Europa, o mundo já mudou. E tu?
Neste jogo trumpista de soma nula, os EUA não sairão perdedores. Seremos nós a ficar com a fava?
Faz hoje 8 dias desde o início do segundo mandato de Trump à frente da Casa Branca e dos destinos dos norte-americanos. Muitas foram as ordens executivas já assinadas, mais ainda foram os debates tidos no mundo ocidental sobre o que esta reeleição significa para a sua coesão e futuro.
Trump faz parte do grupo de pessoas que acredita que se alguém ganha, outrem não pode, necessariamente, ganhar. Não há situações win-win e para os EUA ganharem, alguém terá de perder. Seja quem for. Para Trump não há aliados. Pode, no máximo, haver parceiros. Neste contexto, tem ameaçado os (antigos?) aliados com a imposição de tarifas às importações.
As ameaças parecem uma qualquer licitação numa fraca feira de velharias e os valores transpiram a inclinação da política proposta. Ao mesmo tempo que ameaça o México e o Canadá com tarifas de 25% (primeiro e terceiro maiores parceiros comerciais, respetivamente), à China fala em 10%. A Europa ainda aguarda a sua sina.
A China é useira e vezeira na aplicação de subsídios diversos para favorecer a competitividade internacional dos seus produtos. É forçosamente nestes produtos chineses que Trump procura repor a competição justa através das tarifas? Não. Estas tarifas são instrumentos de direção das políticas da nova administração e visam avisar que o rumo mudou. O POTUS pretende assinalar que as relações com a Europa, Canadá, México e aliados asiáticos não serão as mesmas e os EUA têm novos amigos.
Uma guerra alastrada de tarifas não beneficia ninguém, nem mesmo os EUA. A questão é quais os efeitos da política no curto prazo, visto que esta sua segunda estadia é mesmo só de 4 anos. As tarifas trarão inevitavelmente inflação nos produtos importados. Podem até provocar a diminuição do consumo nos EUA, mas favorecem as empresas norte-americanas que podem produzir confortavelmente com menos eficiência sem os custos que teriam num cenário de livre comércio. Por outro lado, Trump aposta, também, em políticas para controlar estes efeitos inflacionários. Estas consubstanciam-se tanto na redução dos custos da energia, usando-se do já conhecido “Drill, baby, drill”, como dos custos de produção, através da diminuição dos impostos federais.
Muitos dos perdedores da globalização estão nos EUA. Foram durante décadas esquecidos e os seus empregos foram desaparecendo. A emergência de economias com salários e custos de produção inferiores reduziram a competitividade americana. No entanto, foi também nesta base que assistimos à diminuição de preços de diversas mercadorias ou bens e o ganho geral é claro. Para Trump a solução não passa pelo aumento da produtividade das empresas americanas, mas pela diminuição artificial da competitividade do que vem de fora. Uma prenda à ineficiência.
A minha dúvida prende-se num outro efeito. O inevitável aumento da produção, fruto da redução do comércio internacional, aliado à diminuição da mão de obra disponível, por via da prometida deportação dos trabalhadores estrangeiros ilegais, num país com desemprego em mínimos, terá que efeito? Normalmente, aumentaria os custos salariais em níveis que seria impossível não se repercutir nos preços. Será assim? Qual o prazo para que isto aconteça? Não sei responder.
Neste cenário cada vez mais sombrio a Europa está perdida. Somos, pateticamente, o rapaz enamorado que Rui Veloso nos canta. Continuamos a empenhar o nosso anel de rubi quando é já evidente que não ouvimos a mesma canção. A liderança é parca e de pouca força. A união está pelas ruas da amargura e essas ruas votam em sentidos assustadores. As eleições deste ano na Alemanha e as futuras eleições francesas são, para este efeito, vitais.
Estes 4 anos que se avizinham são literalmente um vai ou racha europeu. Temos de nos preparar para uma defesa e um modelo económico independentes dos americanos. Temos de os ter no nosso portefólio. Temos de nos encarar como um bloco autónomo, com os seus interesses próprios. Tudo isto só é exequível com uma Europa una e disponível para sacrifícios. A separação, ao longo de séculos, só nos trouxe o que hoje não queremos e neste mundo multipolar atirar-nos-ia para a total irrelevância, a todos os níveis.
Moedas fracas e voláteis, economias pequenas ou muito pequenas, interesses e visões antagónicos ou são coisas do passado ou são o nosso fim. Consequências do fim de um projeto comum e catalisadores do fim da nossa forma de vida e das regras da mínima convivência internacional.
Estas hesitações, num momento em que o estatuto de bully da diplomacia se alastra e temos dúvidas honestas sobre o status americano de império do bem, não vêm nada a calhar. Aliás, durante esta semana tivemos notícia de um telefona acalorado entre Trump e Mette Frederiksen, onde o primeiro se mostrou irredutível na sua vontade de anexar a Gronelândia, a todo o custo. Quando os EUA são o próprio agressor, junto dos seus aliados (lembro que a Dinamarca faz parte da NATO), o que invalida as ações salteadoras de Putin, mesmo que dentro das fronteiras da aliança atlântica?
Quando a integridade territorial europeia está sob ameaça, quando a integridade económica europeia pode ser lesada, continuamos a discutir impostos mínimos de onde vamos salvar as empresas americanas. Face à intimidação americana, respondemos protegendo o agressor e prejudicando as nossas empresas. Como se a fraca competitividade fiscal e as tarifas já não chegassem.
Que estes desenvolvimentos sirvam de lembrete. O cerco aperta e se nada fizermos o nosso bem-estar está em causa. A nossa coesão, mais do que nunca é valiosa. Os desafios são imensos, tanto pelas crises político-económicas nos maiores países da UE, como pela inexistente legitimidade democrática dos líderes de Bruxelas. Neste jogo trumpista de soma nula, os EUA não sairão perdedores. Seremos nós a ficar com a fava?
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