Das Kapital

Está na mãos deste Governo optar por um país em que ambos, capitalistas e trabalhadores, ganhem, derrotando a lógica de Hegel e de Marx.

Das Kapital, o famoso manuscrito escrito em 1867 por Karl Marx, há mais de 150 anos, continua a ser um enorme fardo na mente de muitos políticos, jornalistas e comentadores portugueses que nos diversos órgãos de Comunicação Social vão dando a ideia de que o futuro do nosso mercado é a sua extinção, apesar da acção assertiva e continuada da CMVM, da Euronext e de muitas outras entidades do ecossistema financeiro, entre as quais a APAF se inclui. Na lógica da dialética hegeliana, a oposição de sortes entre trabalhadores e capitalistas (ou detentores de capital) origina um ganhador por um lado e um perdedor por outro, sem que seja possível visionar um mundo onde ambos são ganhadores ou ambos são perdedores.

Portugal é um exemplo do segundo caso, em que ambos perdem. Com a lógica de que o mercado de capitais é um tema de direita e que os partidos de esquerda nunca apoiarão legislação que fomente um mercado de capitais mais desenvolvido, de maior dimensão e que de facto aumente a diversidade de fontes de financiamento empresarial, acabamos por prejudicar empresas, detentores de capital e trabalhadores, num exercício de hara-kiri em que os únicos “aparentes” vencedores são os bancos que fazem empréstimos transformando os depósitos de portugueses em crédito, sem que, porventura, se apercebam que a segurança, a escala e a solvabilidade subiria por um factor exponencial, caso os capitais das empresas a que emprestam fossem transaccionáveis em Bolsa.

Pior de que isso, se houver cegueira e egoísmo num negócio creditício que é manifestamente bom, por várias questões regulatórias e de sustentabilidade, nas empresas cotadas que já têm o estatuto de empresa cotada e que se em maior número fossem, melhor e mais crédito poderia existir na nossa economia.

Por outro lado, os trabalhadores portugueses, a não ser que o sejam de alguma empresa tecnológica americana que tenha colocado a empresa em bolsa e esteja em teletrabalho em Portugal, não têm acesso aos benefícios (dividendos e valorização) dos detentores de capital e estes por sua vez não conseguem recrutar jovens ambiciosos e talentosos que em vez de receberem salários entenderiam bem o que são as remunerações variáveis com prémios em acções ou em stock options, que hoje em dia são uma das maiores fontes de rendimentos de muitos americanos e europeus.

No entanto Das Kapital (o capital), é essencial para o nosso futuro. Nem o capital, nem o trabalho são os unicos garantes desse futuro. As bases de qualquer empresa que queira empregar, pagar asos seus fornecedores , comprar equipamento, pagar a (elevada) carga fiscal e garantir aos seus propritários um valor adequado ao risco que estão a assumir baseia-se num adequado nível de capital e fator humano motivado. Mas sem o primeiro valorizado por um mercado dinêmico, os trabalhadores, o Estado, os fornecedores estarão a adiar um futuro maior e mais sustentável. E Portugal com a sua incapacidade de atrair empresas ou de reter empresas no Mercado de Capitais tem dado os passos errados na sua sustentabilidade. Um mercado de capitais bem dimensionado e representativo da economia é uma farol para todos os que aplicam os seus capitais.

Há que acrescentar também uma dimensão macroeconómica, à (quase) inexistência de empresas cotadas ou que se disponham a entrar no Mercado português. Os mais de 33.000 milhões de Euros de OIC-Organismos de Investimentos Coletivo (fundos de investimento) que fazem parte da poupança dos portugueses e que está à disposição das sociedades gestoras domésticas (sem falar dos montantes que estão aplicadas em sociedades gestoras estrangeiras e que não têm parado de crescer), decompõem-se em mais de 13 mil milhões ativos imobiliários (onde falta fazia que houvesse incentivo para que uma parte destes dos ativos fosse dirigida para o grande problema social que flagela sobretudo os mais jovens) e em cerca de 20 mil milhões de ativos financeiros (sobretudo titulos de dívida de baixo risco dos Estados Europeus), sendo ainda hoje uma pequena parte aplicada em acções. Mas as acções existentes nestas carteiras são na sua grande maioria de empresas estrangeiras: assim a poupança portuguesa, num segundo exercício de Hara-Kiri doméstico, financia o mercado americano (e as valorizações estratoféricas de algumas empresas de tecnologia) e outros mercados , mas não o nosso País e as nossas empresas nos seus projectos de crescimento.

As recentes medidas do novo Governo vão no sentido correcto, aumentando os incentivos para que o mercado seja uma fonte credível de financiamento, só que muitos dos que têm que ser convencidos para além das empresas para quem esta legislação é dirigida, são os investidores de retalho, que têm memória, têm grande aversão ao risco e têm um montante de mais de 200 mil milhões de euros aplicados em depósitos e outras aplicações que vão perdendo valor real ao longo dos anos com o processo inflacionário em curso. È para estes que temos que olhar com coragem dando-lhes condições para que numa escala razoável, leia-se em montantes limitados, possam , do ponto de vista fiscal, aplicar as suas poupanças no nosso mercado de capitais directamente ou através de fundos especializados.

Tivemos boas notícias nos últimos tempos, com empresas com vontade de se apresentarem aos investidores nacionais e estrangeiros como forma de estarem expostas a uma das economias que tem apresentado melhor desempenho na Europa em diferentes dimensões (reconhecido pelos mercado de dívida), mas a retirada de outras empresas que tinham recentemente chegado ao mercado com uma alta remuneração para os accionistas do IPO traz de volta a ideia de que estamos a definhar.

O discurso do copo meio vazio tem sido o preferido em Portugal por muitos agentes, mas preferia ver um copo que, depois de ter sofrido com as políticas fiscais anti-mercado do Governo que tinha Karl Marx na sua base de apoio parlamentar, passou a ter agora, potencial para satisfazer o novo capital que tem entrado nos Fundos portugueses à boleia da entrada de estrangeiros de Altos património.

Dados recentes mostram que 53% dos americanos bilionários dizem que ter intenções de emigrar depois das eleições presidenciais dos EUA independentemente de quem ganhe. E para estes americanos o país preferido de destino é Portugal , em conjunto com outros países mediterrâncos da UE.

Temos uma oportunidade de ouro pela frente para capitalizarmos a economia, para aumentar a dimensão dos capitais dispersos em bolsa e a dimensão das empresas portuguesas, não repitamos os erros históricos de D.Manuel com os Judeus há 528 anos, ou do Marquês de Pombal, com a Ordem dos Jesuítas há 265 anos . Das Kapital (o capital) é para ser atraído, retido e acarinhado, não pela direita ou pela esquerda, mas por todos que queiram um país que não sucumba às crises de dívida.

Está na mãos deste Governo optar por um país em que ambos, capitalistas e trabalhadores, ganhem, derrotando a lógica de Hegel e de Marx.

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