Gronelândia e DeepSeek: O Novo Tabuleiro da Disputa EUA-China

  • Paulo Monteiro Rosa
  • 31 Janeiro 2025

A Gronelândia, com o seu potencial mineral, e a DeepSeek, ao desafiar a supremacia ocidental na IA, representam duas frentes da mesma rivalidade entre os EUA e a China.

A ciência económica é a ‘arte’ de gerir e transformar, da forma mais eficiente possível, os recursos naturais escassos, desde os metais industriais às terras agrícolas, utilizando a energia, também escassa, muitas vezes commodities energéticas, como o gás natural e o petróleo, bem como a energia nuclear, que depende do urânio, mas recorrendo cada vez mais a fontes renováveis, como a hídrica, eólica e solar, para produzir bens e serviços que satisfaçam as necessidades humanas e maximizem o seu bem-estar, promovendo um equilíbrio entre eficiência, sustentabilidade e progresso económico.

Quem possuir mais recursos naturais e maior facilidade para os extrair, sejam eles agrícolas, metais industriais ou energéticos, e quem dispuser de uma força de trabalho qualificada, numerosa e bem preparada, com acesso a educação avançada e conhecimento técnico-científico, terá a capacidade de produzir mais bens e serviços, com maior qualidade e valor acrescentado, satisfazendo de forma mais eficiente as necessidades ilimitadas da sua população e assegurando uma posição competitiva superior face aos demais.

A competitividade resulta da menor escassez de recursos e da maior capacidade de satisfazer as necessidades da sociedade, permitindo que a população tenha mais tempo para adquirir conhecimento e desfrutar de lazer. Esse processo gera um círculo virtuoso de competitividade que fortalece a hegemonia de um determinado país ou região sobre os outros, sendo os recursos naturais disponíveis e os avanços tecnológicos fatores determinantes para um uso mais eficiente e produtivo da economia, desde a liderança de hoje na inteligência artificial (IA) até aos humanoides de amanhã, que cuidarão das nossas casas, dos nossos idosos e nos servirão na esplanada.

Neste contexto, cresce a rivalidade entre os EUA e a China, na tecnologia e nos recursos estratégicos naturais. A Gronelândia surge como um ponto-chave devido às suas vastas reservas minerais, essenciais para a transição energética global. Paralelamente, a empresa chinesa de inteligência artificial DeepSeek desafia a supremacia americana no setor de IA. Esta disputa reflete uma luta pelo domínio geopolítico e tecnológico, com implicações significativas para o equilíbrio de poder global.

A Gronelândia, um território autónomo da Dinamarca, rica em minerais essenciais como terras raras, lítio e cobalto, tornou-se um alvo das superpotências. Os EUA consideram a região fundamental para reduzir a sua dependência da China no fornecimento de terras raras, enquanto a China investe fortemente em projetos de mineração e infraestrutura para garantir o seu avanço na indústria tecnológica e militar.

Além dos recursos físicos, a competição estende-se à IA, onde a DeepSeek, uma startup chinesa privada, surge como uma concorrente direta das gigantes americanas, como a OpenAI, Google e Microsoft. O Gemini, o chatbot da Google (anteriormente Bard), tal como o ChatGPT da OpenAI e o Claude da Anthropic, não são open-source (código aberto). No entanto, se a DeepSeek continuar a desenvolver modelos abertos e acessíveis, poderá reduzir significativamente a vantagem competitiva dos modelos fechados e pagos, atualmente dominantes no mercado.

A Meta, por sua vez, lidera algumas iniciativas da comunidade open-source, como o desenvolvimento do Llama, mas a DeepSeek poderá competir diretamente neste segmento. Para além disso, a sua ascensão também representa uma ameaça para as grandes empresas de computação em nuvem e infraestruturas de IA, como a Microsoft Azure, Google Cloud e AWS da Amazon. Se a DeepSeek criar infraestruturas de IA mais eficientes e acessíveis na China, poderá diminuir a dependência do mercado chinês das soluções destas grandes tecnológicas ocidentais, afetando diretamente os seus negócios e quota de mercado. Em suma, a DeepSeek representa uma ameaça não apenas para a NVIDIA, mas também para fabricantes de chips de IA, empresas de nuvem, startups de IA proprietária e big techs que dependem do mercado chinês.

Com forte apoio governamental, a China procura reduzir a sua dependência de tecnologia estrangeira e consolidar-se como líder global no setor. Os EUA, por sua vez, impõem restrições à exportação de tecnologia avançada na tentativa de conter esse avanço, mas a rápida evolução da DeepSeek, uma empresa privada, demonstra que a China continua a ganhar terreno.

O crescimento da influência chinesa levanta questões no Ocidente quanto à privacidade, à segurança – sobretudo cibernética – e à dependência tecnológica. A Gronelândia, tal como os Açores e a Islândia, ocupa uma posição estratégica no Atlântico Norte, mas distingue-se destes pela sua riqueza mineral e vastidão territorial, com mais de dois milhões de km², quase o tamanho dos maiores países de África, como a Argélia ou o Sudão. No contexto do Ártico, a Gronelândia assume um papel estratégico fundamental. O Ártico é altamente disputado devido à sua abundância de recursos naturais, incluindo petróleo e gás, e é reivindicada por oito países limítrofes, como o Canadá, a Dinamarca (via Gronelândia), a Finlândia, a Islândia, a Noruega, a Rússia, a Suécia e os EUA (via Alasca). Vários destes países já exploraram economicamente o Ártico, expandindo a sua influência e presença militar.

Embora a China não tenha território no Ártico, ela tem-se envolvido ativamente na região, procurando influência económica, científica e geopolítica. Pequim autodenomina-se “Estado próximo do Ártico”, argumentando que, apesar de não ter território na área, as alterações climáticas e os recursos naturais afetam diretamente os seus interesses. Atualmente, a presença chinesa no Ártico concentra-se em investimentos, parcerias e pesquisa científica, na tentativa de garantir influência económica e estratégica. De forma semelhante, a China tem demonstrado grande interesse na região vizinha, a Gronelândia, não apenas pelo seu potencial mineral, mas também pelo seu posicionamento estratégico no Atlântico Norte. No entanto, os seus esforços para aumentar a influência na região por meio de investimentos em mineração e infraestrutura enfrentam forte resistência dos EUA, da Dinamarca e das próprias autoridades gronelandesas.

A Dinamarca, um país pequeno, não tem meios militares suficientes para cobrir toda a extensão da Gronelândia de forma autónoma. Por essa razão, depende da NATO e dos EUA para garantir a segurança da região. A Força Aérea Dinamarquesa não tem aviões de combate estacionados na Gronelândia e as patrulhas aéreas são esporádicas. A Marinha Dinamarquesa mantém navios de patrulha no Ártico, focando-se principalmente na monitorização da atividade russa e chinesa, mas a sua frota é demasiado pequena para cobrir continuamente a extensa linha costeira da Gronelândia. Face a essa limitação, a Dinamarca conta com os EUA e com a NATO para monitorizar a região através de satélites, submarinos e aviões ou drones de vigilância. Entretanto, a Rússia e a China continuam a expandir a sua influência no Ártico. Pequim, em particular, procura consolidar a sua posição na Gronelândia através de investimentos estratégicos e de projetos de mineração.

Além disso, a China vê no Ártico uma oportunidade para expandir as suas rotas comerciais e reduzir a dependência de vias marítimas controladas pelos EUA. Assim, caso a Dinamarca não reforce a defesa da Gronelândia, a Rússia e a China poderão aumentar a sua presença na região, alterando o equilíbrio de poder no Ártico.

Foi precisamente devido a esses fatores que Donald Trump tentou comprar a Gronelândia à Dinamarca em 2019. A proposta, que inicialmente pareceu absurda para muitos, tinha fundamentos estratégicos, económicos e militares muito sérios. A Gronelândia é crucial para os EUA devido a três fatores principais: defesa militar, recursos naturais e controlo das rotas marítimas do Ártico. A ilha tem uma localização estratégica essencial no Atlântico Norte e no Ártico, sendo fundamental para a defesa contra a Rússia e a China. A Base Aérea de Thule, operada pelos EUA, é um dos principais postos avançados da defesa norte-americana.

A Gronelândia, com a sua riqueza em recursos naturais, elementos cruciais que os EUA não querem que a China controle, tornando-se um ponto estratégico na disputa entre as superpotências. Para além do interesse pelos seus minerais, o gradual degelo abre novas rotas marítimas, podendo diminuir a dependência do Canal de Suez. Washington pretende impedir que a Rússia e a China dominem essas novas vias de comércio global.

A ideia de aquisição da Gronelândia não foi uma invenção de Trump. Em 1867, os EUA consideraram comprá-la à Dinamarca e, em 1946, o presidente Harry Truman ofereceu 100 milhões de dólares pela ilha, proposta que foi recusada. Atualmente, a rivalidade crescente entre os EUA, a China e a Rússia tornaram a Gronelândia mais estratégica do que nunca. Embora a proposta de Trump tenha sido rejeitada, os EUA continuam a reforçar a sua presença na ilha, através de investimentos diretos, cooperação militar e influência política, para garantir que nem a China nem a Rússia aumentam a sua presença na região.

A Gronelândia não está à venda, mas é um dos pontos mais estratégicos do mundo. O seu futuro depende do equilíbrio de poder entre os EUA, a Dinamarca – um país alinhado com os valores ocidentais e integrante da NATO –, a Rússia e a China. Se a Dinamarca não reforçar a sua presença militar, poderá perder o controlo sobre a segurança da ilha. Se os EUA não mantiverem uma presença forte na Gronelândia, a China poderá expandir a sua influência económica e a Rússia poderá aumentar a sua presença militar no Ártico. Se a China conseguir acesso a projetos de mineração e infraestruturas na ilha, poderá garantir um papel dominante no fornecimento de terras raras, reduzindo o poder económico do Ocidente. A Gronelândia é muito maior do que a Dinamarca pode proteger, mas também demasiado estratégica para que os EUA a ignorem.

A disputa entre os EUA e a China vai além da geopolítica tradicional, refletindo-se no controlo de infraestruturas tecnológicas e recursos estratégicos. A Gronelândia, com o seu potencial mineral, e a DeepSeek, ao desafiar a supremacia ocidental na IA, representam duas frentes da mesma rivalidade, onde matérias-primas e inovação tecnológica são fundamentais para garantir a hegemonia global no século XXI. A DeepSeek expõe o risco de os gigantes tecnológicos norte-americanos não conseguirem recuperar os seus investimentos, comparável ao fracasso do metaverso, mas que seria de consequências potencialmente mais graves. Entretanto, a China expandiu o 5G, iniciou o 6G e acelerou o desenvolvimento de veículos elétricos e IA, impulsionada pelo seu capital humano e avanços científicos, aproximando-se dos EUA mais cedo do que o previsto.

Enquanto Washington impõe barreiras e restringe o acesso a tecnologias avançadas, Pequim investe em infraestruturas físicas, conhecimento e exploração de recursos externos, como na Gronelândia, além de reforçar as infraestruturas digitais – um contexto do qual a DeepSeek pode ser um reflexo –, procurando reduzir a sua dependência do Ocidente e consolidar o seu avanço tecnológico e industrial. No Ocidente, poucos previam que a China quase ombreasse os EUA em IA no início de 2025. Enquanto isso, as big techs norte-americanas competem entre si, e o plano Stargate, um investimento de 500 mil milhões de dólares em IA, surge como resposta para recuperar a liderança.

Gronelândia e DeepSeek evidenciam que a competição entre superpotências já não se limita ao campo militar, mas estende-se à tecnologia e aos recursos estratégicos, onde o controlo da inteligência artificial e das matérias-primas será determinante para definir quem liderará a próxima era global.

  • Paulo Monteiro Rosa
  • Economista Sénior, Banco Carregosa

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