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Trump, entre o martelo e o Jack Daniels
Para Trump, uma negociação sem ameaça não é uma negociação, é apenas uma conversa. E ele não entende o valor de uma conversa.
Começou oficialmente a guerra das tarifas de Donald Trump, e não podia ter acontecido de forma mais tipicamente Trump. Num tema eminentemente comercial e económico, a medida foi tomada de martelo na mão, distribuindo pancadas a torto e a direito.
A frase foi popularizada pelo psicólogo norte-americano Abraham Maslow que, nos anos 60 do século passado, afirmou que “se tudo o que tens é um martelo, tudo à tua volta te parece um prego”. Um século antes, em Inglaterra, já era popular a expressão “Chave de fendas de Birmingham”, como forma de designar um martelo, ilustrando como certas pessoas têm apenas um instrumento que usam para tudo, independentemente da situação. Assim é Donald Trump.
Nesta primeira ronda, os contemplados são a China, o Canadá e o México, países com os quais os Estados Unidos têm um desequilíbrio comercial, ou seja, que vendem mais para os Estados Unidos do que aquilo que compram. Na mente de Donald Trump, só há uma forma de classificar esse movimento: “Estão a roubar-nos”.
Numa estranha declaração enquanto se preparava para entrar num helicóptero, disparou em todas as direções, não resistindo à tentação de reduzir o tema ao básico da natureza humana: bons e maus, justo e injusto, força e fraqueza. Diz que “que a União Europeia nos está a fazer é uma atrocidade”, porque “não compram os nossos carros nem os nossos produtos agrícolas”. E por essa ofensa, prometeu tarifas para breve, semelhantes às anunciadas para outros países.
Nesta primeira ronda, as tarifas impactam os três maiores exportadores para os Estados Unidos, com a China à cabeça. Mas, no sentido contrário, são também os três maiores compradores de bens norte-americanos, com a liderança a pertencer ao Canadá, seguido do México.
Se contarmos a União Europeia como um todo, o bloco ao qual pertencemos tem lugar no top 3, tanto em termos de exportações como de importações de e para os Estados Unidos. Portanto, o tiro de Trump, ou a martelada, está afinada nos alvos. O que falha, provavelmente, é a utilização do martelo, porque a retaliação de tarifas por parte destes países vai também dificultar as vendas americanas para o exterior. E era absolutamente esperada.
A globalização e o comércio internacional em geral não existem por razões humanitárias, e sim porque funcionam. Porque é a forma mais eficiente – em termos de custos e de fatores de produção – de fazer produtos atrativos para que outros os comprem. E esse princípio não muda por Trump ter chegado à Casa Branca.
Naturalmente, toda a gente vai perder com esta construção acelerada de muros comerciais em tempo recorde. Só há duas coisas que podem acontecer: menos negócio ou preços mais caros. No fim, provavelmente vamos ter as duas coisas, os países vão comprar menos produtos uns aos outros e toda a gente vai pagar mais caro por eles.
Todos perdem, mas é possível que China, México e Canadá procurem rapidamente formas de compensar o impacto, mesmo não sendo fácil. Levará algum tempo mas faz sentido que haja um realinhamento estratégico entre os outros principais blocos comerciais para fazerem mais negócio uns com os outros, isolando os Estados Unidos. É claro que para os canadianos ou mexicanos é mais caro mandar produtos para a Europa do que para o outro lado da fronteira, mas algum caminho pode ser feito.
O que me parece é que, em termos de dimensão, de presença global e de agilidade, há um bloco mais bem posicionado que todos os outros para fazer o reajuste ao novo cenário: a China. A China é o maior exportador mundial e tem um modelo de funcionamento que lhe permite adaptar-se rapidamente a novos desafios, para além de ter uma máquina logística de distribuição para a qual a distância não é necessariamente um problema.
No meio da confusão das suas declarações, Trump conseguiu misturar uma medida de protecionismo económico com a luta contra as drogas e contra a imigração ilegal. Não fica totalmente claro como é que aumentar as tarifas vá travar a entrada de fentanil (um opióide sintético que está a causar um surto de dependência e morte nos EUA) e de imigrantes no país, mas isto serviu de justificação para que a medida fosse tomada ao abrigo do International Emergency Economic Powers Act.
Há quem especule que, na verdade, Trump está totalmente consciente do efeito destruidor que esta medida e a sua resposta iriam ter na própria economia americana, pelo que estes anúncios são apenas uma forma de aplicar pressão para obter ganhos mais limitados. Talvez.
Para Trump, não existe o conceito de uma negociação tendo em vista ganhos comuns. Não existe negociação sem a ameaça de uma agressão, sem ter algo que, à partida, provoque o medo na contraparte. Para Trump, uma negociação sem ameaça não é uma negociação, é apenas uma conversa. E ele não entende o valor de uma conversa.
No contra-ataque, o Canadá divulgou a extensa lista de produtos aos quais aplicará tarifas elevadas. Entre eles, está o sumo de laranja da Florida ou o bourbon do Tenessee, ambos estados profundamente republicanos.
Se os canadianos deixarem de beber Jack Daniels e se virarem para o mezcal mexicano, caberá a Trump culpar alguém pelas consequências das suas ações.
Enquanto continuar a olhar para tudo e todos como pregos para o seu martelo, a instabilidade é definitivamente o novo normal.
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