
A escola das elites
Quando muitos falam de como a Europa para os EUA não passa de um museu, para muitos desses o interior do país é ou uma fantasia dos remediados ou um compêndio de paisagens ligadas pela Nacional 2.
Na senda do que fiz há uns meses para outro artigo aqui no ECO (“Porto, onde estão as tuas elites?”), fui investigar os governos portugueses dos últimos 20 anos, os governos desde a maioria absoluta de Sócrates. Vi e revi estes nomes e dados, mas pela dimensão dos mesmos e pela debilidade de algumas informações, peço desde já desculpa se em alguma linha dos mesmos incorrer em falsidade.
Contando todos os ministros e Primeiros-Ministros desde 2005, somamos 164 titulares. Devo avisar que um titular é contabilizado mais que uma vez se participar em mais do que um governo ou exercer diferentes funções dentro do mesmo. Exemplo: António Costa entra três vezes como Primeiro-Ministro mais uma como ministro.
Tabela 1 – Dados diversos dos últimos 20 anos de governação.
Fonte: Contabilidade feita pelo colunista.
Aproximadamente, 25% dos nossos governantes licenciou-se exatamente na mesma faculdade. Esta é a escola das elites. É aqui que elas são formadas, é na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Por termo de comparação, nestes cargos, há tantos licenciados na FDUL como em Economia, ou o dobro dos licenciados em Engenharias. A faculdade com mais licenciados da segunda licenciatura com mais governantes – Economia -, o ISEG (também da Universidade de Lisboa), representa praticamente metade dos licenciados na FDUL.
É evidente que isto significa um problema de representação. As nossas classes governantes são pouco diversas, tanto na sua origem geográfica, como nas áreas de estudo, onde 43% dos governantes dos últimos 20 anos eram licenciados em direito ou similares. Dos 5 PR eleitos, apenas Cavaco Silva não estudou na FDUL. Dos últimos 10 PM, 5 licenciaram-se na FDUL.
Temos políticos nos mais altos cargos da nação com experiências pessoais profundamente idênticas. Frequentam os mesmos espaços, partilham os mesmos grupos de conhecimentos e até amizades. Às vezes chego a pensar que faria mais sentido transmitir os debates e campanhas para a Associação de Estudantes da FDUL do que os congressos dos partidos. Afinal de contas, ali é que são feitas as captações.
A FDUL abriu, para 2024/25, 445 vagas em Direito. Na primeira fase do último concurso nacional de acesso ao Ensino Superior, foram colocados quase 50 000 estudantes. Os da FDUL neste bolo são menos de 1%, enquanto representam ¼ dos governantes dos últimos 20 anos. Alguém é crédulo a ponto de acreditar que 25% dos nossos melhores saem da mesma escola? Tenho muita dificuldade.
As monarquias, ao longo da história, provaram inúmeras vezes que a endogamia trazia resultados nefastos para o estado da governação. Vê-la repetir-se em Conselhos de Ministros sucessivos, travestida de amiguismo ou confiança política, não diz muito bem da nossa democracia. É mesmo uma das suas maiores feridas.
As consequências disto são variadas, mas também relativamente previsíveis. Uma classe fechada em si e nos seus núcleos, com pouco conhecimento do país fora das principais avenidas da capital e preocupações e formas de pensar um tanto similares. Resultado? Um país político que se esquece que tem mais de 92 mil km2 ao invés dos 100 de Lisboa. Uma classe que não conhece a asfixia que a capital exerce sobre os poderes locais e as suas gentes.
Quando muitos falam de como a Europa para os Estados Unidos não passa de um museu, convém lembrar que para muitos desses o interior do país é ou uma fantasia dos remediados ou um compêndio de paisagens ligadas pela Nacional 2. Em 2022, segundo a OCDE, em Portugal, apenas 15% da despesa pública é regional/local, o décimo valor mais baixo da organização.
Segundo o +Factos, apenas 11 freguesias têm mais de metade da população com Ensino Superior e 9 são em Lisboa. Porque será? Sem incentivos em contrário, as empresas e as populações mais qualificadas tender-se-ão a centrar onde os seus impostos são mais produtivos, onde existe mais oferta de serviços públicos. Não é, por isso, de estranhar que a competitividade da AMLisboa, medida em 2022 pela Comissão Europeia, fosse 10% superior à média da União, quando a do resto do país era consideravelmente inferior a esta média.
O que mais me estranha é que a capital ainda não tenha percebido que este centralismo é enormemente prejudicial também para si. Favorece ruturas dos serviços públicos por excesso de procura e deseconomias de aglomeração gritantes. Qualquer dia a cidade cai no mar, enquanto o resto do país assiste, despovoado. Longe de mim criticar quem procura a sua sorte em Lisboa, posso ser dos próximos, mas é triste a nossa sina.
Continuamos um país reduzido a uma cidade, com dificuldade de visão para além das Linhas de Torres Vedras e a culpa também é nossa, do resto do país, de elites regionais que não se afirmam. Também de partidos políticos que há muito deixaram de ser escolas nacionais e descentralizadas de elites. Hoje, mais do que nunca, isto tem de mudar. O país não cresce se não descentralizar, se não diversificar os seus estratos de decisão.
Estarão as altas esferas da sociedade vigente disponíveis para isso? Ao mesmo tempo que sou cético, mantenho a esperança. A nós, o resto do país, sobra-nos continuar a bater à porta. Um dia, se continuarem sem abrir, talvez tenhamos que entrar por uma janela.
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