Exportadoras portuguesas festejam ‘antídoto’ Mercosul para crise na Europa e Trump na Casa Branca

Cerca de 1.800 empresas portuguesas exportam 2.500 milhões de euros por ano para os países do Mercosul. Acordo comercial contraria perdas na Alemanha e França e onda protecionista de volta nos EUA.

A Comissão Europeia e os países do Mercosul (Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai) concluíram a parte política do maior acordo comercial a nível mundial, equivalente a 25% da economia global e que abrange 780 milhões de pessoas, cerca de 10% da população mundial. Com Bruxelas a acenar com poupanças anuais de 4 mil milhões de euros em direitos aduaneiros para os negócios europeus, os empresários portugueses acreditam que este entendimento – começou a ser negociado em 1999 e ainda terá de ser ratificado pelos 27 Estados-membros da União Europeia (UE) – vai ajudar a diversificar os destinos das exportações numa fase em que os principais mercados no Velho Continente atravessam dificuldades e em que Donald Trump se prepara para reforçar o protecionismo nos EUA, o quarto melhor cliente de Portugal.

Cerca de 1.800 empresas portuguesas exportam para os países do Mercosul, perfazendo um volume de negócios de cerca de 2,5 mil milhões de euros por ano. Rafael Alves Rocha, diretor-geral da CIP – Confederação Empresarial de Portugal, considera que uma zona de comércio livre entre a UE e o Mercosul irá “criar melhores condições para as exportações nacionais, permitindo às empresas portuguesas diversificar os seus mercados de comércio e investimento, sobretudo quando alguns dos nossos principais mercados de destino estão a passar por uma evolução desfavorável”, dando o exemplo de França e a Alemanha.

“A redução gradual dos direitos aduaneiros, bem como a simplificação e redução de muita da burocracia e barreiras que afetam o comércio com o Mercosul, beneficiará não só setores que já têm uma forte presença naqueles mercados, como o vinho, azeite e conservas, como abrirá oportunidades para a diversificação das exportações, nomeadamente em setores como a indústria automóvel, farmacêutica, agroalimentar, têxtil e metalomecânica. De assinalar também o investimento em energias renováveis, uma vez que aqueles países têm demonstrado interesse em desenvolver as suas capacidades energéticas”, acrescenta o porta-voz da CIP.

Beneficiará não só setores que já têm uma forte presença naqueles mercados, como o vinho, azeite e conservas, como abrirá oportunidades para a diversificação das exportações, nomeadamente em setores como a indústria automóvel, farmacêutica, agroalimentar, têxtil e metalomecânica.

Rafael Alves Rocha

Diretor-geral da CIP

O presidente do conselho de administração da Associação Empresarial de Portugal (AEP) destaca igualmente o impacto que este acordo pode ter “ao nível da estratégia do reforço da diversificação dos mercados de destino das exportações portuguesas para países fora da União Europeia, absolutamente crítica face à incerteza vivida nos nossos principais parceiros comerciais, nomeadamente França e Alemanha”. “Numa altura em que assistimos a uma onda de protecionismo pelo mundo”, Luís Miguel Ribeiro tem “fortes expectativas” quanto ao reforço do relacionamento bilateral entre estes dois grandes blocos económicos, quer em termos de fluxos comerciais quer de investimento, no curto, médio e longo prazo.

“O acordo comercial Mercosul-UE representa uma excelente oportunidade de negócio para as empresas portuguesas, pois permitirá exportar para mercados a custos mais competitivos, em especial nos setores dos vinhos, têxtil, farmacêutico e tecnológico. De qualquer forma, como irá reforçar as relações comerciais, será muito positivo para a maioria dos setores de atividade, quer pelo acesso a matérias-primas mais baratas, quer pelo acesso competitivo a novos mercados. Os consumidores também vão beneficiar, através dos ganhos de bem-estar fruto da redução dos preços pela queda das tarifas alfandegárias e pelo reforço da competitividade empresarial”, enquadra o líder da maior associação patronal do Norte do país.

Destaco o que este acordo pode representar ao nível da estratégia do reforço da diversificação dos mercados de destino das exportações portuguesas para países fora da UE, absolutamente crítica face à incerteza vivida nos nossos principais parceiros comerciais, nomeadamente França e Alemanha.

Luís Miguel Ribeiro

Presidente da AEP

Segundo um estudo recente realizado pela Universidade Católica, a aprovação deste acordo comercial entre a UE e o bloco sul-americano do Mercosul pode ter um impacto de 0,2% no PIB nacional, à volta de 290 milhões de euros, o dobro da vantagem para a Europa, salientou à Lusa o então diretor do centro de estudos aplicados da Católica.

Sobre os setores que mais irão beneficiar, o economista Ricardo Ferreira Reis, entretanto indigitado para vice-presidente do regulador dos transportes (AMT), admitiu “um impacto menor, até negativo, na agricultura e produção animal”, em contraponto com um efeito “amplamente positivo nas indústrias de fabricação de têxteis e vestuário, e nos bens de capital e investimento”.

O presidente da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP) descreve uma “oportunidade estratégica” para as empresas nacionais, em particular no acesso ao Brasil, “um dos mais dinâmicos da região”, uma vez que “a eliminação de barreiras tarifárias permitirá competir de forma mais equitativa e explorar o enorme potencial deste mercado”. O reforço da competitividade, antecipa Mário Jorge Machado, virá ainda da “simplificação dos procedimentos aduaneiros” num país que “apresenta uma procura crescente por têxteis e vestuário de qualidade.

Garantir “controlos sérios”

Por outro lado, reconhecendo que, “como qualquer acordo, levanta alguns pontos de preocupação” – como na carne bovina –, mas “abre também várias oportunidades para a agricultura portuguesa”, com o azeite e os vinhos à cabeça, o presidente da CAP – Confederação dos Agricultores de Portugal avisa que é preciso garantir “controlos sérios e que os Estados se empenhem” neles para garantir também a saúde dos consumidores e proteger o ambiente. No entanto, tal como a CIP ou a AEP, faz questão de enquadrar igualmente a assinatura deste acordo na atual “situação geopolítica mundial”.

Álvaro Mendonça e Moura, presidente da CAPLusa

“Temos de ter consciência que a UE não se pode deixar isolar e, portanto, temos de aproveitar todas as oportunidades que tenhamos no exterior porque somos o maior exportador mundial de bens de agroalimentar. A UE tem de ser inteligente nesta matéria. Os países do Mercosul nunca tinham celebrado um acordo de comércio livre. E os acordos de comércio livre têm demonstrado nos últimos anos serem favoráveis para a agricultura da UE”, remata Álvaro Mendonça e Moura.

Jaime Piçarra, secretário-geral da Associação Portuguesa dos Industriais de Alimentos Compostos para Animais (IACA), concorda que é “essencial olhar com atenção à monitorização e ao cumprimento das mesmas regras de produção que são exigidas aos operadores nacionais e que têm de ser observadas pelos congéneres do Mercosul”. Mas, além da relevância económica, pelo impacto que terá nas empresas, salienta também a “importância política e estratégica no contexto atual”. A começar pelo facto de ter sido alcançado no arranque do segundo mandato de Ursula von der Leyen, “mostrando que o bloco europeu está vivo e recomenda-se”.

Acordo mostra o peso político da UE no contexto da geopolítica global, com toda a instabilidade que se vive, e a poucos dias do início da presidência de Donald Trump.

Jaime Piçarra

Secretário-geral da Associação Portuguesa dos Industriais de Alimentos Compostos para Animais (IACA)

“No plano político, surge numa altura e na sequência de um enorme esforço desenvolvido pela Presidência espanhola da União Europeia, e em que Alemanha e França estão claramente em dificuldades, económicas e sociais, o que mostra a fragilidade do eixo franco-alemão. De facto, se o acordo foi possível neste momento, depois de anos de negociação e em que não foi possível a implementação pelo dossiê agrícola, pese embora a contestação da França e as ameaças dos seus agricultores, é um sinal claro dessa debilidade do Presidente Macron”, sustenta.

Por outro lado, nota Jaime Piçarra, países como Portugal, tal como Alemanha ou Espanha, necessitavam deste acordo pelas vantagens para o mercado automóvel, têxtil ou propriedade intelectual – e mesma na parte agrícola para setores relevantes como os vinhos e o azeite. O responsável salienta ainda “o peso político” que a UE mostra “no contexto da geopolítica global e com toda a instabilidade que se vive (…) e a poucos dias do início da presidência de Donald Trump”. Sem esquecer o acesso a matérias-primas críticas, como o lítio, o níquel ou o manganês, relevantes para indústrias como a dos componentes automóveis, em alternativa à China e para baixar os riscos de vulnerabilidade nas cadeias de abastecimento.

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