Se o partido comunista quiser continuar a existir, termino perguntando: o PCP tornar-se-á o PEV de quem?

Camaradas, não consigo deixar passar em claro o congresso do PCP deste passado fim de semana. Num partido tão fechado ao exterior, não me recordo de ver transpirar tanto o ambiente de dificuldades que lá se fez sentir e é inegável que é sintomático. Paulo Raimundo, no discurso de encerramento, qual gestor de insolvência, avisou – “Este não é o momento para desânimos. Confiem no PCP!” e nos partidos funciona a regra dos casamentos, quando se fala no divórcio, pode mesmo ser inevitável.

Cresci a conhecer o PCP como o partido das vitórias. Fosse qual fosse o resultado, o movimento dos trabalhadores e do povo tinha ganho, a cassete era antiga. Mas assisti, também, aos últimos resultados onde a derrota era por demais evidente, onde nem o otimismo habitual conseguia esconder a desilusão e preocupação.

Nesta introdução, devo esclarecer, também, que vou usar PCP e CDU como sinónimos. A existência do PEV enquanto partido autónomo foi sempre uma quimera, um dos elementos mais fantasiosos da política portuguesa. Durante alguns anos pode ter resultado para entrar em eleitorados mais jovens e ecologicamente conscientes e evitar o crescimento de partidos realmente verdes e ambientalistas em Portugal, mas depois do aparecimento do PAN, em 2015, e do Livre, em 2019, o seu propósito deixou sequer de fazer sentido.

Não quero entrar na discussão sobre a importância histórica do PCP para a formação da nossa democracia. Estiveram do lado errado da história, a vontade para que não tivéssemos este regime de liberdade sempre esteve lá, mas também é certo que quando perceberam que não ia dar para levar a sua avante, aceitaram as regras do jogo como as conhecemos. Aceitaram as eleições e os seus resultados e encararam a sua importância sindical e na luta de classes com especial responsabilidade.

E não tenho dúvidas que foi ao descurar este intuito histórico que começou o fim do partido comunista. Em 2021, num episódio de “A conversar é que a gente se entende”, conversava com o então deputado comunista Duarte Alves que me dizia que “Se contássemos a quantidade de vezes que já decretaram a extinção do PCP, já tínhamos mais vidas que um gato.”. Talvez seja verdade, mas também é verdade que o estado do partido, o novo partido do táxi, nunca foi tão depauperado.

Nos parlamentos regionais já não contam com representação. No parlamento europeu, pela primeira vez, têm apenas 1 eurodeputado, eleito marginalmente por menos de 10 mil votos. Nas eleições presidenciais, depois do resultado desastroso de Edgar Silva, em 2016, nem o João Ferreira conseguiu melhorar em votos absolutos.

Depois de quase 19% dos votos em 1979 e 44 deputados, hoje são 4. Destes, o segundo eleito por Lisboa e o deputado pelo Porto foram eleitos na margem, por uma diferença total de 3 mil votos. Hoje, o PCP não tem deputados no Alentejo e o desastre não consegue mesmo ser escondido. No entanto, o futuro imediato do partido reside nos resultados das próximas eleições autárquicas. Outrora, o partido teve 55 municípios, em 2021 ficaram apenas 19 e desde 2013 perderam 15 autarquias. Os vereadores chegaram a ser 316, hoje não passam dos 148.

Os bastiões históricos do partido vão caindo: Loures, Beja e Almada foram os últimos. Em 11 dos atuais 19 concelhos liderados pela CDU, incluindo Évora, os presidentes atingem o limite de três mandatos consecutivos em que podem candidatar-se. Destes 11 municípios, nas últimas eleições legislativas o PCP não conseguiu vencer em algum e em 7 destes ficou mesmo em quarto lugar.

O caso de Setúbal é interessante. É liderado desde 2021 pelo PEV, tendo sido o pior resultado da CDU desde 1997. A juntar a isto, nestas eleições, combinar-se-ão três elementos notáveis: um presidente em funções, do partido menor da coligação, pouco popular, a candidatura independente da ex-presidente, pelo PCP, Maria das Dores Meira e uma expectável candidatura forte da área socialista.

Pertinente é também pensar como é que o partido chegou aqui. As razões são várias e não são de agora. O declínio já remonta do fim da liderança de Cunhal e foi acelerada por Carvalhas. Pareceu a determinada altura, na sequência da crise de 2011, que era possível reverter a tendência e certamente a liderança de Jerónimo de Sousa foi um ótimo analgésico, atrasou o que todos sabíamos inevitável.

Apenas 6 países da UE mantêm partidos comunistas nos seus parlamentos, um deles é Portugal. E, na verdade, destes 6 apenas no Chipre, na Bélgica e na Grécia têm relevância eleitoral significativa. Assim foi também em Portugal durante bastantes décadas. Talvez a razão para aqui ter durado tanto tempo, para além da origem do regime democrático, tenha sido a sua fixação com a tradição e conservadorismo que permitiu preservar o seu eleitor tradicional.

Mas, como expectável, esta opção também teria os seus custos e o envelhecimento natural do eleitor de sempre acabaria por chegar. Desde 2020 e apesar do aumento nas adesões, o partido perdeu 4 mil militantes, fruto, segundo os próprios, deste crescimento “não ter compensado aqueles que deixaram de ser contabilizados como membros do partido, em particular por falecimentos”.

Ademais, a geringonça funcionou como o abraço de urso que se previa, o PS comeu definitivamente bastante do eleitorado do PCP e o abandonar do partido das ruas foi implacável. Numa altura crítica para o país de desinvestimento em bastantes infraestruturas sociais, o PCP e o seu braço sindical, CGTP, deixaram a luta de classes. Hoje, a outrora dominante central sindical tem conhecido o aparecimento de sindicatos inorgânicos, desleais ao partido e que conseguem entrar em massas do movimento dos trabalhadores que a central já não conseguia entrar.

A geringonça teve ainda o efeito de esconder algumas das posições mais controversas dos comunistas, principalmente a sua relação com regimes políticos em tudo duvidosos. Neste sentido, a guerra na Ucrânia e ambiguidade para a sua defesa, face a um eleitorado que em massa se colocou do lado do agredido, para além de ofender muitos e escandalizar outros tantos, tem a consequência clara de afastar potenciais votantes.

Em último, mas não, de todo, o menos importante, destaca-se a escolha do Secretário-Geral. Esta forma de fazer política em conclave estritamente fechado pode implicar resultados desastrosos como este. O PCP tinha nos seus quadros políticos reconhecidos como: Bernardino Soares, o candidato a tudo João Ferreira, ou, creio, o político mais empático do panorama português, João Oliveira. Oliveira que tem o mérito altíssimo de ter conseguido ser eleito eurodeputado, muito na base da imagem pessoal que criou nos últimos anos. Com todas estas hipóteses, mais do que qualificadas, o partido optou por alguém desconhecido do público e que, para já, aparenta mesmo ter sido o erro fatal.

Se o partido comunista quiser continuar a existir, termino perguntando: o PCP tornar-se-á o PEV de quem?

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Era uma vez o PCP

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