Convergir com a UE não basta. Em 2026 teremos o 7º pior nível de vida, já abaixo da Roménia
Crescer na casa dos 3% deveria ser um desígnio nacional. Trata-se de uma meta facilmente monitorizável e indutora de uma maior pressão sobre as políticas públicas e a adoção de reformas urgentes.
A propósito das recentes previsões de outono da Comissão Europeia, vi destacado nos media que a economia portuguesa continuará a crescer acima da União Europeia (UE) em 2025 e 2026, “num ciclo de convergência de cinco anos” que está “entre os mais longos na história recente”.
Será isso motivo para celebrar? Creio, sinceramente, que não, com base em argumentos fortes, pois em 2026 o nosso nível de vida relativo cai duas posições e passa a ser o 7º pior da UE nas previsões da Comissão, igualando a posição mais baixa de sempre em 2021, devido à pandemia. Em 2026 somos ultrapassados pela Estónia e até pela Roménia, que durante muitos anos foi o país mais pobre da União. Este aparente paradoxo de convergência com a UE – um referencial pouco ambicioso, como venho a alertar – e aproximação da cauda da Europa em nível de vida (o melhor indicador de convergência) revela fragilidades profundas do nosso modelo de crescimento e a urgência premente de reformas estruturais.
Na figura é patente que Portugal tem, de facto, um crescimento económico acima da UE nos anos de 2022 e 2023, e tal também sucede em 2024, 2025 e 2026 nas novas projeções da Comissão, mas isto depois de ter registado um desempenho inferior em 2021 e, sobretudo, em 2020, devido ao forte impacto negativo da pandemia no nosso turismo, que tem muito menor expressão no conjunto da União.
PIB per capita em PPC (UE=100) de Portugal e da Roménia (escala dta.); e respetivas taxas de crescimento económico, comparadas com a da UE (média anual, %)
Fonte: AMECO (com base nas previsões de outono da Comissão Europeia, de nov-24) e cálculos próprios. Notas: PPC = Paridade de poderes de compra; pc = per capita; UE = União Europeia; a fundo cinza está indicado o ranking de Portugal na UE (a contar de cima).
Para esbater os efeitos da pandemia e da guerra na Ucrânia, é apresentado o crescimento médio anual entre 2019 e 2024, que é de 1,6% em Portugal e 1,0% na UE. Certamente é melhor crescer acima do que abaixo da UE – o que sucedeu entre 1999 e 2009 (variação média anual de 0,9%, o 3º pior registo da UE, que cresceu 1,6% ao ano) –, mas esse não é um referencial ambicioso, como referi numa crónica anterior (ler aqui). Segundo um estudo da FEP, precisamos de crescer na casa dos 3% ao ano, em média anual (cerca de dois pontos percentuais, p.p., acima da UE) para atingir a metade de países mais ricos da UE em 2033, numa década.
Esses 1,6% de crescimento anual de Portugal são apenas o 13º valor mais alto na UE, ou seja, pouco acima da mediana (que corresponde à 14ª posição), mesmo tendo beneficiado de um ‘boom’ do turismo após a pandemia (sobrepondo-se à queda anterior), ajudado também pela distância à guerra na Ucrânia (que se iniciou em 2022), ao mesmo tempo que uma boa parte da Europa central e de Leste era fortemente penalizada pelo conflito, devido ao fim do gás barato da Rússia, mas também à perda desse mercado. Sintomaticamente, entre 2019 e 2024, o nosso PIB per capita em paridade de poderes de compra (que mede o nível de vida) subiu de 77,3% para 80,2% da UE, mas a posição não se alterou (19ª ou 9ª pior).
Entre 2024 e 2026, a economia portuguesa cresce 2,0% e a UE 1,6%, em média anual, segundo a Comissão. Tal traduz uma aceleração, mas também um encurtamento do diferencial face à UE e, realço, uma dinâmica já bem inferior à mediana dos países, na 18ª posição (10ª pior). O resultado destas dinâmicas comparadas, em nível de vida relativo, é a continuação da nossa convergência face à UE (de 80,2% para 80,4%), mas com uma queda de duas posições, para a 21ª (7ª pior), que nos aproxima da cauda da UE.
Um dos dois países que nos deverá ultrapassar em nível de vida em 2026 é a Roménia, que merece maior destaque porque até há não muitos anos foi o país mais pobre da UE. Já em projeções anteriores aparecia esse resultado, mas a eclosão da guerra na Ucrânia adiou essa ultrapassagem, que parece inevitável face à maior dinâmica de crescimento da Roménia (mesmo que atenuada pelo conflito), também visível na figura. Em 2026, o nível de vida da Roménia passa para 81,0% da UE, superando os 80,4% de Portugal.
Um dos dois países que nos deverá ultrapassar em nível de vida em 2026 é a Roménia, que merece maior destaque porque até há não muitos anos foi o país mais pobre da UE. Já em projeções anteriores aparecia esse resultado, mas a eclosão da guerra na Ucrânia adiou essa ultrapassagem, que parece inevitável face à maior dinâmica de crescimento da Roménia (mesmo que atenuada pelo conflito), também visível na figura. Em 2026, o nível de vida da Roménia passa para 81,0% da UE, superando os 80,4% de Portugal.
Estes dados aparecem também na tabela, que apresenta valores de nível de vida e crescimento médio anual para todos os estados-membros e por áreas (UE e Área Euro). Como se constata, a Estónia é o outro país que nos ultrapassa em nível de vida em 2026, mas neste caso trata-se apenas do retomar de uma tendência, pois Portugal fora já suplantado desde 2014 e apenas passa temporariamente para a frente em 2024 e 2025 porque a economia da Estónia foi muito penalizada pela guerra na Ucrânia (crescimento médio anual de 0,0% entre 2019 e 2024, como mostra a tabela, refletindo valores anuais, não visíveis na tabela, de 0,1% em 2022, -3,0% em 2023 e -1,0% em 2024). Entre 2024 e 2026, o crescimento da Estónia recupera para 1,9% ao ano, valor ainda um pouco inferior ao de Portugal (2,0%), pelo que a ultrapassagem em nível de vida se deve sobretudo a diferenciais de evolução de preços e da população entre os dois países, que influenciam também o indicador de PIB per capita em paridade de poderes de compra.
É por isso que a convergência real (face a uma área ou um país) se mede de forma mais rigorosa com esse indicador, serve também de pedagogia para os jornalistas na área económica. O diferencial de crescimento económico é crucial para a convergência real, mas há que ter ainda em conta a dinâmica relativa da população (um país pode crescer mais do que outro apenas porque a população e o emprego sobem mais, sem que isso melhore o nível de vida relativo), enquanto os diferenciais de preços podem também fazer diferença em períodos curtos, mas tendem a esbater-se no longo prazo (porque contêm componentes que se tendem a anular em horizontes largos), como evidenciou o referido estudo da FEP.
Tabela 1. PIB per capita em paridade de poderes de compra (UE=100) em 1999 e 2019-2026; e crescimento económico anual em 2019-2024 e 2024-2026 (variação média anual em volume do PIB, %)
Fonte: AMECO (com base nas previsões de outono da Comissão Europeia, de nov-24). Notas: a letra e fundo verdes estão assinalados, em cada ano, os valores inferiores aos de Portugal, por sua vez assinalados a fundo amarelo e negrito; PPC= paridade de poderes de compra; * países ordenados pelo PIB per capita PPC em 2024.
Indo mais para trás, a formatação da tabela permite visualizar rapidamente que, desde 1999, em que Portugal ocupava a 15ª posição da UE em nível de vida (considerando a configuração atual), apenas ultrapassamos a Grécia (ainda mais penalizada do que nós pelo programa de ajustamento da troika, na sequência da crise de dívidas soberanas) e fomos ultrapassados até 2024 por Malta, Eslovénia, Chéquia, Lituânia e Polónia, esperando-se que sejamos também superados pela Estónia e pela Roménia em 2026. Face à UE, o nosso nível de vida em 2026 (80,4%), apesar de alguma convergência desde 2019, estará ainda abaixo do de 1999 (85,0%), pelo que a tendência desde o início do milénio será ainda de divergência.
Estas projeções da Comissão Europeia vão apenas até 2026, mas nas projeções de mais longo prazo do Ageing Report de 2024, também da Comissão, é patente uma queda a pique do nosso crescimento potencial após 2026, certamente relacionada com o fim do PRR, situação que se deverá agravar a partir do final da década com a redução esperada da alocação de fundos no próximo quadro plurianual de financiamento europeu (o PT 2040, sucessor do PT 2030), como já expliquei em crónicas anteriores, o que apontaria para o retorno a um crescimento pouco acima de 1% ao ano (como de 1999 a 2019). Ou seja, mesmo os 2% de crescimento económico ao ano (em média) até próximo do final da década, que tanto o governo como o FMI apontaram recentemente, poderão ser otimistas sem reformas económicas de fundo, que para já não se vislumbram. Apesar de tudo, algumas medidas do governo vão no bom sentido, nomeadamente a redução da carga fiscal, mas de forma ainda pouco expressiva, sendo necessária uma reforma profunda do Estado para que a descida possa ser reforçada de forma sustentável, abrindo ainda espaço para um aumento do investimento público nacional, que contrarie a perda de fundos europeus.
De qualquer forma, admitindo por hipótese que as dinâmicas de crescimento dos países de 2024 a 2026 se prolongam até final da década, incluindo o nosso crescimento de 2% ao ano – que poderá até ser otimista num cenário sem reformas, como referido acima –, este é o 10º valor mais baixo na UE.
Todos os países com nível de vida inferior ao nosso registam taxas de crescimento maiores (com exceção da Estónia, mas tal deverá ser temporário, como referi), bem como os países com nível de vida imediatamente acima (como Polónia, Lituânia, Espanha, Chéquia e Eslovénia), que teríamos de ultrapassar para alcançar o objetivo de entrar na metade de países mais ricos da UE num horizonte aceitável, como uma década. Ou seja, corremos mesmo o risco sério de afundar para a cauda da UE em nível de vida sem reformas decisivas que elevem o nosso crescimento económico. Por exemplo, a Croácia e a Hungria estarão já relativamente próximas do nosso nível de vida em 2026 (79,8% e 77,4% da UE, respetivamente, face a 80,4% em Portugal), segundo a Comissão, e têm taxas de crescimento significativamente maiores (3,1% e 2,5%, que compara com a projeção de 2% para Portugal), pelo que nos poderão ultrapassar nos anos subsequentes se as dinâmicas relativas projetadas se prolongarem.
Reitero que crescer na casa dos 3% –- ou, de forma mais robusta, dois pontos percentuais (p.p.) acima da UE ou 1,4 p.p. acima da média simples dos valores de crescimento dos estados-membros, que é um referencial mais ambicioso que a UE e calculável de forma simples, segundo o estudo da FEP -– deveria ser um desígnio nacional.
Trata-se de uma meta facilmente monitorizável e indutora de uma maior pressão para a melhoria das políticas públicas e a adoção de reformas urgentes, para as quais seria crucial haver entendimentos mínimos entre os principais partidos, pelo menos quanto aos objetivos (podendo diferir no modo de os atingir) – por exemplo, um acordo para a redução do peso da despesa corrente primária no PIB como resultado da reforma do Estado –, de modo a assegurar a necessária continuidade no tempo e moldar, desde logo, as expectativas e decisões dos agentes económicos.
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