Madalena Cascais Tomé, CEO da SIBS, afirma que dados das transações apontam para quebra no consumo das famílias, que estão também a privilegiar bens essenciais.
A SIBS vai continuar a desenvolver novas funcionalidades para o MB Way. A presidente executiva, Madalena Cascais Tomé, revela em entrevista ao ECO, que vai passar a ser possível fazer pagamentos contactless (NFC) também com os dispositivos da Apple. “Vai nivelar aquilo que são as funcionalidades que neste momento existem para os telemóveis Android para os telemóveis iOS”, explica na conversa para o podcast À Prova de Futuro, que tem o apoio do Meo Empresas.
A partir do início do próximo ano será possível usar o MB Way em transferências para Espanha e Itália, um projeto que Madalena Cascais Tomé diz ser “o primeiro passo efetivo na visão da própria Comissão Europeia e do Banco Central Europeu, que é garantir que as soluções europeias têm capacidade de escalar no contexto europeu”.
A empresa vai também continuar a apostar no negócio internacional, que já representa 20% das receitas. Cabo Verde é o novo destino, numa parceria com a entidade que gere os sistemas de pagamentos do país.
Os mais de seis milhões de utilizadores do MB Way e 70 milhões de transações por mês permitem também medir o pulso à economia. A CEO da SIBS diz que os dados mostram “alguma preocupação naquilo que é contenção de gastos ou de compras das famílias”.
O MB Way já tem 12 funcionalidades e é provavelmente o sistema mais completo na Europa. Ainda assim, há novas soluções em desenvolvimento?
A inovação é uma constante na SIBS e no MB Way. Lançámos no ano passado o MB Way ECO, que é uma solução que permite simplificar ainda mais as compras digitais, permitindo que já não seja sequer preciso imprimir o talão, que é recebido pelo cliente no seu MB Way. Além da evolução tecnológica das funcionalidades há a sua aplicação. Por exemplo, o QR Code da MB Way permite várias jornadas de compras desmaterializadas. Já é possível na Carris, nos transportes Sul do Tejo, fazer a compra dos bilhetes de uma forma muito fácil. E, depois, a grande novidade que nós tivemos a semana passada [dia 14 de novembro], que foi o lançamento da iniciativa de interoperabilidade em que fizemos as primeiras transações internacionais de MB Way.
Já vamos falar melhor sobre essa novidade, mas queria perceber se vamos ter novas funcionalidades a serem lançadas no próximo ano?
Estamos a trabalhar, por exemplo, em algo que posso antecipar desde já, porque é um processo que até tem também alguma perspetiva europeia, que é a evolução nos device iOS da Apple, também para a NFC [pagamento contactless com o smartphone], que era algo que até agora não era possível. Com o recente acordo que a Comissão Europeia conseguiu com a Apple, essa tecnologia passou a estar disponível e nós estamos a fazer esse desenvolvimento. Vai nivelar aquilo que são as funcionalidades que neste momento existem para os telemóveis Android para os telemóveis iOS. Um projeto que estivemos a fazer este ano e que de alguma forma é invisível para os utilizadores, mas que não deixa de ser um passo importante, foi passarem a estar disponíveis as contas associadas aos cartões e as transferências MB Way vão passar a ser feitas no novo modelo europeu, o SEPA Inst.
Apesar do crescimento do número de transações eletrónicas, a transação média decresceu ligeiramente. Se compararmos isso com o efeito da inflação, estamos a ver decréscimos na ordem dos 5% a 7%.
O que é que os dados da SIBS dizem sobre o estado da economia portuguesa?
Desde logo, continua a sentir-se um efeito da digitalização e isso é algo que tem sido uma tendência e que tem continuado para além da pandemia, com cada vez mais compras e transações digitais. O crescimento também do e-commerce, que neste momento está à volta dos 8% daquilo que são as transações eletrónicas, já num nível próximo do que tínhamos em pandemia.
E ao nível do consumo?
Do ponto de vista mais de consumo, e o indicador do PIB também demonstra isso, estamos a atravessar fases de menor crescimento. Apesar do crescimento do número de transações eletrónicas, a transação média decresceu ligeiramente. Se compararmos isso com o efeito da inflação, estamos a ver decréscimos na ordem dos 5% a 7%. Claramente também alguma preocupação naquilo que é contenção de gastos ou de compras das famílias. Algo que também temos observado é que há uma concentração maior nos setores de primeira necessidade, os supermercados, a distribuição alimentar, as farmácias.
O MB Way já tem mais de 6 milhões de utilizadores. Até onde é que este número pode chegar?
Sem dúvida que o MB Way tem-se tornado o serviço digital móvel preferido dos portugueses e tem continuado a crescer de uma forma bastante acelerada. Para além do número de utilizadores, neste momento são realizadas cerca de 70 milhões de operações por mês. Além dos utilizadores com números de telemóvel português, nós temos utilizadores de cerca de 160 nacionalidades diferentes. E isso também mostra um caminho de crescimento do MB Way num contexto europeu e internacional. Com esta aliança e este crescimento do MB Way internacional, e ainda só pensando naquilo que são as transações que vão estar disponíveis a partir de 2025 para Espanha e Itália, através da aliança com os serviços Bizum e Bancomat, a rede MB Way vão ser cerca de 45 milhões de utilizadores. É um crescimento muito expressivo e entendemos que existe espaço para continuar a crescer.
As comissões bancárias, não só no MB Way mas noutro tipo de transferências imediatas, são ainda demasiado elevadas?
Não é uma matéria que diga diretamente respeito à SIBS. A SIBS é um processador que presta serviços tecnológicos a instituições financeiras, instituições de pagamentos e outras instituições e empresas. Isso é uma matéria que as diferentes instituições — no caso do MB Way as mais de 28 que são aderentes ao serviço –, contratam com seus clientes e utilizadores finais.
Ainda assim, acha que limitar esse tipo de comissões, como aconteceu com a legislação que recentemente entrou em vigor, é uma boa solução?
Por definição, os serviços têm valor. Esse valor de alguma forma deve ser traduzido no preço e é o valor dos serviços que permite continuar a haver investimento e desenvolvimento de novas soluções.
No último relatório do Banco Central Europeu que compara os vários países do ponto de vista de fraude, Portugal — e naturalmente que em Portugal os serviços da SIBS têm um contributo expressivo — é o segundo país da União Europeia com menores níveis de fraude nos pagamentos.
Têm existido várias fraudes associadas ao MB Way. Esse problema está mais resolvido? O número de fraudes está a baixar?
Um ponto crítico é que o MB Way, sendo um serviço digital, é dos serviços mais seguros da Europa. Inclusivamente, no último relatório do Banco Central Europeu que compara os vários países do ponto de vista de fraude, Portugal — e naturalmente que em Portugal os serviços da SIBS têm um contributo expressivo — é o segundo país da União Europeia com menores níveis de fraude nos pagamentos. Isso resulta daquilo que é um investimento contínuo que fazemos do ponto de vista de segurança. Os temas de segurança com serviços legítimos e seguros são temas de segurança pública. E mais ainda quando têm este recurso a engenharia social. É também um tema de literacia, de informação.
Temos a inteligência artificial generativa a entrar em força. Receia que venha a aumentar os níveis de fraude?
A SIBS foi pioneira na utilização de sistemas de inteligência artificial preditiva já há vários anos, exatamente no combate antifraude. Mas é, como costumo dizer, um jogo do gato e do rato. Sem dúvida, que quanto mais reforçados são os sistemas de segurança, mais sofisticados podem ser os casos de engenharia social. A melhor e mais efetiva forma de proteção é, de facto, a consciencialização dos consumidores.
Como já referiu, durante a Web Summit, a SIBS realizou a primeira transferência internacional com o MB Way, em parceria com o italiano Bancomat e a espanhola Bizum. Qual a importância deste passo para os pagamentos na União Europeia?
É um projeto pioneiro e com grande nível de visibilidade no contexto europeu, liderado a partir de Portugal com o MB Way. É absolutamente determinante, não só porque está a ser feito sobre uma infraestrutura de pagamentos europeia, o modelo SEPA Inst, que é relativamente recente, mas sobretudo porque está em linha e é o primeiro passo efetivo naquilo que é uma visão também da própria Comissão Europeia e do Banco Central Europeu, que é garantir que as soluções europeias têm também esta capacidade de escalar no contexto europeu e responderem também aos desafios das transferências entre países e transferências entre soluções.
As primeiras transações foram feitas na semana passada [14 de novembro], mas a solução vai estar disponível para os utilizadores a partir do início 2025. Nesta fase, o objetivo será assegurar as transferências entre pessoas.
A ideia é depois alargar também às empresas?
Já há perspetivas e potenciais ideias para poder fazê-lo, ainda que, neste momento, isso já é uma realidade. A partir das plataformas de e-commerce e de aceitação é possível termos o MB Way disponível nalguns dos nossos comerciantes internacionais. O tema das transferências entre pessoas é um desafio mais imediato a resolver.
Já temos multibancos instalados em Bucareste, em Varsóvia, e também em Paris. Estamos em mais de 25 mercados naquilo que são as nossas soluções de pagamentos.
A SIBS tem vindo a internacionalizar o seu negócio. Quanto é que já pesa esta atividade internacional?
A atividade internacional da SIBS representa cerca de 20% da nossa atividade. Há um foco grande na Europa, sobretudo Europa Central e de Leste, onde temos crescido de forma bastante significativa, mas também levado tecnologias e soluções portuguesas, não só nas soluções de loja e de e-commerce, mas também no multibanco. Já temos multibancos instalados em Bucareste, em Varsóvia, e também em Paris. Estamos em mais de 25 mercados naquilo que são as nossas soluções de pagamentos. Estamos também numas dezenas de mercados mais, por exemplo nas soluções de certificação e de cibersegurança. Claramente a nossa estratégia passa pelo crescimento internacional.
E pretendem alargar esse número de mercados?
A prioridade é crescer nos mercados onde estamos presentes, que têm um elevado potencial, porque estão num estágio de digitalização menos desenvolvido. A Polónia e a Roménia são mercados que, no seu conjunto, têm 60 milhões de habitantes. Mas não afastamos a possibilidade também de crescer noutros mercados. Estamos já com atividades em França e poderemos vir a crescer de forma orgânica ou inorgânica noutros mercados. Continuamos também a suportar sistemas de pagamentos a nível nacional em alguns mercados em desenvolvimento e entrámos recentemente no mercado de Cabo Verde. É mais um mercado onde vamos passar a estar presentes e a contribuir de forma ativa para a digitalização e o desenvolvimento.
Nós acreditamos que o desenho do euro digital, para ser uma oportunidade de fortalecer ainda mais os sistemas de pagamentos europeus naquilo que são os seus objetivos de inovação, de conveniência e também de soberania, deve prever a interoperabilidade também com as iniciativas privadas.
O euro digital é a bala de prata que vai garantir a interoperabilidade plena dos pagamentos da União Europeia?
Que não haja dúvidas que com a European Payment Aliance que as iniciativas privadas vão fazer o seu caminho nesse percurso. O euro digital é um projeto que está a ser desenvolvido pelo Banco Central Europeu. A SIBS tem estado amplamente envolvida nas discussões e sem dúvida que o MB Way tem sido uma referência para o desenho e para a configuração do euro digital, por ser um dos serviços europeus, senão porventura o serviço europeu mais desenvolvido. Neste momento decorre ainda, em paralelo, a discussão legislativa, que, sem dúvida, terá alguns avanços agora com a nova Comissão que entrou agora em funções. Até que o euro digital venha a ficar disponível, sem dúvida que os pagamentos europeus vão continuar a ter um desenvolvimento muito grande e muito acelerado, como tiveram até aqui. Nós acreditamos que o desenho do euro digital, para ser uma oportunidade de fortalecer ainda mais os sistemas de pagamentos europeus naquilo que são os seus objetivos de inovação, de conveniência e também de soberania, deve prever a interoperabilidade também com as iniciativas privadas.
As criptomoedas estão a viver novamente um período exuberante e, apesar dos altos e baixos da cotação, parecem mesmo ter vindo para ficar. A SIBS planeia integrar os criptoativos nas suas soluções de pagamento?
Fazer aqui um ponto prévio, que é a separação entre aquilo que é tecnologia blockchain, que está na base destes criptoativos, e os criptoativos em si. Os criptoativos são sobretudo uma classe de investimento e, portanto, esse não é o core dos serviços da SIBS. A SIBS é uma empresa tecnológica e, portanto, não prestamos serviços de aconselhamento de investimento. Dito isto, relativamente à tecnologia blockchain, aí sim vemos com muito interesse e estamos naturalmente a desenvolver iniciativas que nesta fase estão ainda numa fase experimental de adequação. A tecnologia blockchain sustenta um conjunto de casos de uso, por exemplo, aquilo que chamamos os pagamentos programáveis.
Essa será provavelmente uma tendência que irá marcar o futuro dos sistemas de pagamentos. Que outras se podem antecipar?
Uma grande tendência é sem dúvida aquilo a que chamamos os pagamentos invisíveis. Os pagamentos passaram de ser com contacto e com PIN, para pagamentos contactless e agora pagamentos no telemóvel, em mobilidade, e o tema da invisibilidade vai ser cada vez mais o conceito. Sem dúvida que o tema da biometria, associada também a padrões de utilização, tudo isto suportado em inteligência artificial, vão ser novas tecnologias que vão contribuir para essa invisibilidade dos pagamentos. O que dava como caso de uso do blockchain, os embedded payments, que é também cada vez mais os pagamentos terem um conjunto de condições contratuais ou de utilização cada vez mais embebidos naquilo que são as jornadas de compra, que permitam também maior controlo ou até a autenticação de outro tipo de condições e de outro tipo de contratos que se queiram associar aos pagamentos.
A sustentabilidade também é um tema nos pagamentos?
A sustentabilidade, no caso dos pagamentos, tem duas grandes componentes. Uma é o tema da eficiência. Se, por um lado, os serviços digitais contribuem para menos utilização de materiais físicos, por outro lado têm também os consumos energéticos e aí há uma grande preocupação de termos soluções cada vez mais eficientes. Depois, também enquadrado neste tema da sustentabilidade, temos o tema da inclusão e da acessibilidade. À medida que temos uma sociedade cada vez mais digital, temos de pensar como conseguimos assegurar e contribuir com tecnologia para que essa transição digital chegue também aos segmentos menos apetentes.
Há ainda outra tendência, também transversal, que é inteligência artificial, não só aplicada aos modelos preditivos de risco, antifraude e de cibersegurança, mas também àquilo que é o próprio desenvolvimento tecnológico. Cada vez mais vai ser possível usar inteligência artificial para desenvolver novas soluções também para facilitar a experiência dos utilizadores num contexto de compra.
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