Os candidatos que conseguimos, não os que quisemos

Com tantos cenários possíveis, portugueses, faço um pedido: numa segunda volta, não me façam tapar a cara do Almirante com uma mão, para com a outra nele votar.

Escrevo na sequência de uma semana pautada por duas sondagens presidenciais e na antecâmara de, na próxima quinta-feira, em Fafe, Luís Marques Mendes anunciar o segredo mais mal guardado dos últimos 10 anos da política portuguesa: a sua candidatura presidencial.

A menos de 1 ano para as eleições, as fileiras começam a cerrar, o espaço de manobra a diminuir e os candidatos a proclamar intenções. Da liga dos grandes, Marques Mendes será o primeiro e com as desistências das últimas semanas o mais provável é ser mesmo o único no espaço do centro-direita tradicional. Há ainda Paulo Portas, que mantém o tabu e pode ser um nome interessante para baralhar as contas.

Na linha da frente destacaria mais pelo menos 3 candidatos. O Almirante, front-runner que deve apresentar a candidatura dentro de um mês; Ventura, que já anunciou as suas intenções aos militantes e ainda, pelo menos, um candidato do PS. Deixando de parte, para os efeitos deste texto, os candidatos da piscina dos pequenos, bem como as possíveis desistências, irregularidades ou clássica falta de assinaturas, a corrida será a duas mãos e provavelmente terá 4 frentes (salvo se o PS apresentar dois nomes, Portas decida candidatar-se ou alguma surpresa avance). Gouveia e Melo, Ventura, Marques Mendes e Seguro e/ou Vitorino são os nomes em cima da mesa. Penso que podemos contar que estas candidaturas condensem entre si cerca de 90% dos votos.

Sem Centeno, as sondagens são inconclusivas quanto ao apoio popular de Seguro e Vitorino. Aliás parecem ser em grande escala indiferentes a esta escolha. Aparecem marginalmente com a mesma % de potenciais eleitores e a mesma % de reconhecimento – mais baixa que os restantes pré-candidatos, mas a 1 ano das eleições não é problema. São ambos percecionados como da ala direita do PS, tanto à esquerda, como à direita. Só dentro do PS são vistos como antagónicos. Pedro Nuno está perdido e as fações são cada vez mais agressivas de parte a parte. O partido espera e Santos Silva parece pronto a avançar se Vitorino não quiser. Num cenário de 2ª volta certa é inconcebível para mim ver o PS a caminhar a passos largos para voltar a apresentar duas candidaturas e abdicar de levar alguma à disputa final.

Ventura deve conseguir manter a base eleitoral do seu partido das últimas eleições. Apostaria que andará entre os 16% e os 20% dos votos o que, como já notado pela sondagem do ICS/ISCTE, o pode levar a discutir a segunda volta com o Almirante. Não vejo este cenário como o mais provável, sendo o mais expectável que ou Marques Mendes ou um candidato da área do PS consiga um resultado idêntico ao de Sampaio da Nóvoa em 2016 e passe à segunda volta. Para isso diria que devem chegar entre 20% a 25% dos votos.

Marques Mendes é conhecido de todos os portugueses, entrou pelas nossas casas no serão de domingo por mais de 10 anos. Depois de durante anos ter sido o vencedor pré-anunciado corre o risco de um qualquer papabile que entra no conclave Papa e sai cardeal. Aparece nas sondagens com 13%/14% e precisa de crescer entre 5 e 10 pontos percentuais para aspirar com a segunda volta. O cenário não se afigura como fácil, de forma alguma. Com 12 anos de pré-campanha estes números são desoladores e só o vejo a ser salvo pelo voto útil. É certo que dentro do PSD não havia outra hipótese, mas uma eventual candidatura de Portas pode ser o último prego no caixão das aspirações do até agora comentador da SIC.

Henrique Gouveia e Melo parte para a contenda num paradoxo: não tem nada, mas tem tudo a perder. Do nada é o favorito e parece que tudo lhe foi feito à medida. É popular e parece que os portugueses gostaram da farda e valorizam para Belém alguém que seja bom a organizar filas de espera.

Acredito que se as eleições não exigissem debate, ideias e campanha, Gouveia e Melo poderia facilmente alcançar um terço dos votos. No entanto, estas mesmas exigências podem tornar-se o seu maior obstáculo. Sempre que falou, politicamente pautou-se pela constância de errar e dizer o que pode assustar o eleitorado. Talvez quando não puder fugir dos microfones acabe mesmo por deitar a perder o que até aqui conquistou com recato e poucas palavras.

Candidatando-se a Chefe Supremo das Forças Armadas, não vai conseguir fugir do tema da guerra, onde mandar jovens para uma frente qualquer de batalha pode ser impopular. As banalidades sobre a portugalidade não chegarão e perguntado sobre o que pretende fazer com este parlamento ou quais os critérios gerais para o uso da dissolução, vai ter mesmo de responder.

Apesar disto, o Almirante tem tudo a seu favor. Um ambiente antipolíticos, um contexto em que os soundbytes valem mais do que as ideias, um lote de candidatos remediados, que resultam dos mais fortes não quererem avançar e a popularidade de um trabalho bem feito. Com base nas sondagens parece ser encarado como o elemento mais central, captando igualmente voto do PSD e do PS.

A um ano, sem todos os candidatos definidos e com a grande incógnita que são os pensamentos de Gouveia e Melo, a cogitação de cenários é uma tarefa com tanto de tolo, como de interessante. Tudo ainda pode acontecer, penso em segundas voltas com múltiplas combinações. O que é certo é que o Almirante parte à frente e o pelotão que o acompanha atrás aposta todas as fichas em como ele ainda vai cair.

Devo confessar que serão umas eleições tristes. Sintomáticas de uma elite degradada, incapaz de formar quadros como outrora. Estes são os candidatos que conseguimos, não os que quisemos. Depois de uma década de Marcelo, os portugueses estão cansados de muita parra e pouca uva e procuram algo diferente. Guerra, NATO, estabilidade, dissolução e migrações são 5 palavras-chave para compreender a disputa que se segue. Temas a que qualquer candidato não conseguirá fugir.

Com tantos cenários possíveis, portugueses, faço um pedido: numa segunda volta, não me façam tapar a cara do Almirante com uma mão, para com a outra nele votar. Poucas conjunturas me deixariam mais desiludido quanto à nossa capacidade de discernimento coletivo.

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