Eliminar o nível das freguesias e criar o regional, uma solução mais europeia e eficiente

Uma verdadeira reforma administrativa exige uma descentralização mais profunda, que não passa por mais freguesias mas pela criação de regiões administrativas, alinhando Portugal com o modelo europeu.

A recente reposição de freguesias aprovada pelo Parlamento representa um retrocesso na insuficiente reforma do Estado em curso, anulando as poupanças alcançadas até agora e agravando a ineficiência da administração pública. Em vez de reforçar a descentralização, o aumento do número de freguesias pode até comprometer esse objetivo, ao perpetuar um modelo excessivamente fragmentado e disfuncional.

Defendo que uma verdadeira reforma administrativa exige uma descentralização mais profunda, o que passa não por mais freguesias, mas pela eliminação desse nível de administração – concentrando-o nos municípios – e pela criação de regiões administrativas, alinhando Portugal com o modelo europeu e promovendo uma gestão mais eficiente e territorialmente equitativa.

  • O estudo da FEP: uma análise sobre eficiência administrativa

Para sustentar esta perspetiva, analiso os dados mais recentes do Gabinete de Estudos da Faculdade de Economia do Porto (FEP), G3E2P, apresentados no Flash n.º 1/2025. Trata-se de uma análise breve e gráfica que permite uma reflexão fundamentada sobre a reposição de freguesias e cenários alternativos mais eficientes. Eis as principais conclusões:

1. Portugal tem um excesso de freguesias no contexto europeu, ocupando o 7.º lugar entre os países da União Europeia (UE) com mais Unidades Administrativas Locais (UAL) de nível inferior por habitante.

2. Como a nossa UAL de nível inferior é a freguesia, se o Parlamento tivesse optado por alinhar a relação habitantes/UAL com a média da UE, em vez de um aumento líquido de 167 freguesias (para um total de 3.259, resultante da reposição de 302 e da extinção de 135 agregações), Portugal teria visto uma redução de 2.467 freguesias, ficando com apenas 625. Tal implicaria uma média de duas freguesias por concelho – recorde-se que Portugal tem 308 municípios –, pelo que nesse caso faria sentido elas existirem apenas nos municípios mais populosos, permitindo uma estrutura administrativa mais equilibrada.

3. O excesso de freguesias coexiste com um elevado centralismo, como demonstra o 7.º menor peso da despesa local e regional no PIB da UE. A falta de um nível intermédio de administração – as regiões administrativas no continente – é a verdadeira causa desse centralismo, não a falta de freguesias. Por isso, repor freguesias apenas agrava a ineficiência e não gera ganhos reais de descentralização.

4. Se Portugal seguisse os modelos da Dinamarca e dos Países Baixos – países referência em eficiência administrativa e boas práticas –, o número de UAL seria inclusive inferior ao dos municípios, que assim absorveriam as competências e os meios das freguesias. Estas deixariam de ser unidades administrativas autónomas, mas a sua divisão territorial deveria ser mantida na gestão municipal por razões históricas, culturais e económicas, garantindo identidade local e um atendimento eficiente às populações. Como o número de UAL nesta situação é significativamente menor que o dos municípios, dois cenários se colocam:

  • Num cenário mais ambicioso, alguns municípios menores teriam de se fundir para garantir uma estrutura mais eficiente.
  • Num cenário intermédio, sem fusões, os municípios são preservados na atual configuração.

5. Assim, extinguir o nível administrativo das freguesias, reforçar o municipal e criar o das regiões permitiria uma gestão mais eficiente, promovendo uma verdadeira descentralização, que reduza a sério as desigualdades regionais (ver 2.1). Esta reforma aproximaria Portugal das melhores práticas europeias, garantindo maior eficácia na administração pública e uma melhor utilização dos recursos públicos.

Esta reforma deve ser debatida num momento politicamente mais favorável, idealmente após as eleições autárquicas e presidenciais.

Na ausência da criação de regiões administrativas, que considero uma prioridade a recolocar na agenda política mal seja possível, tenho insistido, em espaços de opinião como este, que, entretanto, devemos aprofundar os processos de descentralização já em curso – isso passa, essencialmente, pela transferência de competências e meios para as Comissões de Coordenação Regional, os municípios e as freguesias.

Contudo, a análise Flash da FEP demonstra que isso não é suficiente. Para alinharmos Portugal com os países europeus mais eficientes, é necessária uma reforma estrutural profunda dos níveis administrativos territoriais, garantindo um modelo de gestão pública mais equilibrado, eficaz e descentralizado.

  • Vantagens da solução do estudo da FEP: substituir o nível administrativo das freguesias pelo regional

2.1. Redução das desigualdades territoriais

O princípio da subsidiariedade defende que as funções administrativas devem ser atribuídas ao nível mais baixo capaz de as executar de forma eficiente. Na prática, isto significa que os problemas locais e regionais devem ser resolvidos por quem melhor conhece a realidade no terreno, não pelo Estado Central.

No entanto, o estudo da FEP demonstra que o nível inferior da administração em Portugal – as freguesias – é demasiado fragmentado e pequeno face à média europeia, tornando-se um modelo oneroso e ineficiente. Na maioria dos países da UE, os problemas locais são geridos por unidades territoriais que abrangem uma população muito superior às freguesias portuguesas, independentemente das competências atribuídas, que não são alvo de análise neste estudo.

Uma descentralização efetiva, assente na criação de regiões administrativas e no reforço das competências dos municípios, permitiria uma gestão pública mais eficiente e com maior escala, promovendo uma melhor distribuição do investimento público e das oportunidades económicas pelo território. No modelo atual, altamente centralizado, apenas uma pequena parcela da despesa e da receita pública é alocada aos níveis local e regional, cuja autonomia permanece limitada, sujeita a uma intervenção excessiva do Estado Central. Em particular, essa descentralização efetiva, com maior autonomia e capacidade de decisão para municípios e regiões, poderia atrair projetos estruturantes para o Interior, como universidades, indústria e polos de inovação, criando massa crítica e dinamismo económico. A longo prazo, essa estratégia seria mais eficaz para a coesão nacional e o desenvolvimento regional do que os fundos europeus, que, embora relevantes, têm mostrado ser insuficientes para reduzir as assimetrias territoriais. Basta olhar para as regiões Norte e Centro, que continuam entre as mais pobres do país mesmo após quase quatro décadas de apoios europeus.

A redução expectável dos fundos europeus a partir de 2026, com o fim do PRR, deveria ser um alerta claro e motivo suficiente para repensar o modelo administrativo territorial de Portugal, enquadrado numa reforma estrutural do Estado. O país precisa urgentemente de aumentar o crescimento potencial da economia e o nível de vida, aproximando-se dos padrões dos países europeus mais avançados. Só assim deixaremos de depender de apoios externos para garantir o nosso desenvolvimento.

2.2. Poupanças da solução proposta, facilitando a criação das regiões administrativas, e usos prioritários

A eliminação do nível administrativo e político das freguesias permitiria gerar poupanças significativas, viabilizando a criação de um nível intermédio regional. Recorde-se que o custo associado à implementação das regiões administrativas foi uma das principais razões para a rejeição do referendo de 1998. No entanto, essa reorganização aumentaria a escala e a eficiência da gestão pública, tornando a administração mais equilibrada e eficaz.

Além disso, esta reforma libertaria uma margem orçamental relevante, atendendo ao elevado número de freguesias, muito superior ao das regiões a criar. Como tenho defendido neste espaço de opinião, as poupanças da reforma do Estado devem ser canalizadas para dois objetivos estratégicos:

  1. Reforço do investimento público nacional reprodutivo, essencial para compensar anos de desinvestimento e a esperada redução dos apoios europeus nos próximos anos.
  2. Redução da carga fiscal, nomeadamente do IRC, para aumentar a competitividade e atrair mais investimento privado, especialmente estrangeiro. Sem um aumento do investimento, Portugal dificilmente conseguirá melhorar a sua produtividade, uma das mais baixas da União Europeia.

Adicionalmente, para atrair talento qualificado para cargos públicos, incluindo os das futuras regiões administrativas, e combater a corrupção, considero que parte das poupanças deveria ser utilizada para aumentar os salários dos cargos políticos – decisão que deve ser tomada tendo como base a análise de uma comissão independente, como defendi num artigo recente onde abordei os salários dos políticos.

Deixo para o fim a questão mais importante e sensível, a realocação dos funcionários das freguesias, que deve acontecer atendendo às suas prioridades e aspirações, em função do novo ordenamento administrativo e do que devem ser prioridades do país dentro de uma estratégia de crescimento coerente:

  • Integração em serviços municipais de proximidade – capitalizando, se possível, os edifícios e equipamentos das freguesias –, como apoio à Terceira Idade, Segurança Social, IEFP, etc.;
  • Inserção nas novas estruturas das regiões administrativas;
  • Apoio administrativo em hospitais e escolas, libertando médicos e professores de tarefas administrativas e capitalizando o seu capital humano;
  • Inserção na AIMA (Agência para a Integração Migrações e Asilo) e em estruturas de inserção de imigrantes, de modo a preparar o pais para acolher fluxos maiores de imigração de forma digna, o que é crucial para elevar o ritmo de crescimento económico, como proposto num estudo da FEP sobre dinâmicas populacionais e crescimento económico.

São apenas alguns exemplos possíveis de uma reintegração digna destes funcionários em prol do país.

2.3. A solução do estudo FEP evita a insatisfação gerada pela extinção de freguesias

A insatisfação da população face à extinção de freguesias em 2013 foi, em grande medida, um fenómeno relativo. A reestruturação foi necessária num contexto económico difícil, imposta pelo Programa de Ajustamento da troika. No entanto, como a grande maioria das freguesias permaneceu inalterada, é natural que muitas populações tenham considerado injusta a extinção da sua freguesia, especialmente quando viram freguesias vizinhas manterem-se intactas.

Não ponho em causa o sentimento das populações, mas a decisão do Parlamento de repor freguesias foi um erro, como já expus anteriormente e como reforçarei no ponto seguinte.

A solução proposta pelo estudo da FEP evita estas desigualdades. Todas as freguesias deixariam de ser unidades administrativas, mas a sua divisão territorial e o seu nome seriam preservados e integrados na gestão municipal. Este modelo respeita as características locais, culturais e históricas e até económicas das freguesias, garantindo que as populações continuam a sentir-se representadas e respeitadas. Afinal, o que verdadeiramente importa às pessoas é que os seus problemas sejam resolvidos de forma eficiente, independentemente do modelo administrativo, e o seu sentimento também seja tido em conta.

  • A má decisão do parlamento, o contraste com a proposta FEP e os custos da reposição de freguesias

A reposição de freguesias foi aprovada pela maioria dos partidos no Parlamento, com exceção da Iniciativa Liberal (que votou contra) e do Chega (que se absteve). Esta decisão, tomada num ano de eleições autárquicas, demonstra a falta de coragem dos principais partidos para contrariar a vontade de um grupo minoritário de cidadãos.

Importa referir que, tanto quanto sei, esta medida não constava do programa eleitoral da coligação governamental, que foi eleita para governar em função dos interesses do país como um todo, e não de uma minoria, por mais legítimos que sejam os sentimentos de identidade das populações afetadas.

Como já referi, por uma questão de eficiência e alinhamento com os países europeus mais desenvolvidos, a gestão municipal, com poderes e recursos reforçados, deveria ser suficiente, tornando desnecessário o nível administrativo das freguesias. Não acredito que os gestores públicos portugueses tenham menos capacidade do que os seus homólogos europeus; o problema reside antes numa questão cultural, que deve ser combatida com dados objetivos (ver ponto 1).

Além disso, Portugal enfrenta um problema de falta de escala e autonomia para realizar investimentos mais eficientes a nível regional. Uma descentralização eficaz exige uma reforma administrativa mais profunda, que permita reduzir a dependência excessiva do Estado Central. Sem um salto qualitativo na estrutura administrativa, Portugal continuará a pensar pequeno e a limitar o seu crescimento económico e nível de vida, afastando-se das economias mais avançadas da Europa.

Para mudar este paradigma, é essencial sensibilizar a população para a necessidade de uma gestão mais eficiente, baseada em informação clara e fundamentada.

Quanto ao impacto financeiro da reposição das freguesias, um estudo da Iniciativa Liberal (IL) estima um custo anual de 30 milhões de euros (M€). No entanto, os pressupostos desse estudo não são inteiramente claros, pois não consegui aceder à versão completa do documento – apenas a notícias sobre o mesmo.

Por essa razão, realizei cálculos parciais, suficientes para enquadrar a análise.

A Figura 1 mostra que a despesa salarial anual líquida (de IRS) dos 167 novos Presidentes de Junta de Freguesia (PJF) oscila entre 4,5 M€ e 6,5 M€, em função do número de eleitores, que afeta o salário base.

Mesmo considerando o valor mais baixo (4,5 M€), este já supera a poupança prevista de 4,1 M€ com a criação da nova Secretaria-Geral do Governo.

Segundo um comunicado oficial do Governo de 27-12-24, a Secretaria-Geral do Governo entrará em funcionamento a 1 de janeiro de 2025, no âmbito da 1.ª fase da Reforma da Administração Pública. Esta fase prevê:

  • Extinção de nove entidades, através da sua fusão na Secretaria-Geral do Governo e noutras entidades integradoras;
  • Redução de 25% nos cargos diretivos, gerando uma poupança estimada de 4,1 M€ por ano.

Figura 1. Despesa salarial (mínima e máxima) com 167 novos Presidentes de Junta de Freguesia e poupança inicial com a nova Secretaria-Geral do Governo, milhões de euros

Fonte: Governo, comunicado de 27-12-24 (poupança com a Secretaria-Geral do Governo) e cálculos próprios do vencimento de um Presidente de Junta de Freguesia e anualização / agregação da despesa com base na legislação vigente. Notas: o cenário 1 (2) considera o valor mínimo (máximo) desses gastos, assumindo por hipótese que as novas freguesias têm até 5 mil (mais de 20 mil) eleitores, isto porque o salário base depende do número de eleitores; o vencimento anual bruto calculado corresponde a 14 meses de salário base – 16% do salário bruto do Presidente da República no cenário 1 e 25% no cenário 2 – mais 12 meses de despesas de representação (30% do salário base) e 11 meses de subsídio de alimentação (6 euros por dia em 2025, considerando 22 dias úteis por mês, em média, e um mês de férias). A esse salário anual bruto foi depois retirado o IRS correspondente (soma do salário base e despesas de representação menos dedução específica, para chegar à matéria coletável e aplicar as taxas marginais dos escalões correspondentes), assumindo que não há deduções à coleta. Finalmente, multiplicou-se o vencimento anual líquido por 167 Presidentes de Junta em cada um dos cenários.

Contudo, os custos da reposição de freguesias vão muito além dos salários dos Presidentes de Junta. Haverá custos adicionais, nomeadamente:

  • Contratação de pessoal adicional – a IL estima um custo total de 9,45 M€ anuais em gastos com pessoal, incluindo PJF e outros funcionários, embora não esteja claro se esse valor se refere a salários líquidos de IRS, como os cálculos que apresentei para os PFJ.
  • Infraestruturas e equipamento administrativo – a IL estima um custo de 1,68 M€, segundo as notícias que consultei.

Além destas estimativas que li nos media, não encontrei informação adicional que permita perceber como se chega ao valor final de 30 M€ anuais de gastos de reposição das freguesias no estudo da IL. No entanto, é plausível que existam outras parcelas incluídas nos cálculos, pelo que não coloco em causa a validade da estimativa total apresentada, além de que esta análise de gastos não é o foco deste artigo.

Independentemente do valor exato da despesa adicional, é inegável que o aumento do número de freguesias, promovido também pelo governo, agrava a ineficiência administrativa, representando um retrocesso na já incipiente reforma do Estado. Esta decisão gera custos que superam largamente a reduzida poupança obtida com a criação do Secretário-Geral do Estado, traduzindo-se numa penalização direta para os contribuintes sem ganhos reais de eficiência ou descentralização, pelo contrário, pois afastamo-nos ainda mais das melhores práticas europeias.

Ao invés, deveríamos eliminar o nível administrativo das freguesias, reforçar o municipal e avançar para a criação de regiões administrativas, no âmbito de uma reforma estrutural mais ampla do Estado. Tal mudança permitiria reduzir a carga fiscal, aumentar o investimento público nacional e aproximar o nível de vida em Portugal do dos países mais desenvolvidos da União Europeia.

Portugal precisa de mesmo de reformas estruturais como a proposta e não de medidas avulsas que perpetuam a ineficiência e que são apanágio dos nossos políticos. Se não tivermos a coragem de repensar o modelo territorial, continuaremos a perder competitividade e a comprometer o crescimento do país.

Esta reforma administrativa territorial exige um debate amplo e aprofundado, a ocorrer num momento político mais propício, após as eleições autárquicas e presidenciais, como sublinha o comunicado do estudo da FEP.

  • Diretor da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, Professor Catedrático e sócio fundador do OBEGEF

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