Regular a transição

Numa altura em que vamos iniciar as discussões sobre o novo período regulatório, o tema do alinhamento da remuneração das redes com os objetivos da transição via digitalização deve merecer destaque.

Para além do desenvolvimento tecnológico, a transição energética é sobretudo um projeto político que, para ter sucesso, implica alinhar e articular um conjunto de interesses em torno de um objetivo comum. Interesses, esses, que não estão naturalmente alinhados. O objetivo comum é, no fundo, o de tornar possível um sistema energético que seja sustentável, seguro e competitivo. E tudo isto, o mais rapidamente possível. Esse alinhamento e articulação são uma responsabilidade, em primeiro lugar, da política energética e da regulação.

Após a agressão da Rússia à Ucrânia, a dimensão da segurança do abastecimento tornou-se prioritária. Depois do relatório Draghi, ficou evidente que a energia é central para a competitividade europeia e que a competitividade é crítica para futuro da UE. A resolução do trilema da sustentabilidade, da segurança e da competitividade é a única forma de atender aos desafios existentes no presente e, por isso, é uma condição necessária para assegurar o sucesso da transição energética.

Olhemos para a questão da competitividade. É um facto que a Europa tem custos energéticos muito superiores aos EUA e à China. Mas também é um facto que só os poderá baixar se acelerar a substituição de combustíveis fósseis por renováveis. Sugerir que os problemas da indústria alemã se devem à aposta nas renováveis parece ignorar dois factos: que os problemas surgiram porque acabou o gás russo barato, que criava uma competitividade artificial em termos de custos; e que uma parte da indústria, sobretudo automóvel, não inovou e não se preparou para um setor que se sabia ser o futuro. Nenhum destes factos tem qualquer relação com uma maior ou menor aposta nas renováveis. Aliás, se o problema são os custos energéticos que a indústria europeia enfrenta, em particular os custos da eletricidade, então o sol, o vento e a água são mesmo a aposta que permite assegurar a redução desses custos, porque, na sua complementaridade, e face às alternativas, são a forma mais barata de produzir eletricidade e de reduzir os custos energéticos na UE.

Para além dos desenvolvimentos tecnológicos na produção por fontes de energia renovável e no armazenamento de eletricidade, que permitem forte redução nos custos, o modo como integramos estas tecnologias no sistema elétrico é determinante para a competitividade. E não é possível falar da sua integração no sistema e do seu custo sem falar das redes elétricas, porque as redes são o que permite ligar produção e consumo, em relações crescentemente complexas, e porque as redes representam uma parcela importante do custo da eletricidade para os consumidores finais, incluindo para a indústria.

Não há transição sem redes elétricas, mas também não haverá transição bem-sucedida se o investimento em redes não for otimizado de modo a garantir a competitividade de todo o sistema e, por essa via, a competitividade do custo final da eletricidade renovável para os consumidores. Ou seja, é necessário assegurar que as redes têm a dimensão necessária, sem dúvida, mas sobretudo é necessário assegurar que as redes elétricas são otimizadas na sua operação e no seu planeamento, isto é, que têm apenas a dimensão suficiente e ótima.

Mais do que formas de retorno suficiente sobre o capital investido, nas suas múltiplas versões, a regulação deve dar prioridade a uma operação de redes que é remunerada de acordo com o modo como contribui para acelerar a transição e para o fazer ao menor custo. Não se trata de sacrificar a segurança, mas de incentivar a gestão dessa segurança de modo distinto do que foi no passado, porque, se tal não acontecer, os custos serão demasiado elevados, pondo em risco a transição.

Se queremos que a transição energética seja bem sucedida, acelere e assegure custos competitivos para a economia, temos de dar prioridade ao tema da otimização das redes, porque, no imediato, essa otimização é mesmo a única forma de garantir aumento de capacidade de rede, necessária para integrar volumes crescentes de geração renovável e novos consumos elétricos. Para que tal aconteça, mais do que o comportamento dos operadores de redes, importa olhar para o quadro de incentivos no qual estes operam, porque se trata de uma atividade fortemente regulada. Ou seja, e regressando ao início, é preciso um esforço de alinhamento e articulação de interesses, agora promovida pela regulação. Para além dos incentivos relacionados com a fiabilidade, fornecimento, qualidade de serviço, que inscreve nos operadores de rede uma preferência pela redundância de ativos, margens de segurança e conservadorismos vários, os operadores de redes devem ser premiados, e penalizados, pela otimização dos ativos, pelo investimento na digitalização e na inovação que permite operar o sistema de forma otimizada.

Mais do que formas de retorno suficiente sobre o capital investido, nas suas múltiplas versões, a regulação deve dar prioridade a uma operação de redes que é remunerada de acordo com o modo como contribui para acelerar a transição e para o fazer ao menor custo. Não se trata de sacrificar a segurança, mas de incentivar a gestão dessa segurança de modo distinto do que foi no passado, porque, se tal não acontecer, os custos serão demasiado elevados, pondo em risco a transição. Se a regulação remunerar de modo adequado a aposta na digitalização e na gestão dinâmica e em tempo real de um conjunto de riscos que dantes eram tratados, na fase de planeamento, via investimento em redes e que agora terão de ser resolvidos ao nível da operação, os operadores de rede irão procurar, e encontrar, essas soluções. A regulação não tem de sacrificar a fiabilidade e a qualidade do serviço, tem apenas de remunerar a dimensão do reforço da capacidade via otimização dos ativos e dar os incentivos necessários para que os operadores de rede apostem nessa via e olhem para as novas tecnologias digitais, incluindo inteligência artificial, como investimentos prioritários e adequadamente remunerados.

No caso português, este caminho já está previsto na lei, que prevê e determina a otimização dos ativos de redes e a necessidade de o investimento nestes ativos estar alinhado com as metas do Plano Nacional de Energia e Clima. Numa altura em que vamos iniciar as discussões sobre o novo período regulatório, o tema do alinhamento da remuneração das redes com os objetivos da transição via digitalização deve merecer destaque.

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