Ainda há espaço para a Europa na rota da inovação?
A Europa tem problemas mas também forças para liderar o caminho da inovação. É preciso foco, trabalho em conjunto e melhorar a nossa capacidade de execução e de escalabilidade.
Quando o assunto é inovação, a Europa é quase sempre vista como estando atrasada em relação aos Estados Unidos da América e à China. O Relatório Draghi veio colocar o dedo na ferida, intensificando o debate.
Um dos episódios mais recentes prende-se com a inteligência artificial (IA) e com o facto de uma startup chinesa ter desenvolvido um modelo concorrente ao ChatGPT (da americana OpenAI), com menos recursos, o que fez abanar as cotações das gigantes tecnológicas de Wall Street.
Novamente, em matéria de inovação, os protagonistas foram os EUA e a China, sob o olhar atento da Europa, que se encontrava na primeira fila da plateia. Mas estará realmente a inovação na Europa assim tão atrasada? Talvez não. De acordo com o Global Innovation Index 2024, três dos cinco países mais inovadores são europeus: a Suíça, a Suécia e o Reino Unido. Assim sendo, o que está a atrasar a Europa? Acredito que o problema não está na criatividade ou no talento, mas sim na capacidade de execução e de escalabilidade.
Em termos de número de pedidos de patentes, a Europa tem um número comparável ao dos EUA e da China. Em 2021, a China ultrapassou os EUA, tornando-se a jurisdição com o maior número de patentes vigentes (3,6 milhões), seguida pelos EUA (3,3 milhões) e pelo Japão (2 milhões).
No entanto, a Europa enfrenta desafios na comercialização dessas patentes. Estima-se que um terço das invenções europeias permanecem no papel, sem serem transformadas em produtos ou serviços no mercado. Este fenómeno indica uma lacuna entre a investigação e a aplicação prática, sugerindo que o continente precisa de mecanismos mais eficazes para transferir tecnologia das universidades e centros de investigação para o mercado.
E aqui entram vários desafios, como o baixo investimento privado em investigação e desenvolvimento (I&D). Enquanto as empresas dos EUA investem cerca de 2,3% do seu PIB, as empresas europeias destinam apenas 1,2% a I&D. É quase metade. Esta diferença acaba por naturalmente limitar a criação de soluções escaláveis e de grande impacto. Deve-se também à falta de capacidade europeia de transformar a poupança em investimento. Atualmente apenas 5% do capital de risco global é captado pela União Europeia, comparado com 52% nos EUA e 40% na China. No entanto, as famílias europeias poupam quase o dobro dos EUA, cerca de 1,4 biliões de euros por ano.
Além disso, a regulação excessiva da União Europeia (UE) tem sido um obstáculo para o crescimento de startups e empresas inovadoras. Entre 2019 e 2024, a UE introduziu cerca de 14 mil atos legislativos, mais do dobro dos 6 mil dos EUA. É inegável que este volume de regulamentações dificulta a agilidade necessária na inovação e prejudica o ecossistema empresarial, que necessita de flexibilidade para crescer.
Estes desafios são notórios quando analisamos a baixa adoção de IA pelas empresas europeias. Em 2024, apenas 13,5% das empresas da UE com mais de dez trabalhadores utilizavam alguma forma de IA nas suas operações. Em Portugal, esse número era ainda menor, com apenas 8,6% das empresas a adotarem estas tecnologias.
Mas onde há desafios existem também oportunidades. Acredito que temos de priorizar as tecnologias emergentes, como a IA, as soluções com baixas emissões de carbono e a computação quântica. Contudo, é igualmente importante sermos seletivos e não investir em todas as frentes simultaneamente – não podemos ser excelentes em tudo!
A simplificação da regulação e diminuição dos custos de contexto são essenciais. Para que as startups e as universidades possam crescer, a UE precisa de criar um ambiente mais ágil e menos burocrático, onde os projetos inovadores possam ser traduzidos em soluções comerciais de escala global.
Por último, temos de continuar a promover o desenvolvimento de ecossistemas de inovação que permitam que os diferentes atores colaborem, garantindo que o potencial científico da Europa se traduz em produtos e soluções viáveis para o mercado global. E nesses ecossistemas, as grandes empresas têm um papel fundamental a desempenhar, sobretudo para enfrentar o primeiro desafio identificado, de baixo investimento privado europeu mas também para efetivamente apoiar a escalar as soluções inovadores criando e capturando impacto real na economia. Para diminuir esta diferença face aos EUA, há que incentivar o aumento do investimento privado em I&D.
A Europa já possui uma base sólida para se posicionar na vanguarda da inovação, fundamentada principalmente numa tradição de excelência científica. Agora, é necessário que as políticas públicas e o setor privado trabalhem em conjunto para finalmente transformar esse potencial em liderança. A chave para o futuro está em escalar, transformar e liderar, mas tal só será possível num ecossistema de inovação colaborativo com um sistema de regulação estável, simples e transparente. Os próximos anos prometem muita intervenção e coordenação da Comissão Europeia tendo mesmo algumas ações calendarizadas já para o corrente ano como o European Innovation Act.
Seremos capazes de investir 750 a 800 mil milhões de euros por ano até 2030 aumentando o rácio de investimento para o PIB em 5 pontos percentuais?
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