Rendas, mas das necessárias
Acelerar a transição energética, exige maior, não menor iniciativa pública, em particular exigem leilões. A ausência de um calendário prejudica o investimento privado.
A país está familiarizado com o tema das rendas na energia. E o veredito, presumo, deve ser mais ou menos unânime: as rendas são uma coisa má, penalizam os consumidores e devem todas acabar. Mas será mesmo assim?
Há seguramente rendas sem justificação que devem ser eliminadas ou pelo menos revistas, para não penalizarem os consumidores de eletricidade. A renda que a RTP recebe, por exemplo, ou não devia vir dos consumidores de eletricidade ou devia ser cobrada a outros consumidores que não apenas os de um bem essencial, ainda por cima um bem essencial que o país quer incentivar. Mas rendas que viabilizem investimentos essenciais para o funcionamento do sistema elétrico que queremos construir não são negativas, muito menos devem ser eliminadas. Devem ser bem desenhadas, devem ser atribuídas de forma concorrencial e recorrendo a mecanismos de mercado, mas não podem simplesmente acabar. E não podem acabar porque há mecanismos concorrenciais que permitem assegurar ganhos para os consumidores e porque, na sua ausência, o investimento que beneficia os consumidores e que permite um sistema elétrico descarbonizado ao menor custo, seja via renováveis, seja via nuclear, não seria feito, ou pelo menos não seria feito ao ritmo pretendido.
Quando a REN, recorrendo a mecanismos de mercado, compra capacidade para estar disponível para ser mobilizada quando e se for necessário, está a criar uma “renda”, mas como essa capacidade é essencial para o funcionamento do sistema e para o fornecimento de eletricidade, se esse serviço for prestado e contratualizado de forma concorrencial, garantindo minimização de custos para o sistema, essa “renda” não penaliza os consumidores. O mesmo se passa com leilões de acesso à rede elétrica, como os que foram feitos entre 2019 e 2022: parte significativa dos vencedores dos lotes leiloados vão receber uma “renda”, mas essa renda viabilizou investimento significativo em nova capacidade renovável, ao mesmo tempo que maximizou o ganho para os consumidores. Por outro lado, ao incentivar a otimização do ponto de ligação leiloado, os leilões, e as rendas que lhe estão associados, otimizam a utilização da rede, reduzindo, também por essa via, os custos da eletricidade consumida.
Numa altura em que o Governo anunciou pretender avançar com os chamados mecanismos de remuneração por capacidade, importa recuperar o instrumento dos leilões, aprendendo com a experiência passada e planeando um calendário alinhado com as necessidades e os objetivos revistos do PNEC.
Olhando para a evolução do sistema nos últimos anos, parece evidente que algo tem de ser feito para incentivar o investimento em nova capacidade eólica terrestre, seja via hibridização com fonte hídrica, solar ou gás, otimizando pontos de injeção existentes, seja via o chamado repowering substituindo equipamentos antigos por novos, mais potentes.
A hibridização, ou seja, a combinação de diferentes fontes de geração, tirando partido da sua complementaridade no perfil de geração, representa um enorme potencial de otimização de custos globais do sistema, porque permite otimizar a rede existente e reduzir necessidades futuras de investimento em redes. Deve ser dada a oportunidade de otimizar o ponto de injeção aos produtores existentes. Mas também deve ser dado um prazo para o início dessa otimização. findo esse prazo, o direito a hibridizar deve ser leiloado, por evitar a existência de ativos ociosos, que oneram o consumidor.
Nas centrais a gás, começando pela Tapada do Outeiro, mas alargando a lógica às outras três, que seguramente também irão começar a falar da necessidade dos mecanismos de remuneração por capacidade, importa assegurar os serviços prestados pelas centrais a gás (capacidade firme, disponibilidade, flexibilidade) fazendo leilões que devem ser, na medida do possível, tecnologicamente neutros, ou seja, centrados nos serviços prestados e não numa tecnologia específica.
Acelerar a transição energética, assegurando a sua compatibilidade com os requisitos da competitividade, exige maior, não menor iniciativa pública, em particular exigem leilões. A ausência de um calendário e caracterização dos leilões a realizar prejudica o investimento privado porque não dá visibilidade ao modo como esse investimento pode ser realizado. Faltando 5 anos para o objetivo de 93% de renováveis no consumo de eletricidade, os leilões, e as rendas que lhe estão associadas, já vêm tarde
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