Soares & Macron

A Europa necessita de fortalecer o discurso crítico, o pensamento analítico, a troca livre de ideias, um novo sentido para a palavra “Comunitarismo”.

Na semana do centenário de Mário Soares, o Governo francês é derrubado na Assembleia Nacional pela primeira vez em 60 anos, a Notre-Dame ressurge na planície de Paris, a guerra na Ucrânia parece não ter fim. É o passado, o presente e o futuro da Europa concentrados no tempo de uma semana, mas que tem o peso dos séculos de um Continente que não é apenas um acidente na geografia.

A cerimónia da Notre-Dame é uma cimeira política e a prova do “soft power” da França. A Catedral que a Europa não quer perder é um símbolo político de uma Europa que não quer morrer. A Europa das Catedrais, a Europa das Universidades, a Europa dos Cafés é a face de uma Europa política a que pertencem Mário Soares e Emmanuel Macron. Mário Soares percebeu que o futuro do novo Portugal pós-colonial só poderia ser na Europa. Mário Soares viu pelos olhos de Mitterrand. Pelo olhar de Júpiter, Macron sabe que sem a França a Europa não poderá ser um projecto político. No seu melhor e no seu pior, Soares e Macron pertencem a uma Europa mítica e eterna simbolizada na sobreposição das camadas arqueológicas que suportam a Catedral e que se estendem desde o século XII até aos dias em que estas palavras são escritas. A Notre-Dame não é uma Catedral. A Notre-Dame é a Europa.

A Assembleia Nacional derruba o Governo da República Francesa. Uma convergência improvável entre a esquerda radical e a direita radical. Uma coligação do ódio e do ressentimento que estremecem o coração político da França. A questão não é económica nem financeira, mas sobretudo política porque a França é a pátria política das insurgências revolucionárias. Seja na Assembleia Nacional, nos Estados Gerais, nas ruas de Paris em chamas. Quando a França contra-revolucionária e a França revolucionária votam em pendant, a República percebe a profundidade do conflito. Macron considera-se um revolucionário de uma espécie distinta e na tradição dos “Grandes Homens Providenciais”.

O projecto político de Macron é o de libertar a França dos partidos, das intrigas, das conspirações, talvez um reflexo político das incidências históricas da 3ª e da 4ª Repúblicas. Na sua imprevidência solar, a ideia de um grande centro político comandado do Eliseu põe em causa a estabilidade da 5ª República que vai manifestando as características constitutivas da cultura política francesa. A política francesa é incapaz de um consenso, avessa a coligações, com a ideia de que a política é um jogo de soma nula, com a prática política em que o bom senso é fraqueza e o diálogo é traição. Em termos metafóricos e na simbologia política de França, o ressurgimento da Notre-Dame é todo um programa político em que Macron afirma e reclama a sua legitimidade histórica e autoridade política. Mas em França nenhum Rei é poupado.

O Parlamento Português assinala o centenário de Mário Soares. No país em que a riqueza é contabilizada pelo índice da felicidade interna bruta, a cerimónia tem a dedicatória de uma auto-celebração. Mário Soares é a figura do Regime Democrático. Ponto final. Soares não pode ser captado pelos discursos sectários, pobres, indigentes que as paredes do Parlamento suportam. Soares é História, Soares é Mito, Soares é Eterno. Soares é imperfeito porque os políticos perfeitos criam regimes totalitários. Mário Soares pertence a uma geração de políticos que os políticos contemporâneos desconhecem. Mário Soares é a indignação da rebeldia, o equilíbrio no abismo revolucionário, a superficialidade que desafia a mediocridade de um país triste. Mário Soares arrasta para Portugal a face solar da Notre-Dame e a face política da Europa. No entanto, Mário Soares tem os defeitos e as virtudes do povo português. Por este motivo Soares foi quem foi e será sempre e também um político da Europa.

A Europa está a mudar. O Regresso do Político após a ilusão do Liberalismo Eterno está alicerçado na ideia de que a política exige sempre a presença ideológica de um Inimigo. Neste renovar da política está contido o regresso a uma forma tribal de fazer política. O que nos une é o ódio ao outro. Os consensos são a resultante da aniquilação simbólica do Inimigo político comum. Esta política não edifica Catedrais, dispara Cubos como quem dispara Tiros. Seja na Assembleia Nacional em Paris, seja no Parlamento em Lisboa. Entretidos a disparar Palavras Tiro ignoram as ameaças que se aproximam da Europa enquanto Realidade Cultural e Projeto Político. A Rússia não pretende ser Europa porque deseja absorver parte da Europa. É uma Civilização Eslava e Alternativa. Neste ponto, Mário Soares está no lugar certo – o lugar dos Grandes Estadistas da Europa. Neste Ponto, Macron tem a fragilidade que revela uma Natureza Instantânea. Uma Natureza incompatível com a Europa eterna.

A Europa necessita de fortalecer o discurso crítico, o pensamento analítico, a troca livre de ideias, um novo sentido para a palavra “Comunitarismo”. A Europa precisa de ser Intolerante com os Intolerantes. E perceber que o Punk Rock é a expressão política da Grande Dissidência. Forever.

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