Passos Coelho, as autárquicas, os ciganos e a Maya
Quando se é moralmente picuinhas com viagens de governantes para ver a bola, não se pode fazer ouvidos moucos às barbaridades que estão a ser ditas em Loures por um candidato que tem o apoio do PSD.
Pedro Passos Coelho sempre andou de cabeça erguida na política, mesmo quando não conseguiu formar governo, foi corrido para a oposição, e afunda nas sondagens. Acredita que recuperou o país que os socialistas levaram à bancarrota e sente-se injustiçado por não ser ele a governar apesar de ter ganho as eleições.
Por isso é que faz oposição de cabeça levantada e por isso é que os seus potenciais rivais à liderança do partido — Rui Rio ou Paulo Rangel — só se vão sentar na cadeira do poder na São Caetano à Lapa se acontecer uma hecatombe nas eleições autárquicas de 1 de outubro.
Passos Coelho já perdeu as autárquicas. Perdeu porque a geringonça, bem ou mal, ainda não levou o país a nova bancarrota e até o pôs a crescer. Perdeu porque escolheu para o Porto um candidato desconhecido e rejeitou o caminho mais fácil de fazer fila a mendigar o apoio de Rui Moreira. Perdeu porque depois de meses de tabu, Santana Lopes deixou-o pendurado em Lisboa e só sobrou Teresa Leal Coelho cuja melhor ideia para a cidade é baixar o IMI para 0%.
Até esta semana, Passos Coelho só tinha perdido as autárquicas por causa da previsível aritmética dos votos e um alinhamento astral político que não lhe é nada favorável este ano. Agora, arrisca-se a perder moralmente as eleições se não retirar o quanto antes o seu apoio a André Ventura, um candidato escolhido pelo partido e apoiado pelo CDS para a Câmara de Loures.
Quando há um mês um eurodeputado socialista fez um tweet a chamar “cigana” à deputada do PS Luísa Salgueiro, “não só pelo aspeto”, mas porque “paga os favores que recebe com votos alinhados com os centralistas”, António Costa defendeu, e bem, a imediata expulsão do eurodeputado, afirmando que se tornou “uma vergonha para o PS”.
Quando André Ventura dá não uma, mas duas entrevistas, a dizer barbaridades e generalizações perigosas, a roçar o racismo, sobre a comunidade cigana, o PSD e o CDS não têm outro caminho que não seja fazer aquilo que fez António Costa com Manuel dos Santos. É correr com ele.
Não se trata sequer de saber se o tal candidato à Câmara de Loures cometeu um crime como advoga o Bloco de Esquerda, que invoca o artigo 240 do Código Penal Português. Isso caberá à justiça e à consciência do próprio decidirem. Tratam-se de generalizações inaceitáveis e ofensivas para um político sobre uma comunidade de portugueses.
Se meia dúzia de ex-responsáveis do PSD roubaram ou cometeram crimes no caso BPN não devo e não posso dizer que os social-democratas são uns aldrabões. É injusto e uma barbaridade. Se um político aceita fazer um favor a uma empresa no exercício das suas funções a troco de dividendos pessoais, como existem suspeitas no caso EDP ou na Operação Marquês, não devo e não posso dizer que os políticos são todos iguais. Os social-democratas não são todos iguais, os políticos não são todos iguais e os ciganos não são todos iguais.
O PSD que tem sido, e bem, moralmente e politicamente picuinhas em questões como os SMS de António Domingues ou no caso dos governantes que foram ver a bola à custa da Galp, não pode e não deve manter o seu apoio a um candidato que diz que “a etnia cigana tem de interiorizar o Estado de Direito, porque, para eles, as regras não são para lhes serem aplicadas. Há um enorme sentimento de impunidade, sentem que nada lhes vai acontecer”.
O candidato a Loures é autor de um livro intitulado “50 razões para mudar para o Sport Lisboa e Benfica”, em coautoria com a “taróloga” Maya. Pedro Passos Coelho tem mais de 50 razões para retirar a confiança política e demarcar-se das declarações de Ventura, que a sua própria candidata a Lisboa (ao contrário do presidente da concelhia do PSD de Loures) já veio repudiar. Caso contrário, nem é preciso consultar a Maya para adivinhar uma derrota moral nas autárquicas. E o fim de um político que ganhou e mereceu o estatuto de andar sempre de cabeça erguida.
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