O sprint final para Belém
Depois de dois mandatos erráticos, repletos de erros de interpretação e creio até inconstitucionalidades graves, a escolha do próximo residente de Belém é crucial.
Estou a olhar para estas eleições presidenciais de uma forma especial, particularmente por duas razões. Primeiro, porque são as primeiras eleições presidenciais verdadeiramente disputadas que vou acompanhar. Em 2016, tinha 12 anos e as eleições não foram, na realidade, nada disputadas. Segundo, porque estou bastante convencido que vão ser as primeiras presidenciais a irem a uma segunda volta em 40 anos.
A possibilidade de uma segunda volta é especialmente relevante. É conhecida a expressão e a crença de que na primeira volta se vota em quem se quer, enquanto na segunda se vota contra quem não se quer. Esse voto pela negativa ou por oposição não é de alguma forma captado por estas primeiras sondagens que servem para pouco mais do que medir a popularidade de alguns candidatos. No fundo, popularidade comparativa com outros nomes que na maioria dos casos não serão candidatos.
Para quem costuma ver ciclismo, este momento político é familiar. Antes de qualquer chegada ao sprint assistimos a estes encontrões e cotoveladas, momentos em que os candidatos à vitória não se metem. Nesta altura, ainda são os seus lançadores que os tentam colocar da melhor forma. Neste paralelo, o ciclismo e a política são muito parecidos. Apesar de haver ainda umas autárquicas pelo meio, a meta já é demasiado visível para fazermos de conta que não está lá.
Candidatos há muitos e para todos os gostos. Na área do PS os possíveis candidatos são alguns. Destacados seguem Mário Centeno e António José Seguro, mas António Vitorino, Augusto Santos Silva e Ana Gomes não podem ser esquecidos, a somar a possíveis surpresas que possam aparecer. Destes cinco creio que o mais expectável é apenas um deles ser candidato, o PS está há 20 anos fora de Belém e a vontade de ganhar é muita. A única hipótese que vejo de haver dois candidatos do PS é Ana Gomes ser um deles; já sabemos que há muito corre em pista própria.
Já no PSD os nomes que vagueiam são bastantes e é crível que mais do que um destes se venha a candidatar. Passos Coelho, Marques Mendes, Rui Rio, Carlos Moedas, Aguiar-Branco ou até Santana Lopes que já não milita e Paulo Portas que milita no vizinho do lado são putativos candidatos de que temos ouvido falar. Alguns destes insistem estar indisponíveis, outros escolhem o tabu, outros ainda como Santana Lopes não escondem a vontade de tentar.
À direita a situação é ainda mais entusiasmante para o espectador comum. Fora do PSD, o Chega apoiará certamente um candidato, seja Ventura ou alguém externo ao partido e a IL deve apresentar candidato próprio. Aliás, Cotrim de Figueiredo ainda podia apresentar resultados interessantes numa eleição partida à direita, mas já lá vamos. À esquerda do PS, BE e PCP devem apresentar um nome cada, mas acho possível que, pelo menos, um deles não chegue às eleições. Pode ser necessário cerrar fileiras à volta do ou de um candidato da área do PS, para garantir que alguém de esquerda vai à segunda volta.
Se à esquerda a existência de uma segunda volta pode funcionar como agregador na primeira volta, na tentativa de lá colocar um candidato; à direita pode ter um efeito oposto. Nesta altura, o sentimento geral é de que, destes candidatos todos, só um pode passar à segunda volta, sendo que à direita vários podem tentar ser o tal.
Se à esquerda a existência de uma segunda volta pode funcionar como agregador na primeira volta, na tentativa de lá colocar um candidato; à direita pode ter um efeito oposto. Nesta altura, o sentimento geral é de que, destes candidatos todos, só um pode passar à segunda volta, sendo que à direita vários podem tentar ser o tal.
Nome certo, diria, é o de Gouveia e Melo que nunca negou o interesse e jogou sempre com o este tabu mal feito a manutenção do seu nome na espuma mediática. As sondagens estão do seu lado e acredito, a um ano das eleições, ser o mais provável vencedor da primeira volta das eleições.
Confesso que me inquieta 40 anos depois do fim do mandato presidencial de Ramalho Eanes esta deriva na perspetiva que, aparentemente, tínhamos consolidada do papel das forças armadas na política ativa. Principalmente, por este movimento abrir portas a que outros militares possam olhar para a carreira política como uma alternativa viável e de futuro.
Sintomático de um país que não confia nas suas elites e nos seus políticos é este olhar messiânico ou sebastianista para um homem que as únicas características que lhe conhecemos é ser militar e ter uma ótima capacidade logística e operacional. Nestes critérios o Otelo teria dado um ótimo presidente.
Ventura não quer ser de novo candidato, mas sabe que não tem ninguém dentro dos seus quadros que o possa ser. Talvez por isso tenha oferecido apoio ao almirante. Se se vier a efetivar, ver o partido com, no mínimo, dúvidas na vacinação a apoiar o homem que se popularizou com esta não deixa de ser profundamente irónico.
As eleições europeias provaram que a marca Chega é bem menos apetecível que a marca Ventura e o apoio do Chega pode até ser nefasto para as ambições de Gouveia e Melo. Ao colá-lo a algo que aparentemente não é pode perder mais votos dos que aqueles que potencialmente pode ganhar. No entanto é de frisar algo bastante interessante: em sondagens que o almirante já aparece em primeiro, Ventura ainda tem 9 a 10% das intenções de voto, pode ser um apoio importante!
Antevejo resultados idênticos aos vistos nas presidenciais francesas de 2022. Nesse caso, o primeiro e o terceiro colocados ficaram separados por 6 p.p. (28%-22%), no meio ficou Le Pen com 23%. Num cenário, assim fragmentado até é bastante possível que algum outsider apareça e desvirtue todos os cenários que agora possamos traçar. Aliás, de forma semelhante ao que aconteceu este fim de semana na Roménia.
Dito isto, acredito que o oponente de Gouveia e Melo numa segunda volta tenderá a ter mais hipóteses de ganhar, beneficiando de uma espécie de frente partidária unida. Talvez esteja a ser demasiado otimista, mas creio que ainda haverá muitos eleitores a assustarem-se com a possibilidade de um militar em Belém.
Dito isto, acredito que o oponente de Gouveia e Melo numa segunda volta tenderá a ter mais hipóteses de ganhar, beneficiando de uma espécie de frente partidária unida. Talvez esteja a ser demasiado otimista, mas creio que ainda haverá muitos eleitores a assustarem-se com a possibilidade de um militar em Belém.
Há umas semanas escrevi que estas eleições presidenciais iam ser vitais e mantenho-o. Depois de dois mandatos erráticos, repletos de erros de interpretação e creio até inconstitucionalidades graves, a escolha do próximo residente de Belém é crucial. O papel mais ou menos ativo na gestão do dia-a-dia, a posição face às dissoluções e a relação que pretende manter com as perigosas fontes daquele palácio devem ser centrais na discussão que teremos enquanto país.
Mais 10 anos de marcelismo, mesmo que com uma cara diferente, podem não ser fáceis para a estabilidade das instituições. Prometo voltar a este tema em oportunidades futuras.
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