PRR reprogramado com menos metas, mas o mesmo dinheiro
A Saúde e as empresas foram as principais beneficiárias deste exercício, em detrimento das casas, das barragens e dos metros na reprogramação do PRR, que Castro Almeida vai explicar aos deputados.
O objetivo continua a ser executar 22,2 mil milhões de euros do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) até junho de 2026. Mas, em vez de 463 metas e marcos, Portugal propõe agora à Comissão Europeia cumprir 450, concentrando um maior número no último pedido de pagamento. Esta é a proposta de reprogramação que Portugal entregou a Bruxelas a semana passada. Um exercício que retirou 1.483 milhões de euros (cerca de 6,7% do montante global da bazuca) em investimentos, cujo cumprimento não podia ser assegurado até junho de 2026 e integrou outro tanto em novas apostas ou reforço das já existentes.
Em traços gerais, a Saúde e as empresas foram as principais beneficiárias deste exercício, em detrimento das casas, das barragens e dos metros. Uma opção que o ministro da Coesão vai explicar aos deputados esta quarta-feira na Comissão Eventual de Acompanhamento de Execução do PRR e PT2030.
Após um levantamento exaustivo, o Executivo decidiu retirar do PRR tudo o que estava em risco de não ser concluído até junho de 2026. O prazo limite termina em agosto, mas por cautela a fasquia foi colocada em junho, explicou o secretário de Estado do Planeamento e Desenvolvimento Regional, no Parlamento, a semana passada. A aposta recaiu sobre investimentos que dependessem menos de obras e assim se justifica a compra de equipamentos para o SNS e para sistema científico e tecnológico.
A Saúde tem um reforço de 336 milhões de euros para a compra de equipamentos para as Unidades Locais de Saúde (ULS), “modernizando as infraestruturas e garantindo um melhor acesso aos cuidados de saúde”, segundo o comunicado de sábado do Ministério da Coesão. A Ciência e Ensino Superior recebe um investimento adicional de 110 milhões para “equipamentos e modernização tecnológica das universidades, reforçando a capacidade científica e de investigação do país”. E para fomentar a inovação empresarial, a competitividade e o crescimento das empresas é criado um novo instrumento financeiro com uma dotação de cerca de 230 milhões de euros.
O ministro da Agricultura já tinha revelado, no ECO dos Fundos, o podcast quinzenal do ECO sobre fundos europeus, que tinha “a expectativa que, na reprogramação” da bazuca, a Comissão Europeia aceitasse que o compartimento nacional InvestEU pudesse ser utilizado para a “criação de instrumentos financeiros, empréstimos a taxas de juro mais baixas”. “Isto tem a vantagem: ao colocar ali aquele recurso, depois dos contratos com os bancos, a meta fica executada e há mais tempo para se executar os projetos, pois ficam com a duração do InvestEU. Aí já podia ir, no mínimo, até 2027. Dava mais tempo também para a execução dos projetos”, explicou José Manuel Fernandes, que foi relator e negociador do Parlamento Europeu para o Programa InvestEU quando era eurodeputado.
Mas como o prazo de execução limite é de junho de 2026, mas também retirar do PRR a linha Violeta do Metro de Lisboa, parte da linha vermelha, a barragem do Pisão, já que as obras ainda nem começaram e a dessalizadora do Algarve.
À componente da habitação vão ser retirados 391 milhões de euros. Das 6.800 casas do parque habitacional a custos acessíveis apenas 3.500 serão financiadas pelo PRR, o financiamento das restantes 3.300 será assegurado através de um empréstimo do BEI. “O problema é não ter havido a procura que se pretendia para estas habitações”, explicou Hélder Reis no Parlamento, a semana passada. “Em causa estão empréstimos aos municípios e a procura foi inferior àquela que se pretendia”, acrescentou.
Já ao nível da gestão hídrica serão retirados 224,4 milhões de euros. A Barragem do Pisão já não vai ser financiada pelo PRR, a dessalinizadora do Algarve e a barragem do Pomarão também vão ter de encontrar fontes de financiamento alternativas. A barragem será financiada pelo Portugal 2030 e pelo Orçamento do Estado os outros dois projetos pelo Sustentável 2030.
Um dos cortes mais significativos é ao nível da mobilidade sustentável (-416 milhões de euros) fruta da “redução de financiamento PRR nos investimentos relacionados com a Linha Violeta (Odivelas-Loures) e parte da expansão da Linha Vermelha (São Sebastião-Alcântara) do Metro de Lisboa”. “Estes projetos, considerados estruturantes para o país, seguem o seu percurso normal de execução embora com recurso a fontes de financiamento alternativas, nomeadamente através de fontes de Fundos Europeus ou Orçamento de Estado”, lê-se na reprogramação entregue em Bruxelas.
O metro de superfície que liga Odivelas a Loures vai sair integramente do PRR, um projeto que ascende a 390 milhões de euros, porque no final do ano, no concurso público, “surgiram duas candidaturas pelo dobro do preço de referência”. Mas, por outro lado, entram 66,4 milhões para a “digitalização do transporte ferroviário”, onde se encaixam projetos de sinalética e outras infraestruturas tecnológicas.
No exercício de reprogramação há ainda dois investimentos que entram. São destinados 137 milhões da componente REPowerEU para a compra de 390 autocarros elétricos para o país, “o que elevará para 835 os autocarros elétricos financiados pelo PRR” e são 78 milhões de euros para reforçar o programa E-lar para “ajudar as pessoas mais vulneráveis a trocar equipamentos que, do ponto de vista climáticos não são os ideais”.
A ditadura dos prazos levou ainda a que a construção de dois barcos elétricos para a empresa de transporte marítimo de passageiros e viaturas nos Açores também vai saltar fora do financiamento do PRR, porque o concurso foi lançado por três vezes e acabou por não ser escolhido nenhum candidato, até porque as especificidades técnicas eram excessivas, segundo o responsável já tinha explicado.
Mas o navio de investigação multifuncional, na região Autónoma da Madeira, cujo concurso também teve problemas mantém-se porque o Executivo está “confiante que ainda se vai concretizar”. Estes dois investimentos faziam parte do sexto pedido de pagamento já entregue em Bruxelas e eram dois dos quatro marcos que ficaram por cumprir.
No documento entregue em Bruxelas, o Executivo explica que a reprogramação tem por objetivo:
- “Ajustar o calendário de realização dos investimentos à elegibilidade temporal do PRR;
- Retirar o financiamento de investimentos e a concretização de projetos que deixaram de ser exequíveis, ao nível de custos ou eficiência estimada, bem como a substituição por uma alternativa mais adequada, passível de cumprir mais cabalmente os mesmos objetivos do PRR;
- Incorporação de novos investimentos que apresentem uma melhor relação custo-eficácia;
- Introdução de alternativas mais adequadas que permitam reduzir os encargos administrativos na execução dos investimentos, sem deixar de cumprir os objetivos e a ambição do PRR;
- Corrigir requisitos da descrição de um marco ou meta, desnecessariamente pormenorizados ou que implicam encargos administrativos injustificados;
- Ajustar as metas intermédias, não obstante o cumprimento das metas finais;
- Corrigir erros administrativos na versão anterior da Decisão de Execução do Conselho.”
Com a reprogramação, o número de metas e marcos sofre uma redução — passou de 463 para 450. O Executivo propõe a Bruxelas que a redução se concentre sobretudo nos 7.º e 9.º pedidos de pagamento. Já o 10.º e último pedido de pagamento ganha 30 metas e marcos, passando a ser aquele onde o volume é maior. Recorde-se que o Tribunal de Contas europeu já tinha apontado o dedo aos países que tinham um grande volume de reformas e investimentos concentrados no final do prazo, onde se incluía Portugal.
A Comissão Nacional de Acompanhamento, numa análise rápida à reprogramação, elenca que “no PRR 3.0″ os investimentos que deixarão de ser financiados são:
❌ Empreendimento de Fins Múltiplos do Crato;
❌ Dessalinizadora do Algarve;
❌ Tomada de água do Pomarão;
❌ 3.500 fogos a custos acessíveis;
❌ Linha violeta do Metropolitano de Lisboa;
❌ Investimento parcial na Linha Vermelha do Metropolitano de Lisboa;
❌ Vales Eficiência;
❌ Redução de ambição em vários investimentos na componente 16 – Empresas 4.0.
E os novos investimentos ou reforço de existentes são:
✅ Equipamentos para o Serviço Nacional de Saúde nas ULS;
✅ Instrumento financeiro de apoio à inovação empresarial;
✅ Equipamentos para o sistema científico e tecnológico;
✅ Autocarros elétricos;
✅ Indústria 4.0;
✅ Programa E-Lar e Bairros sustentáveis no âmbito da eficiência energética para pessoais e comunidades vulneráveis;
✅ Inteligência artificial
✅ Respostas sociais.
Na audição desta quarta-feira, Manuel Castro Almeida vai ainda ser confrontado com “os danos causados pelas falhas do IAPMEI” (Agência para a Competitividade e Inovação), os prazos de pagamentos do PRR e os pedidos de devolução de fundos europeus a 530 empresas.
Os atrasos nos pagamentos do IAPMEI às empresas que integram as agendas mobilizadoras estavam a criar problemas de tesouraria, como avançou o Jornal de Negócios em meados de dezembro. As Agendas Mobilizadoras tinham submetido 1.067 pedidos de reembolso num montante total de 126,7 milhões de euros, mas ainda só tinham sido pagos 84 milhões, de acordo com um balanço do IAPMEI, ou seja, 66% do montante global. Dias depois, o instituto liderado por José Pulido Valente notificou as agendas com pagamentos em falta e iniciou os pagamentos.
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