A desfaçatez de Pedro Nuno
A estratégia de Pedro Nuno para a liderança do PS, em termos futebolísticos, com mais ou menos ambiguidade, tem sido esta: rasteirar o PSD, enquanto assiste Ventura.
O congresso que consagrou Pedro Nuno Santos como líder do PS fez na semana passada um ano. Foi um ano desafiante. É certo que ser líder da oposição é, senão o mais difícil, dos mais difíceis cargos da política portuguesa. Mas também é certo que este ano foi errático, repleto de poucos avanços e muitos recuos. Da indecisão total face ao OE, passando pela vitória por poucochinho nas europeias e pela política de pesca por arrastão para as presidenciais, o fim pode estar próximo e as autárquicas serão, sem dúvida, o teste definitivo à sua liderança.
Para além disto, e porque este texto não pretende ser um obituário político prematuro, estas últimas semanas têm sido recheadas da melhor especialidade a que Pedro Nuno nos tem acostumado. De resto, já António Costa tinha esse hábito e foi mesmo um dos êxitos de 2022, que Pedro Nuno insiste em repetir: a constante, insistente e demagógica colagem do PSD ao Chega.
Nestas semanas os motivos foram 2: a operação policial na Rua do Benformoso e o mais recente debate sobre o aborto. Como o tema de hoje é o segundo, sobre o Martim Moniz apraz-me escrever apenas umas curtas linhas. Primeiro, e na semana em que homenageamos Eça, é irónico assistir a esta prova cândida do centralismo português. Temos a nossa bolha mediática, há 1 mês, em excursões sucessivas e a discutir os problemas de uma rua que a maioria dos portugueses não conhece, nem faz a mínima ideia onde fica, como se fosse o alfa e o ómega da nossa política.
Em segundo, enquanto a comunicação social contribuir para as perceções e continuar a dar agenda mediática ao Chega, o temperamento político continua a aquecer. Parafraseando o Juiz Hélder Fráguas – Depois, não se queixem. Diretamente sobre a perceção de insegurança, escreverei num futuro próximo.
Entrando no tema que me traz aqui hoje, devo começar por afirmar que sou profundamente favorável ao direito ao aborto. Foi uma enorme conquista das mulheres portuguesas que devemos fazer tudo por defender. Dito isto, o triste número que o PS ensaiou com este debate faz tudo menos dignificar a nobreza e relevância do tema.
Às vezes convém lembrar que o PS esteve oito anos no poder, constantemente com maioria de esquerda e nos últimos 2 anos com maioria absoluta. Se as propostas viessem da convicção, ao invés da conveniência política, neste tempo, podia ter aprovado qualquer alteração que quisesse à lei. Não aconteceu. Hoje, sabendo de antemão que não havia condições de aprovar a medida, decidiu apresentar o projeto. Porquê?
Primeiro, a estratégia de colagem ao Chega é clara e, nesse sentido, Isabel Moreira foi bastante frontal, dizendo que o PSD “tem uma oportunidade de se demarcar do Chega”. Depois, usando a dessintonia entre PSD e CDS, demonstrada em campanha, sobre este tema, a ideia foi colocar o PSD e a coligação à prova, dando margem aos anti-IVG para também apresentarem propostas. Assim, volta-se a trazer o tema e a polarização para a ribalta, achando o PS que isso o favorece.
É triste utilizar o direito ao aborto como arma de arremesso político e mais do que tudo é perigoso. Creio que a população portuguesa será largamente favorável à IVG e talvez até o seja face ao seu alargamento para as 12 semanas. Mas este é e será sempre um tema moralmente complexo, que promove discussões convictas ou até extremadas. No fim de contas é de vida que falamos.
É triste utilizar o direito ao aborto como arma de arremesso político e mais do que tudo é perigoso. Creio que a população portuguesa será largamente favorável à IVG e talvez até o seja face ao seu alargamento para as 12 semanas. Mas este é e será sempre um tema moralmente complexo, que promove discussões convictas ou até extremadas. No fim de contas é de vida que falamos.
O enredo é já o típico. Lançar para cima da mesa uma discussão fraturante, esperar que polarize, definir o lado do Bem e lançar sobre todos os outros, tenham eles dúvidas mais ou menos legítimas, o anátema de que ou são cheganos ou jogam com a sua agenda. Não é intelectualmente honesto.
Não sendo um profundo conhecedor do tema, do que pude ler, a discussão das 12 semanas parece meritória e relevante, sendo Portugal dos países com prazo mais reduzido na UE e sendo as 12 semanas a recomendação da OMS. No entanto, tendo em conta o passado referendário conhecido do tema e estando o prazo das 10 semanas consagrado na pergunta de 2007, renasce a questão: é preciso referendo para mudar a lei?
Não tenho opinião absolutamente formada, mas parece-me que tendo estado o prazo a votação no referendo de 2007 (facto que, a posteriori, não compreendo), a sensatez pedia um novo referendo. Mas aqui surgem mais problemas, não poderia uma hipotética vitória do ‘não’ ser interpretada como um ‘não’ ao próprio direito à IVG? Num momento tão polarizado, creio até ser evidente que os setores conservadores aproveitariam para pedir um novo referendo ao próprio direito.
Mais, atendendo à existência de já dois referendos de sinal oposto, as alas conservadoras pensarão sempre que este ‘sim’ de 2007 pode não ser definitivo. Entre o primeiro e o segundo passaram-se 9 anos, desde o ‘sim’ já lá vão 18 anos. Voltarmos a trazer o prazo da IVG à discussão é mexer em feridas saradas, polarizando o debate.
Já vimos que as consequências deste ressurgimento temático são imprevisíveis e perigosas e tudo isto por tática política de Pedro Nuno. Os reais problemas estão no acesso ao aborto dentro do prazo estabelecido. As reportagens que relatam essas dificuldades são conhecidas. Os entraves existem e são assinaláveis. Aí é importante legislar para acautelar que o direito é efetivo e não existe apenas na letra da lei.
Este debate foi o grande derrotado desta semana. Por causa da polarização que se gerou, não se discutiu devidamente o cerne da questão, atrasando a sua resolução. O PS teve 8 anos para tentar solucionar o problema e preferiu ignorar a sua existência.
A estratégia de Pedro Nuno para a liderança do PS, em termos futebolísticos, com mais ou menos ambiguidade, tem sido esta: rasteirar o PSD, enquanto assiste Ventura. Contudo, o ‘não é não’ foi efetivo e a tática parece não estar a resultar.
As próximas eleições autárquicas são decisivas. Há confrontos determinantes em Lisboa, Porto, Braga, Setúbal, Funchal, Aveiro, Faro, Évora, Gaia, Sintra, Cascais e muitos outros concelhos ao longo do país. Até pode ser o crescimento do Chega a oferecer a vitória ao PS e um colete salva-vidas a Pedro Nuno, mas a falta de rumo e a cada vez mais sonora oposição interna podem não dar descanso. 2025, também aqui, será decisivo.
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