O dia em que Montenegro quis ser polícia
O que choca ou chocou não é o discurso de propaganda do PM (todos o fazem, certo?). O que choca é o discurso securitário, numa clara tentativa de se colar ao eleitorado inimputável que votou no Chega.
O país esperava às 20.00 da noite desta quarta-feira uma declaração bombástica. Só assim poderia ser, já que o primeiro-ministro Luís Montenegro decidiu fazer a sua terceira declaração solene ao país em horário nobre e em simultâneo com a transmissão do jogo Mónaco/Benfica para a Liga dos Campeões. Ironia à parte, aquilo que ontem ouvimos da boca do líder do Executivo foi algo nunca antes ouvido nem tão pouco visto. Como se de um diretor de uma força de segurança se tratasse, Montenegro não se coibiu de falar de uma investigação em curso, acompanhado pelos respetivos dirigentes das polícias que apenas fizeram figura de corpo presente, para não dizer pior.
O que choca ou chocou não é o discurso de propaganda (todos o fazem, certo?). O que choca é o discurso securitário – numa clara tentativa de se colar ao eleitorado inimputável que votou no Chega – em que a atuação das polícias é louvada insistentemente. A mesma polícia que, em outubro, causou a morte a um morador do bairro da Cova da Moura.
O discurso do PM é, para dizer o mínimo, contraditório. Por um lado, diz que “Portugal é um país seguro. Um dos mais seguros do mundo”. Por outro diz que “este contexto não é adquirido de forma permanente. Tem de ser trabalhado e alcançado todos os dias. Mesmo considerando as estatísticas que fazem concluir que Portugal é seguro, não significa que os poderes públicos possam impedir o impacto de um sentimento de insegurança”.
Portanto, o sétimo país mais seguro do mundo (repito, do mundo) gera igualmente um sentimento de insegurança, depois dos desacatos em vários bairros periféricos de Lisboa. E como não se pode “dormir à sombra da bananeira” vamos lá então criar um clima de alarmismo, embarcar numa conversa à laia de taxista, de café ou de pasquim sensacionalista. O Governo é de direita, é certo, mas Montenegro (mentindo aos portugueses ao dizer que a escolha hora para a conferência de imprensa foi um acaso) não teve sentido de Estado, e foi assustador ao valorizar a criminalidade pontual a que assistimos. Valorização essa que surge dias depois de desvalorizar os crimes de violência doméstica que, só este ano, já resultaram na morte de 25 mulheres.
Até André Ventura disse que tudo isto foi uma “enorme trapalhada política”, apesar de concordar com o “meritório” trabalho das polícias portuguesas.
Com isto, o primeiro-ministro chamou a si a titularidade da investigação criminal – no dia em que se sabe da detenção de três suspeitos de atear fogo a um autocarro e provocar agressões físicas graves no motorista – ignorando por completo a presença de Luís Neves nessa mesma conferência de imprensa.
Com isto, o primeiro-ministro tratou as forças de segurança como meros adereços, anunciado resultados de uma investigação que cabe à PSP e à PJ. Apenas e só. E como se de um comandante das forças policiais se tratasse.
Com isto, o primeiro-ministro instrumentalizou as forças de segurança para propaganda da ação do Governo – algo que não tenho memória de te acontecido no passado, nem com Cavaco Silva – e anunciou o investimento de 20 milhões para aquisição de 600 novos veículos para a PSP e GNR. De registar que o orçamento anual de que cada uma das forças de segurança é superior a 1100 milhões de euros e que o orçamento para o investimento em matéria de instalações e equipamentos é de 157 milhões de euros. Façam as contas.
Citando Ana Lopes Lopes, como é que “o primeiro-ministro de um país que é o sétimo mais seguro do mundo faz isto”? Expliquem, por favor. E expliquem quem foi a mente genial que aconselhou Montenegro a fazer esta comunicação. E expliquem ainda: se fosse uma investigação relativa a crimes de corrupção, com suspeitos de alto gabarito político ou económico, também teríamos direito a este luxo em horário nobre?
Montenegro queria chamar a si os votos de um eleitorado de uma direita extremada (para não dizer extrema direita) mas até aí falhou.
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