adepto portista gostei que tivesse regressado, mas enquanto cidadão e contribuinte, considero que foi uma enorme injustiça fiscal e isso vale muito mais. O futebol até poderia sair a perder no imediato com a proposta de IRS Novo Talento face ao IRS Jovem em termos monetários no caso referido e similares, mas a justiça fiscal seria reposta. Diria que o setor precisa, como o resto da economia, de uma carga fiscal mais baixa (especialmente, no IRS e IRC), não de benesses específicas ou distorcionárias, oriundas de medidas desfocadas como o IRS Jovem. Trata-se de um setor até relativamente mais competitivo do que a média da nossa economia e poderia ser ainda mais atrativo com uma carga fiscal menor; é o setor que o diz.

Contudo, o IRS Novo Talento traz também vantagens, a prazo, para o setor do futebol e disponho-me a fazer um exercício académico nesse sentido. A proposta incentiva os jovens futebolistas em Portugal a prosseguir estudos superiores, ampliando a sua dimensão humana e possivelmente até o seu desempenho em campo (a parte cerebral conta muito no jogo, não é apenas a dimensão física), o que exigirá um grande esforço de conciliação de tempo, mas há atletas que o conseguem, pelo que é possível. Com uma formação superior, os jovens futebolistas, além de ampliarem a sua dimensão humana, como referido, começam, desde logo, a preparar a sua carreira futura. Portugal poderia, assim, atrair talento não apenas a jogar à bola, mas também com conhecimento acima da média, potenciais futuros talentos também como treinadores, dirigentes, fisioterapeutas, médicos do desporto, ou em carreiras fora do futebol, em qualquer dos casos beneficiando a sociedade. Para as anteriores gerações ligadas ao futebol, o IRS Novo Talento incentiva a atualização de conhecimento e a fixação de talento no nosso país – por exemplo, professores de desporto, dirigentes, treinadores, etc. –, reforçando a atratividade do setor.

Outras desvantagens do IRS jovem

Quanto a outra consequência do IRS Jovem que vi referida nos media, de que o aumento da oferta de trabalho poderia baixar salários e anular o efeito do benefício, penso que isso só acontecerá ao nível dos jovens menos qualificados e menos propensos a emigrar, pois nos qualificados o problema é retê-los no País, como se sabe, e as empresas queixam-se há já algum tempo de falta de recursos humanos, pelo que baixar salários não é uma opção se quiserem reter e atrair jovens qualificados. Outra das questões que surgiu, e bem, nos media como uma desvantagem do IRS Jovem é a possibilidade de reduções de salário bruto em novas contratações por parte de empregadores pouco éticos, que tentem captar o benefício focando a proposta de contrato no salário líquido a auferir. Também neste caso, será pouco provável que o risco se materialize no caso de pessoas com formação superior, mais atentas ao salário bruto. Estas duas desvantagens adicionais do IRS Jovem reforçam o argumento para que só se aplique a quem tenha formação superior ou, melhor ainda, para que seja substituído pelo IRS Novo Talento que defendo.

Concluo que o IRS Novo Talento é uma proposta com impacto transversal e estruturante na economia, sendo mais focada do que o IRS Jovem na retenção de talento jovem, mas indo muito mais além, pois aplica-se ainda à criação de novo talento menos jovem, ao regresso de emigrantes qualificados e à atração de estudantes estrangeiros e imigrantes qualificados, tornando o regime fiscal mais simples e justo. A medida permitiria posicionar Portugal como um ‘viveiro de talento’, aumentando a nossa atratividade.

  • Diretor da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, Professor Catedrático e sócio fundador do OBEGEF

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