Paradoxo de Jevons, Curva de Aprendizagem, IA e DeepSeek

  • Paulo Monteiro Rosa
  • 10:41

Tal como aconteceu com a internet, a democratização da IA não reduzirá o consumo de chips e energia, mas acelerará a sua adoção, exigindo infraestruturas mais robustas.

É lógico pensar que, ao usar um recurso de forma mais eficiente, o consumo total deveria diminuir. Afinal, se um carro consome menos gasolina por km ou um computador usa menos eletricidade, seria expectável uma redução no consumo global de combustível ou eletricidade. No entanto, essa eficiência pode ter um efeito contrário ao esperado, e é precisamente aqui que entra o Paradoxo de Jevons. De acordo com este conceito, ganhos de eficiência no uso de um recurso não reduzem necessariamente o seu consumo total, podendo, pelo contrário, aumentá-lo. Esse efeito ocorre porque a redução do custo de uso do recurso estimula a procura, resultando num aumento do consumo agregado. Um exemplo claro verifica-se na eficiência dos automóveis. Quando um carro consome menos combustível, o custo por km diminui, incentivando os condutores a utilizá-lo com mais frequência, percorrer distâncias maiores ou até adquirir mais veículos. Assim, em vez de reduzir o consumo, a eficiência pode intensificá-lo.

Foi exatamente isso que o economista britânico William Stanley Jevons observou no século XIX: à medida que as máquinas a vapor se tornavam mais eficientes, a procura de carvão aumentou, impulsionada pelo crescimento da produção industrial. Em vez de reduzir o consumo, a maior eficiência intensificou a utilização desse recurso, aumentando ainda mais o seu consumo total. Este é o Paradoxo de Jevons, o dilema entre eficiência e consumo. Em vez de reduzir o consumo, o aumento da eficiência pode, paradoxalmente, intensificá-lo.

Este efeito, historicamente observado no setor da energia, também se aplica às tecnologias digitais e à inteligência artificial. A DeepSeek, uma startup chinesa de IA generativa, é um exemplo moderno desse fenómeno. Embora desenvolva modelos mais eficientes e acessíveis, a redução dos custos pode acelerar a adoção da tecnologia, intensificando a utilização de chips avançados, armazenamento de dados e consumo energético. A maior eficiência não significa necessariamente um menor impacto global, mas sim a democratização da IA, estimulando a procura por GPUs e TPUs (chips desenvolvidos exclusivamente pela Google) e impulsionando a expansão das infraestruturas dos data centers. No competitivo mercado de IA, dominado por OpenAI e Google DeepMind, a DeepSeek pode acelerar a adoção da tecnologia em setores como FinTechs, automação e marketing digital.

Esse crescimento pode gerar um efeito cascata, aumentando ainda mais a necessidade de processamento e armazenamento, o que, consequentemente, eleva o consumo energético. Se a DeepSeek tornar o treino dos modelos de IA mais acessível, a procura por semicondutores poderá crescer significativamente, exigindo maior capacidade computacional de gigantes da cloud como AWS (Amazon), Google Cloud e Microsoft Azure.

A DeepSeek, por si só, pode não representar uma ameaça direta às grandes tecnologias norte-americanas, mas o que simboliza pode ser profundamente disruptivo em dois aspetos fundamentais. Quantas mais startups de IA como a DeepSeek surgirão nos próximos tempos? Além disso, o domínio do hardware já não basta —a criatividade e o software tornaram-se os verdadeiros motores da inovação. A democratização da inteligência artificial está em marcha, e o seu consumo irá crescer exponencialmente, validando mais uma vez o Paradoxo de Jevons, tal como aconteceu com as dotcom, a internet e os smartphones.

Depois do colapso das dotcom em 2000 e de quase três anos de bear market, foi precisamente nesse período que a internet se massificou, chegando aos lares de milhões de pessoas. O consumo disparou, mas, paradoxalmente, as grandes tecnológicas sofreram perdas avultadas devido às avaliações inflacionadas do ano 2000. A Intel, por exemplo, atingiu uma capitalização bolsista de 600 mil milhões de dólares na altura, com uma quota de mercado dos CPU x86 de 77%, mas, apesar de ainda deter 62% do mercado, hoje vale apenas 85 mil milhões de dólares. Atualmente, assiste-se a um investimento massivo em inteligência artificial, mas permanece a incerteza quanto ao seu verdadeiro retorno em receitas, levantando dúvidas sobre a sustentabilidade do atual ciclo de crescimento e se algumas das gigantes tecnológicas de hoje poderão enfrentar um destino semelhante ao da Intel.

O crescimento exponencial da venda de modelos de linguagem parece inevitável, assim como a gradual chegada da IA a todos os lares. Num futuro próximo, a produção de humanoides e a sua integração no nosso quotidiano poderão tornar-se uma realidade. No entanto, apesar do crescimento da procura, os preços podem cair ao ponto de as receitas geradas não conseguirem compensar os elevados investimentos de muitas Big Techs norte-americanas, abrindo caminho a uma possível correção de mercado.

A revolução da IA poderá seguir padrões cíclicos semelhantes aos de outras tecnologias disruptivas, como a internet, marcados por fases de euforia, correção e massificação. Startups como a DeepSeek representam avanços inovadores que, em vez de reduzir o consumo de semicondutores, tendem a intensificar a procura. Se a história se repetir, a uma fase de euforia seguir-se-á uma correção e, finalmente, a massificação. Empresas como Nvidia, TSMC e AMD poderão continuar a liderar essa transformação, mas os investidores devem estar atentos a potenciais excessos e riscos de valuation.

O Paradoxo de Jevons explica que os ganhos de eficiência não reduzem necessariamente o consumo de um recurso, podendo, pelo contrário, expandir a sua utilização, e a IA parece seguir esse mesmo percurso. Empresas como a DeepSeek ilustram essa dinâmica, tornando a IA mais eficiente e acessível, o que poderá acelerar a sua adoção e aumentar a procura por chips, armazenamento e energia.

A história da inovação tecnológica mostra que novas revoluções começam com uma fase de crescimento acelerado, muitas vezes acompanhada de especulação e sobrevalorização. Segue-se um período de correção, onde os investimentos são ajustados à realidade, antes da adoção massiva e da consolidação da tecnologia. A euforia em torno das empresas de internet na década de 1990 culminou numa bolha especulativa que colapsou em 2000. O Nasdaq caiu de 5.000 para 1.000 pontos em apenas dois anos e esse valor só foi novamente ultrapassado em 2015. Contudo, essa crise não travou a massificação da internet nem impediu um novo ciclo de crescimento após o lançamento do iPhone em 2007. Entre 2015 e 2020, as grandes tecnológicas consolidaram o seu domínio e, anos depois, no final de 2024, o Nasdaq superou os 20.000 pontos, reforçando a ideia de que a IA poderá trilhar um caminho semelhante.

Desde 2022, o crescimento exponencial da IA generativa, impulsionado pelo ChatGPT, OpenAI e DeepMind, gerou um entusiasmo evidente nos mercados, refletido no PER do S&P 500 (atualmente 24, acima da média histórica de 15). Permanece a incógnita sobre uma possível correção, mas é provável que os investimentos se tornem mais seletivos e que os retornos sejam avaliados com maior rigor nos próximos tempos. Tal como aconteceu com a internet, a democratização da IA não reduzirá o consumo de chips e energia, mas acelerará a sua adoção, exigindo infraestruturas mais robustas. Esse crescimento deverá intensificar a regulação e as políticas antitrust, limitando a concentração da tecnologia em poucas empresas. Sendo a IA demasiado estratégica para ficar nas mãos de um pequeno número de gigantes tecnológicas, um escrutínio crescente por parte de governos e entidades reguladoras será inevitável.

Se a IA seguir o padrão das grandes revoluções tecnológicas, poderá enfrentar uma fase de correção, seguida de uma adoção consolidada a médio prazo e, finalmente, um crescimento sustentado no longo prazo. O impacto será evidente nos semicondutores e na computação em nuvem, com um aumento da procura por chips especializados (Nvidia, AMD, TSMC) e expansão das infraestruturas de AWS, Google Cloud e Microsoft Azure. No entanto, a democratização da IA pode pressionar os preços dos chips, desafiando as previsões de crescimento das grandes fabricantes.

Embora os avanços tornem a IA mais eficiente, isso não significa uma redução do consumo, mas sim uma expansão acelerada da sua utilização – um fenómeno explicado pelo Paradoxo de Jevons. Ao mesmo tempo, a Curva de Aprendizagem mostra que o aumento da produção reduz os custos unitários, resultado da experiência acumulada, otimizações e economias de escala, tornando a tecnologia mais acessível e estimulando a sua adoção em massa.

Enquanto a Curva de Aprendizagem descreve a relação entre eficiência e produção, evidenciando o impacto positivo da experiência na redução de custos, o Paradoxo de Jevons expõe o dilema eficiência vs. consumo, onde a maior acessibilidade pode intensificar o uso de um recurso, tornando a IA cada vez mais presente e indispensável.

Quanto mais experiência acumulamos, mais eficientes nos tornamos e mais baixos são os custos.

A DeepSeek desafiou a ideia de que apenas empresas com vastos recursos poderiam dominar a IA, provando que é possível desenvolver modelos competitivos com menor investimento e hardware acessível. A sua trajetória reflete um padrão comum na inovação: os custos iniciais são elevados e restritos a poucos players, mas, à medida que a tecnologia amadurece, torna-se mais barata e acessível, permitindo uma adoção mais ampla. Isso abre espaço para novos concorrentes, incluindo startups e países como a China, que desafiam a supremacia tecnológica americana.

 

O gráfico do Paradoxo de Jevons aplicado à Inteligência Artificial e ao impacto da DeepSeek mostra como a redução do custo para treinar modelos de IA (graças à eficiência tecnológica) pode impulsionar um aumento significativo na sua utilização, replicando o mesmo padrão observado noutros setores. Tal como nos carros a combustão ou elétricos, onde um menor custo por km (gasolina ou eletricidade mais barata) incentiva uma maior condução, aqui a redução do custo do treino leva a um aumento significativo da utilização da IA. Assim, longe de limitar a adoção da IA a algumas gigantes tecnológicas, a eficiência criada por empresas como a DeepSeek democratiza o acesso e expande significativamente a sua utilização, intensificando a dependência global de semicondutores e da capacidade computacional.

O gráfico da Curva de Aprendizagem ilustra claramente como o custo, tempo de produção ou esforço necessário diminui à medida que a produção acumulada aumenta. Os pontos A1 e A2 representam a fase inicial da inovação, onde apenas grandes empresas como Nvidia, Google, Microsoft e outras gigantes tecnológicas conseguem competir devido aos elevados custos iniciais. Já os pontos B1 e B2 mostram a fase em que os custos diminuem, permitindo que novos players, como a DeepSeek, entrem no mercado com menos investimento e hardware mais acessível. A trajetória descendente da curva comprova que novas tecnologias tornam-se mais baratas e acessíveis ao longo do tempo, exatamente o que está a acontecer com a IA.

  • Paulo Monteiro Rosa
  • Economista Sénior, Banco Carregosa

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Paradoxo de Jevons, Curva de Aprendizagem, IA e DeepSeek

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião