Bruxelas quer ‘fábricas de IA’ na UE para impulsionar competitividade

'Fábricas de AI', 28º regime para startups e um novo fundo. Bússola para a Competitividade da UE promete um corte "sem precedentes" na burocracia, a começar pela sustentabilidade.

A Comissão Europeia está focada em “recuperar a competitividade” na União Europeia, sendo uma matéria “de máxima urgência e prioridade”. Assim, o executivo comunitário apresentou a Bússola para a Competitividade, uma estratégia inspirada no Relatório Draghi e que visa fechar o gap da inovação, acelerar a descarbonização e a competitividade nos 27 Estados-membros e reduzir as dependências, aumentando a resiliência e segurança económica. Desde logo, apostando massivamente no desenvolvimento de inteligência artificial (IA) na União Europeia (UE).

Só 13% das nossas empresas recorrem a inteligência artificial, uma em cada sete. E isso tem de mudar“, declarou Ursula von der Leyen durante a apresentação do roteiro, esta quarta-feira, após a reunião do colégio de comissários, em Bruxelas.

Durante a conferência de imprensa, a presidente do executivo comunitário anunciou o lançamento de uma “ampla estratégia para a IA” no bloco, com especial enfoque a nível industrial e em setores chave que “passará pela criação das chamadas ‘fábricas de IA’ que oferecerão às empresas supercomputadores para promoverem, desenvolverem e treinarem os seus modelos“, explicou von der Leyen. Mas as iniciativas não ficarão por aqui.

Focada em impulsionar novas utilizações industriais da IA e melhorar os serviços públicos com a referida estratégia, a Comissão Europeia vai ainda criar um novo Conselho Europeu de Investigação sobre IA. E, no sentido de assegurar uma partilha de dados segura, vai formalizar a Estratégia para uma União Europeia dos Dados.

Por fim, o executivo comunitário quer aumentar o investimento na supercomputação, nos semicondutores, na Internet das coisas (IoT), na genómica, na computação quântica e na tecnologia espacial. “Temos de estar focados na inovação”, defendeu von der Leyen, ciente de que a estratégia europeia surge depois da ambição de Donald Trump de trazer 500 mil milhões de dólares para os Estados Unidos para inaugurar novos centros de dados.

“O anúncio é claro”, referiu von der Leyen quando questionada sobre o investimento americano em IA, “está curso uma corrida para liderar a IA. É indubitável“, disse. Ainda assim, essa aposta não deverá minar os esforços europeus, apenas impulsioná-los. “Temos de disponibilizar estas fábricas de IA e dar às empresas a capacidade de criar supercomputadores para poderem treinar os seus modelos”, declarou.

Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, na apresentação da Bússola para a Competitividade da UE, em Bruxelas EPA/OLIVIER HOSLET

28.º regime para startups e 37 mil milhões em poupanças

Depois, a missão será reduzir a burocracia, passando por uma simplificação de processos. “Recebemos um sinal claríssimo das empresas europeias de que há uma excessiva complexidade e um processo de licenças longo e pesado”, começou por referir a presidente da Comissão Europeia. “Temos de cortar na burocracia”, acrescentou a líder alemã, dando nota que a primeira proposta de simplificação da Comissão, o Ombinus, será apresentado no próximo mês e terá como primeiro foco aliviar as regras de reporte das empresas em matéria de sustentabilidade, finanças sustentáveis e taxonomia.

Com esta simplificação, Bruxelas prevê reduzir as obrigações regulatórias em cerca de 25% para todas as empresas privadas e em 35% para as pequenas e médias empresas. Quanto a custos, a Comissão prevê que poderá ser possível poupar 37 mil milhões de euros por ano, até 2029.

Mais, Berlaymont prevê a criação um novo regime único — um 28.º regime — numa base de adoção voluntária com o objetivo de harmonizar as regras do mercado interno para startups. Os detalhes não foram conhecidos (isso só deverá acontecer no final do ano), mas von der Leyen quer que a fiscalidade na UE seja mais equilibrada.

“Queremos que as empresas consigam expandir. Que passem de emergentes para uma fase de expansão. A necessidade de todos na UE é vermos startups com sucesso, com capacidade de escalar, com valor acrescentado e terem o acesso de mercado que merecem. É do interesse de todos“, defendeu Von der Leyen, ressalvando, no entanto, que as políticas de fiscalidade discutidas e propostas no bloco exigem a unanimidade dos chefes de Estado no Conselho Europeu.

Bruxelas anuncia novo fundo e quer União de Capitais este ano

Para concretizar a nova estratégia para a competitividade, a Comissão Europeia está a preparar um novo Fundo Europeu de Competitividade, mais abrangente e menos fragmentado, que apoiará projetos importantes de interesse comum.

Segundo o comissário europeu para a Prosperidade e Estratégia Industrial, Stéphane Séjourné esse “trabalho já começou”, detalhando que este fundo “vai permitir que cada euro liberte mais investimento privado na nova economia”. Assim, acrescentou, este mecanismo somado às quotas orçamentais dos Estados-membros vai permitir dar o “verdadeiro ímpeto à competitividade europeia”, defendeu o comissário.

Segundo as contas de Mario Draghi, a recuperação da competitividade na UE face aos Estados Unidos e à China vai custar cerca de 5% do PIB da União Europeia por ano – cerca de 800 mil milhões de euros, recorrendo à emissão de dívida comum e à criação de novos recursos. Ademais, está em curso uma discussão entre os Estados-membros — e defendida também pelo primeiro-ministro Luís Montenegro — de um aumento das contribuições orçamentais.

“Se tivermos projetos europeus comuns com financiamento europeu comum, há duas possibilidades de criar esse financiamento: ou mais contribuições nacionais ou novos recursos próprios. Mas sobre os recursos próprios existe uma proposta em cima da mesa”, adiantou a líder do executivo comunitário.

À semelhança do 28º regime, os detalhes sobre o fundo são escassos e só deverão ser conhecidos em 2028. “No próximo orçamento da UE [Quadro Financeiro Plurianual], teremos uma grande oportunidade para voltar a a definir prioridades e simplificar o acesso ao financiamento“, disse von der Leyen, dando nota de que este mecanismo “substituirá vários instrumentos financeiros da UE com objetivos semelhantes”.

Comissário para a Prosperidade e Estratégia Industrial, Stéphane Séjourné e a Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, na apresentação da Bússola para a Competitividade da UE, em Bruxelas EPA/OLIVIER HOSLET

Além do novo mecanismo de financiamento, Bruxelas quer facilitar o acesso ao capital de risco. “Se olharmos a nível mundial, 5% [do capital de risco] tem origem na UE, 52% é proveniente dos Estados Unidos e 40% na China”, referiu von der Leyen, acrescentando que isto não se deve a “falta de capital” mas sim ao mau alocamento destas verbas.

As poupanças dos agregados familiares na UE são de cerca 1,4 biliões de euros por ano. Nos Estados Unidos, esse valor é de 800 mil milhões de euros. O que nos falta é um mercado de capitais emergente e que nos permita converter as poupanças em investimento“, disse, recordando que essa missão estará nas mãos da comissária europeia, Maria Luís Albuquerque.

Assim, este ano a ambição de Bruxelas é apresentar uma União Europeia das Poupanças e Investimentos, isto é, “criar novos produtos de poupança e investimento” no bloco europeu “para garantir que existe um fluxo de investimento” entre os 27 Estados-membros.

Energia, carros e indústria. Bruxelas prepara novas estratégias ‘verdes’

Embora o primeiro esforço da Comissão Europeia para simplificar a burocracia das empresas comece pelo reporte ‘verde’, certo é que o compromisso do executivo comunitário com a transição energética e o combate às alterações climáticas mantém-se intocável.

“Há muitos motivos para lutar contra o aquecimento global e trabalhar em prol de uma economia mais circular. Estamos focados no Green Deal e nos objetivos climáticos”, garantiu Ursula von der Leyen, reiterando o compromisso dos 27 com a neutralidade carbónica até 2050. “Temos de ser flexíveis, pragmáticos e termos de ser capazes de nos adaptar”, sublinhou.

E isso começa desde logo com o setor automóvel, que ficará a conhecer já esta quinta-feira, 30 de janeiro, uma nova estratégia para acelerar uma transição energética “justa” no setor. “Queremos garantir que o futuro automóvel continua enraizado na Europa e queremos apoiar esta transição“, garantiu von der Leyen.

A seguir, será dado um novo passo para garantir que os preços da energia na UE continuam acessíveis. Depois de o bloco europeu ter conseguido superar a crise energética, em 2022, provocada pelo início da guerra na Ucrânia, o foco do executivo é continuar a baixar os preços nos mercados grossistas. Assim, e tal como já tinha sido referido pelos porta-vozes em conferência de imprensa passadas, nas próximas semanas, a Comissão apresentará um “plano para preços de energia acessíveis”.

Por fim, e tal como tinha sido prometido aquando da reeleição de von der Leyen, Bruxelas dará a conhecer o Pacto Industrial Ecológico. A estratégia está calendarizada para vir a público durante os primeiros 100 dias de mandato da nova Comissão, que tomou posse a 1 de dezembro de 2024.

Fora do panorama da sustentabilidade, von der Leyen também deu nota de que a Comissão Europeia está focada em “promover competências e empregos de qualidade” no bloco europeu.

“A base da competitividade da Europa são os seus cidadãos. Para garantir uma boa correspondência entre as competências e as exigências do mercado de trabalho”, referiu a líder europeia durante a apresentação, dando nota de que a Comissão apresentará uma iniciativa para construir uma União de Competências.

Esta iniciativa estará centrada no investimento, na aprendizagem de adultos e ao longo da vida, na criação de competências orientadas para o futuro, na retenção das mesmas, na mobilidade equitativa, na atração e integração de talentos qualificados do estrangeiro e no reconhecimento de diferentes tipos de formação para permitir que as pessoas trabalhem em toda a União.

(Notícia atualizada pela última vez às 14h10)

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