O mito da era dos novos miniciclos políticos
Em 2026, o debate entre candidatos deverá focar-se no que fariam em situações análogas às de 2021 e 2023, e em que condições convocarão eleições antecipadas.
A política portuguesa, nos últimos meses, tem conhecido um novo chavão: ‘Entramos numa era de miniciclos políticos’. Será isto verdade? Fiz uma retrospetiva das nossas 16 legislaturas e 24 governos constitucionais e a conclusão que daí tirei foi manifestamente diferente.
Desde 1976, data das primeiras eleições legislativas, contamos 48 anos de democracia com 16 legislaturas e 24 governos constitucionais. A matemática é simples, cada legislatura tem, em média, 3 anos e cada governo teve, durante este período, em média, 2 anos. Vamos agora excluir os outliers mais evidentes: A primeira legislatura com a sua eleição intercalar e os seus 6 governos. Temos 18 governos em 43 anos, passando cada governo a ter uma duração média de menos de 2 anos e meio.
Acho que destes números já se pode tirar ilações bastante interessantes. Os nossos governos, em média, duram pouco mais que meia legislatura. Essa tendência é tudo menos recente e acompanha a evolução do nosso sistema democrático. Não creio, por isso, que tenhamos entrado em miniciclos, estes são os nossos ciclos.
Tendo em mente olhar para a duração de conjuntos de governos ao longo dos anos, proponho agora que dividamos os nossos 24 governos em 4 grupos de 6 governos cada.
- Os primeiros 6 governos, de Mário Soares a Sá Carneiro, contabilizaram 5 anos.
- Os segundos, de Pinto Balsemão a Cavaco Silva, governaram 14 anos.
- Já os terceiros, de Guterres a Sócrates, somam 16 anos de governo.
- E os últimos, de Passos até hoje, já contam com 13 anos de executivos.
Ainda vou mais longe. A aprovação do Orçamento para ‘25 na generalidade e a impossibilidade da dissolução da Assembleia da República entre setembro de 2025 e setembro de 2026, leva-nos a crer que não teremos eleições antecipadas até, pelo menos, final de 2026 ou até mesmo início de 2027. Neste raciocínio, torna-se bastante provável que este governo de Montenegro vá durar, pelo menos, perto de 3 anos. Confirmando-se isto, poderemos afirmar que estes últimos seis governos, supostamente resultado dos miniciclos políticos, podem vir a somar 15 anos de governação. Mais até do que um suposto período de estabilidade (1981-1995) com 3 maiorias absolutas em 14 anos.
Tendo olhado para todo este manancial de dados, até potencialmente fastidioso para o leitor, convém pensar agora nas possíveis razões da origem desta crença generalizada. Efetivamente, vivemos hoje num período de forte instabilidade política, entre 2019 e 2024, contamos com 3 eleições legislativas, o período com mais sufrágios desde 79-85, quando em 6 anos se somaram 4 legislativas. Mais ainda, temos hoje o maior terceiro partido da nossa democracia, e desde 2022 vive-se num constante sentimento de fim de ciclo ou, pelo menos, de interrupção.
Pensemos primeiro na questão do terceiro partido. Esquecendo o epifenómeno do PRD, em ’85, e olhando para a esquerda à esquerda do PS, para a qual havia muro até 2015, foram inúmeras as eleições em que BE+PCP+outros passaram os 30 deputados e isso não tornou o país ingovernável, tanto para governos de esquerda como de direita. 50 deputados condicionam bastante mais a governação que 30, é natural, mas nenhum partido vive de crescendos perpétuos e estes 50 deputados não passaram a ter dono. Em democracia ninguém detém votos ou eleitores, nada é eterno. Em 2019, BE+CDU tiveram 31 deputados, hoje são 9 e só passaram 5 anos. Achar, por este motivo, que a ingovernabilidade é fatalmente o novo normal é manifestamente catastrofista.
Outra razão para esta perceção é a proliferação de eleições. As idas às urnas têm sido repetitivas e mais do que o contexto político o grande responsável é o Presidente Marcelo. Foram 3 as legislaturas, após a primeira, em que houve mais do que um governo. Em 1981 houve até dois governos do mesmo Primeiro-Ministro. Principalmente as eleições de 2022 teriam sido perfeitamente evitáveis se Marcelo Rebelo de Sousa tivesse optado por olhar para a história e deixar o partido que tinha larga maioria encontrar alternativas. A sua constante vontade de ser o elemento central do regime levou-o a ser ao longo dos últimos 5 anos o grande fator de destabilização do sistema.
Creio que a história pode não ser tão simpática para o Professor Marcelo como este esperaria. Foi responsável pelo maior período de instabilidade política e governativa desde os idos tempos do fim do governo minoritário de Cavaco Silva. E é por isto que as próximas eleições presidenciais serão as mais importantes da nossa democracia desde 1986. É aí que se responderá à questão que levanto no título.
Acredito, e os dados estão do meu lado, que hoje é mito que vivamos em miniciclos, mas estou profundamente convicto que se em 2026 a escolha cair num Presidente com o mesmo perfil político de Marcelo Rebelo de Sousa, esse fim poderá ser inevitável. As decisões voltadas sempre para o momento, acompanhadas de demasiada intervenção mediática não tiveram bons resultados.
Em 2026, para além da discussão do então possivelmente fragilizado governo de Montenegro, o debate entre candidatos deverá focar-se no que fariam em situações análogas às de 2021 e 2023, em que condições convocarão eleições antecipadas, qual será a sua relação com os microfones e com o silêncio. Em muitas variáveis, precisamos de um Presidente contrário a Marcelo e disto depende a estabilidade e governabilidade do sistema. Nunca é demais lembrar: Já foi em 1982 que o Governo deixou de depender da confiança do Presidente da República.
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