O ESG vai perder letras?

Os franceses pedem flexibilidade nas regras e que o foco seja sobretudo ambiental. É um bom ponto de partida para uma conversa que pode ser fraturante

A discussão anda aí há algum tempo mas foi agora mais focada por parte das autoridades francesas: vamos, na Europa, continuar a avançar com as apertadas regras de sustentabilidade empresarial num momento de fragilidade económica e de concorrência internacional desleal?

O governo francês preparou um documento de 22 páginas, dirigido à Comissão Europeia, que tem como foco um forte pedido de simplificação de regras e de burocracia sobre as empresas da União. Entre elas, o foco são os pontos relativos ao ESG, sigla referente ao Environmental, Social e Governance nas empresas.

O argumento principal é simples e fácil de perceber: as regras estão “mal adaptadas ao novo contexto de concorrência internacional exacerbada e às políticas não cooperantes dos nossos principais concorrentes internacionais”. Por outras palavras, e caricaturando, num momento em que a Europa vive um défice de competitividade e os blocos económicos rivais apostam num “cada um por si”, devem as empresas europeias continuar a ser usadas como figurantes numa parada de bons escuteiros, sem qualquer ganho de curto prazo?

Um dos temas mais prementes é a obrigação de reporte das práticas ESG, um documento no qual as empresas têm de indicar o que fazem nestes três campos, ao detalhe, incluindo a sua cadeia de valor, ou seja, informações sobre as práticas dos seus fornecedores e parceiros. As obrigações não são iguais para as empresas de todas as dimensões, mas há certamente muitas às quais seria mais útil estar a concentrar meios e atenções no negócio puro e duro, e menos nestes reportes. Ou, como me confessou recentemente até um CEO de uma grande cotada, as suas equipas de sustentabilidade consomem mais tempo com o reporte do que com as atividades de sustentabilidade nas quais se deviam concentrar. Certamente não é o que se pretende.

O assunto vem à baila numa altura em que cresce a pressão sobre a União Europeia para que esta reavalie a sua diatribe legislativa, à boleia daquilo que o Relatório Draghi já apontava como um dos pontos a rever, a absoluta desigualdade de obrigações burocráticas a que as companhias europeias estão sujeitas face às concorrentes internacionais.

A proposta francesa pede, além de um aligeirar das regras para as empresas de pequena e média dimensão, que o foco ESG se centre sobretudo na vertente ambiental e deixe praticamente de lado as componentes social e de governança.

Acredito que a Comissão Europeia opte, no curto prazo, por alguma moderação das exigências, de forma transitória, de modo a sinalizar que está a levar a sério as preocupações acerca da burocracia excessiva. Mas tenho mais dúvidas de que o movimento possa ir mais longe. Porque, por um lado, um certo abandono do ESG seria lido como uma derrota política face aos Estados Unidos, até porque Trump e os seus aliados olham para este tema do ponto de vista de uma guerra cultural. Por outro, a Europa foi já demasiado longe neste processo para, pura e simplesmente, recuar em grande escala, agora.

Aquilo que é realmente novo, e que deverá ser acompanhado no futuro, é a sugestão francesa (mesmo que com uma formulação soft) de que nos centremos na componente ambiental e deixemos o resto de lado . Sejamos francos, isso na prática sempre aconteceu, com a discussão à volta do ESG a ser dominada pelo E, com uns pozinhos de S para dar diversidade e pouco ou nenhum G. Mas esta seria uma mudança radical, desde que a sigla apareceu, pela primeira vez, num documento das Nações Unidas, há 21 anos.

Seja como for, a proposta francesa faz sentido e tem o mérito de dizer alto aquilo que todos estamos a pensar.

A palavra, agora, a Bruxelas.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

O ESG vai perder letras?

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião