IA, inovação e (muito) menos burocracia. O roteiro de Bruxelas para aumentar a competitividade europeia

Quatro meses depois de Draghi apelar que a UE recupere o terreno face aos EUA e a China, Bruxelas apresenta hoje o roteiro de 30 medidas. Menos burocracia e mais inovação são os principais pilares.

Mais inovação e (muito) menos burocracia. Estas serão as linhas orientadoras dos 30 pontos do roteiro da Comissão Europeia para mitigar a perda de competitividade do bloco europeu face aos restantes mercados. A Bússola para a Competitividade — apelidada de Estrela Polar da União Europeia (UE) — inspirada no relatório de Mário Draghi, será apresentada esta quarta-feira pela presidente Ursula von der Leyen e o vice-presidente e comissário para a Prosperidade e Estratégia Industrial, Stéphane Séjourné, em Bruxelas, após a reunião do colégio de comissários.

“A tónica será colocada no aumento da produtividade, colmatando o défice de inovação. Trata-se de um plano conjunto para a descarbonização e a competitividade, para ultrapassar a escassez de competências e de mão-de-obra e reduzir a burocracia”, explicou Von der Leyen, em Davos, na semana passada, sublinhando que o roteiro vai procurar “tornar o crescimento [na UE] mais rápido, mais limpo e mais equitativo, assegurando que todos os europeus possam beneficiar da evolução tecnológica”.

O corte na burocracia será um elemento chave do roteiro. O objetivo será “simplificar e acelerar”, reduzindo de forma “sem precedentes” os processos administrativos para as empresas, tal como consta de um documento a que a Reuters teve acesso.

A iniciativa não é nova. Há 10 anos, a Comissão de Jean-Claude Juncker já tinha sido alertada para a necessidade de avançar com uma reforma semelhante, depois de um grupo de trabalho liderado pelo alemão Edmund Stoiber ter concluído que regras mais flexíveis permitiram poupar 41 mil milhões de euros por ano ao bloco europeu. As reformas ficaram por fazer — e na verdade, os problemas até se adensaram — e uma década mais tarde surge Mario Draghi a lançar os mesmos apelos.

[A recuperação de competitividade] deve incluir a simplificação e a eliminação de sobreposições e incoerências em toda a cadeia legislativa, com prioridade para os setores económicos em que a Europa está particularmente exposta à concorrência internacional”, alertou o antigo primeiro-ministro italiano, na apresentação do relatório, em setembro passado.

Em termos comparativos, o também antigo governador do Banco Central Europeu referiu a título de exemplo que, em 2019, a União Europeia aprovou cerca de 13 mil atos legislativos, enquanto os EUA aprovaram três mil e outras duas mil resoluções, no mesmo período. “Este facto faz-nos pensar: será que podemos fazer um pouco menos e ser um pouco mais concentrados?”, questionou.

A Presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen (à direita), e o antigo primeiro-ministro italiano, Mario Draghi, participam numa conferência de imprensa conjunta para apresentar o relatório final sobre o futuro da competitividade da UE, em Bruxelas,EPA/OLIVIER HOSLET

 

Mas há Estados-membros que querem ir mais longe. França, por exemplo, pediu a Bruxelas, na semana passada, uma “pausa maciça” no que toca à implementação de novas regulamentações e ainda o adiamento por, pelo menos, dois anos da entrada em vigor da Diretiva de Reporte Corporativo de Sustentabilidade (CSRD), as novas regras de reporte ambiental para as empresas. Este último pedido também foi subscrito pela Alemanha.

O apelo foi ignorado, mas espera-se que a simplificação de processos da Bússula para a Competitividade adote as “medidas necessárias” para reduzir as obrigações regulatórias em cerca de 25% para todas as empresas privadas e em 35% para as PME, segundo um rascunho consultado pelo Euractiv.

Ademais, incidirá também sobre as regras ambientais. Von der Leyen e Séjourné deverão dar a conhecer as primeiras linhas do Omnibus, uma proposta do executivo cujo principal objetivo é reformar a taxonomia da UE, o CSRD e a Diretiva sobre o due dilligence de sustentabilidade das empresas (CSDDD). Certo, é que os objetivos climáticos deverão permanecer intocáveis.

E de forma a reduzir a abrangência das regras, a Comissão Europeia deverá propor também uma nova definição de pequenas empresas de média capitalização, que deverá permitir que até 31 mil empresas entre os 27 Estados-membros beneficiem de uma simplificação regulamentar adaptada, tal como as PME.

UE como “continente da AI”

A inteligência artificial (IA) é o tema quente da semana. Não só por causa do surgimento imprevisto e impressionante da chinesa DeepSeek mas também porque o regresso de Donald Trump à Casa Branca, na semana passada, como 47º presidente dos Estados Unidos, veio acompanhado de um anúncio de um investimento de 500 mil milhões de dólares para a construção de centros de dados para impulsionar o desenvolvimento de IA no país.

Tanto a China como os EUA já se colocaram a postos para dominar esta tecnologia a nível mundial. E agora, a União Europeia terá que reunir esforços para se colocar nesta corrida. O objetivo será fundar o “Continente IA”, como se lê no rascunho da estratégia, criando as primeiras “mega-fábricas de IA” de sempre para aumentar a capacidade de computação da Europa e torná-la acessível a empresas em fase de arranque, investigadores e indústria para formar, desenvolver e melhorar os seus modelos de IA.

Mas não só. Aos olhos de Bruxelas, a IA entra no jogo como um elemento que visa aumentar a eficiência e impulsionar a produção de mais energias renováveis e reforçar o posicionamento do bloco no setor aerospacial, medicina e biotecnologia.

A Europa tem de estar na vanguarda da inovação em setores tecnológicos que serão importantes para a economia de amanhã, como a inteligência artificial, as matérias-primas críticas, as biotecnologias, energias limpas, robótica, tecnologias espaciais e outras.

Rascunho da Bússula para a Competitividade da Comissão Europeia

Assim, o executivo europeu pretende desenvolver planos de ação para avaliar as atuais capacidades de fabrico de medicamentos essenciais nos 27 Estados-membros e, subsequentemente, identificar formas de os aumentar, com vista a reduzir a dependência excessiva de fornecedores de países terceiros — como aconteceu durante a pandemia — e reforçar a segurança económica do bloco. Para isso, serão removidas obstáculos à criação de empresas inovadoras em grande escala, cita a Reuters o documento obtido em Bruxelas.

A Bússola para a Competitividade chega com atraso — também porque Ursula von der Leyen esteve a recuperar de uma pneumonia durante duas semanas, em janeiro — mas Bruxelas mantém-se confiante de que conseguirá, nos cinco anos que se seguem, causar impactos significativos. E estará focada em medi-los e avaliar os resultados periodicamente.

Para coordenar melhor os objetivos europeus, a Comissão deverá propor um novo instrumento de coordenação da competitividade que se centrará em marcos nacionais definidos por cada Estado-membro, desde que estes respeitem o roteiro. O objetivo do executivo comunitário é melhorar a coordenação de políticas nacionais e da UE pois, aos olhos da presidente von der Leyen, a união será um elemento determinante da execução desta estratégia.

“A competitividade não é uma responsabilidade exclusiva da UE. As instituições da UE, os governos nacionais e também as autoridades regionais têm de estar à altura do desafio, trabalhando num esforço conjunto e elevando o empenhamento e a cooperação a um novo nível”, lê-se no rascunho do roteiro.

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