A Terceira Lei de Newton, as tarifas e o Livre Comércio de David Ricardo

  • Paulo Monteiro Rosa
  • 14 Fevereiro 2025

O protecionismo tende a desencadear retaliações, tornando o comércio mais restritivo e menos eficiente, resultando numa desaceleração ou até num recuo da globalização.

De acordo com a Terceira Lei de Newton, conhecida também como Lei da Ação e Reação, “Para toda a ação, há sempre uma reação de intensidade idêntica, na mesma direção, mas em sentido oposto.” Ou seja, sempre que um objeto exerce uma força sobre outro, esse segundo objeto exerce uma força igual, mas na direção do primeiro, devolvendo-lhe o impacto inicial – um verdadeiro efeito boomerang.

Da mesma forma, no comércio internacional, quando os EUA aplicam ou aumentam tarifas sobre a China ou a Europa, é muito provável que estes retaliem com medidas de intensidade semelhante, agravando também as suas tarifas alfandegárias sobre produtos norte-americanos. Assim, o protecionismo tende a desencadear retaliações, tornando o comércio mais restritivo e menos eficiente, resultando numa desaceleração ou até num recuo da globalização, afetando negativamente o crescimento económico. No entanto, em situações de desequilíbrios comerciais significativos, esta estratégia pode, em certos casos, ter alguma lógica, ao pressionar outros países a reduzirem as suas tarifas para níveis mais equilibrados. Esse poderá ser eventualmente o caso das disputas comerciais entre Trump e outros países.

Apesar disso, na realidade, o protecionismo acaba sempre por resultar em perdas mútuas no longo prazo, como demonstrou o economista britânico David Ricardo na sua teoria das vantagens comparativas. Mesmo que um país seja mais eficiente na produção de todos os bens em relação a outro, o comércio entre ambos ainda é vantajoso e desejável. O país menos produtivo pode especializar-se naquele bem cuja produção sacrifica menos a produção de outro e importar os restantes do seu parceiro comercial. Desta forma, cada país deve especializar-se na produção do bem em que tem o menor custo de oportunidade, maximizando a eficiência global e beneficiando do comércio internacional, contribuindo para uma melhoria do bem-estar das populações.

A referência a Ricardo sublinha que o protecionismo é prejudicial para a economia como um todo. No entanto, Paul Krugman expandiu esta teoria ao incorporar o papel das economias de escala e da concorrência imperfeita, mostrando que os países podem produzir os mesmos bens e competir. Além disso, Michael Porter argumenta que as nações podem desenvolver vantagens competitivas ao longo do tempo através da inovação, de investimentos estratégicos e de políticas industriais. A especialização extrema representa um risco. Por isso, os países devem procurar um equilíbrio entre especialização e diversificação, garantindo simultaneamente competitividade e segurança económica. A estratégia mais eficiente passa por uma diversificação estratégica focada em setores-chave.

As disputas comerciais são tão antigas quanto o próprio comércio. Ao longo da história, o protecionismo teve ciclos de expansão e recuo, e a Europa e a China são, em muitos casos, tão ou mais protecionistas do que os EUA. É compreensível a preocupação da atual administração norte-americana em tentar travar o seu crescente défice comercial, que em 2024 atingiu 1,2 biliões de dólares, cerca de 4% do PIB nominal. Para cobrir esse défice, o património norte-americano vai sendo transferido para mãos estrangeiras. No entanto, os EUA continuam a beneficiar do privilégio de emitirem a moeda mais valiosa e amplamente utilizada no comércio global, o dólar americano, que, paradoxalmente, se tornou a sua maior ‘exportação’. A estratégia tarifária de Trump não significa, obrigatoriamente, um retrocesso no comércio global, mas antes uma eventual tentativa de pressionar outros países a reduzirem as suas próprias barreiras comerciais. No seu primeiro mandato (2017-2020), a globalização não recuou – pelo contrário, acelerou. Assim, longe de resultar num mundo mais fechado, o efeito final das tarifas de Trump pode eventualmente traduzir-se em menos protecionismo global.

As tarifas alfandegárias existem em vários setores, mas um dos mais críticos é o setor automóvel, onde os interesses económicos são elevados e as barreiras comerciais estão presentes em diversas partes do mundo. Sendo uma indústria de grande peso económico, qualquer alteração nas tarifas tem impactos significativos nas exportações, na competitividade das empresas e no equilíbrio do comércio global.

A União Europeia impõe uma tarifa de 10% sobre carros importados dos EUA, um valor significativamente mais alto do que a tarifa americana de 2,5%. Esta medida pode ser vista como uma barreira comercial para proteger a indústria automóvel europeia, sendo também justificada pela necessidade de salvaguardar os fabricantes locais e manter empregos no setor. No entanto, no comércio global, o protecionismo não é uma questão de preto ou branco — há muitos cinzas pelo meio, dependendo da forma como é analisado e dos interesses estratégicos em jogo. Se, por um lado, os EUA procuram reequilibrar as regras do comércio internacional a seu favor, por outro, a UE e a China aplicam medidas semelhantes para proteger as suas indústrias. No fim, cada bloco atua conforme os seus próprios interesses económicos.

O setor automóvel europeu é um dos mais sensíveis às dinâmicas do comércio internacional, a par também da sua indústria farmacêutica, das máquinas e equipamentos industriais e dos bens de luxo. A Alemanha destaca-se como o maior produtor e exportador de automóveis da Europa, com cerca de 4 milhões de veículos fabricados anualmente, dos quais 75% são exportados. As suas marcas premium, como BMW, Mercedes-Benz, Audi e Porsche, têm forte procura em mercados como China, EUA e Médio Oriente. Já Espanha (2,4 milhões de veículos por ano), França (1,4 milhões) e Itália (700 mil) dependem mais do comércio interno europeu.

Nos EUA, a tarifa sobre automóveis ligeiros importados é de 2,5%, mas sobe para 25% no caso de carrinhas e camiões, uma medida altamente protecionista que restringe a concorrência externa neste segmento. A União Europeia, por sua vez, aplica 10% sobre automóveis ligeiros e 22% sobre carrinhas e camiões. Em contraste, o Japão não impõe tarifas de importação sobre automóveis de nenhum país, incluindo os EUA. No entanto, os veículos estrangeiros enfrentam barreiras não tarifárias significativas, como regulações rigorosas de segurança e emissões, que dificultam a entrada no mercado japonês.

A China também tem um histórico protecionista no setor automóvel. Antes de 2018, aplicava tarifas de 25% sobre automóveis importados, tornando os carros estrangeiros muito mais caros no mercado chinês. Como parte de uma estratégia para abrir a economia e reduzir tensões comerciais, a China diminuiu essa tarifa para 15%, mas, durante a escalada da guerra comercial com Donald Trump, impôs tarifas retaliatórias adicionais de 25% sobre veículos americanos, elevando o total para 40%. Posteriormente, em 2020, voltou a reduzi-las para 15%. Se a China decidir aumentar novamente as tarifas, será provavelmente em resposta a medidas protecionistas de outras regiões, como a recente decisão da UE de impor tarifas sobre veículos elétricos chineses.

O Canadá e o México, no âmbito do Acordo EUA-México-Canadá (USMCA), não aplicam tarifas de importação sobre automóveis provenientes dos EUA e entre si, facilitando o comércio automóvel na região. Todavia, tensões comerciais recentes surgiram devido à imposição de novas tarifas pelos EUA sobre produtos canadianos e mexicanos. Em resposta, o Canadá anunciou medidas retaliatórias, impondo tarifas de 25% sobre uma variedade de bens norte-americanos, incluindo produtos agrícolas, vestuário e eletrónica.

A dinâmica do comércio internacional segue a lógica da Terceira Lei de Newton, onde o protecionismo gera retaliações e limita o crescimento global. Apesar de estratégias temporárias para equilibrar défices ou proteger indústrias, a longo prazo as barreiras comerciais reduzem a competitividade e travam o desenvolvimento económico. Curiosamente, o elevado défice comercial dos EUA sustenta os excedentes da Alemanha, da China e do Japão, num equilíbrio paradoxal que mantém a engrenagem do comércio mundial a funcionar. No entanto, os EUA vão perdendo os anéis, mesmo detendo o trunfo do dólar como moeda dominante.

Ainda que possa servir objetivos estratégicos no curto prazo, a longo prazo o protecionismo enfraquece a economia global e reduz a sua eficiência. No fim, quanto mais um país fecha a sua economia, mais se arrisca a ser ultrapassado por aqueles que apostam na abertura e na cooperação. O livre comércio, validado tanto pela física de Newton como pela economia de Ricardo, continua a ser a melhor via para o progresso global.

  • Paulo Monteiro Rosa
  • Economista Sénior, Banco Carregosa

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

A Terceira Lei de Newton, as tarifas e o Livre Comércio de David Ricardo

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião