Perdido no caso Montenegro? 10 perguntas e respostas sobre a polémica que ‘censura’ o Governo
Empresa criada há quatro anos pelo primeiro-ministro motiva a primeira moção de censura ao Governo. Perceba o caso que está a agitar a política portuguesa e as implicações legais que pode ter.
-
Que empresa é esta, o que faz e que resultados teve?
-
Luís Montenegro ainda é sócio da empresa?
-
A transmissão de quotas pode ser declarada nula?
-
Mas a nulidade precisa de ser declarada? Por quem?
-
E o tribunal pode pedir essa nulidade, por sua iniciativa?
-
Por que ganha o tema relevância nesta altura?
-
O que já disse Luís Montenegro sobre o caso?
-
E o que é que Montenegro ainda não esclareceu?
-
Que impacto político é que este caso está a ter?
-
O Governo vai cair por causa disto?
Perdido no caso Montenegro? 10 perguntas e respostas sobre a polémica que ‘censura’ o Governo
-
Que empresa é esta, o que faz e que resultados teve?
A Spinumviva, que tem sede em Espinho, foi constituída em janeiro de 2021 por Luís Montenegro e pela mulher, Carla Montenegro, tendo como objeto social “atividades de consultoria para os negócios e a gestão”, mas também “o comércio e a gestão de bens imóveis, próprios e de terceiros, incluindo a aquisição para revenda, arrendamento e outras formas de exploração económica dos mesmos”, entre outros. Nos primeiros três anos de atividade faturou 718 mil euros e acumulou lucros de 342 mil euros.
Proxima Pergunta: Luís Montenegro ainda é sócio da empresa?
-
Luís Montenegro ainda é sócio da empresa?
Não. No dia 30 de junho de 2022, pouco mais de um mês depois de ter sido eleito presidente do PSD, Luís Montenegro renunciou à gerência da empresa, que tem um capital social de 6.000 euros, e transferiu 92% da sua participação (3.450 euros) para a mulher e os restantes 8% da sua posição (400 euros) foram distribuídos de forma igual pelos dois filhos, Hugo e Diogo. Com essa operação, a mulher passou a deter 92% do capital da empresa e os filhos 4% cada.
Proxima Pergunta: A transmissão de quotas pode ser declarada nula?
-
A transmissão de quotas pode ser declarada nula?
Sim. Nos termos do artigo 1714.º, n.º 2, do Código Civil português, é proibida a celebração de contratos de compra e venda entre cônjuges, salvo se estiverem separados judicialmente de pessoas e bens. Que não é o caso, visto que o regime em causa é o de comunhão de adquiridos.
“Neste contexto de sociedades comerciais (empresas) a cessão de quotas entre cônjuges casados em comunhão de adquiridos tem sido objeto de análise dos tribunais. Por exemplo, o Tribunal da Relação do Porto, no acórdão de 2 de abril de 2016, considerou que, se a cessão de quotas se concretizar através de um contrato de compra e venda entre cônjuges, a mesma será nula, exceto se os cônjuges estiverem separados judicialmente de pessoas e bens”, explica o advogado António Jaime Martins.
Adicionalmente, o Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão de 17 de janeiro de 2023, analisou uma situação em que os cônjuges, casados em regime de comunhão de adquiridos, realizaram uma cessão gratuita de quotas. O advogado explica que o tribunal concluiu que tal doação seria nula se a quota cedida não fosse bem próprio do cônjuge doador, conforme previsto no artigo 1764.º, n.º 1, do Código Civil. “Este artigo permite a doação entre cônjuges apenas quando o bem doado é próprio do cônjuge doador, reforçando a nulidade de doações de bens comuns entre cônjuges”, diz.
“Em suma, tanto a legislação como a jurisprudência portuguesas estabelecem a nulidade de contratos de compra e venda, bem como de doações, entre cônjuges casados em regime de comunhão de adquiridos”, conclui António Jaime Martins.
Proxima Pergunta: Mas a nulidade precisa de ser declarada? Por quem?
-
Mas a nulidade precisa de ser declarada? Por quem?
A nulidade precisa de ser declarada. Ou seja, é necessário que o anterior titular da quota peça a declaração de nulidade da venda. Quanto à legitimidade para arguir a nulidade, o artigo 286.º do Código Civil estabelece que “a nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal”. Isto significa que “não apenas as partes diretamente envolvidas no negócio, mas também terceiros cujos interesses sejam afetados pelo mesmo, têm legitimidade. Mas esse terceiro tem de demonstrar um interesse atendível”, acrescenta o advogado.
Proxima Pergunta: E o tribunal pode pedir essa nulidade, por sua iniciativa?
-
E o tribunal pode pedir essa nulidade, por sua iniciativa?
Não, tem de haver uma ação. E nessa ação se, por exemplo, for pedida a anulabilidade ou outro vício que não a nulidade, o Tribunal pode conhecer o vício como sendo o da nulidade. “Coisa que nunca fazem”, remata António Jaime Martins.
Proxima Pergunta: Por que ganha o tema relevância nesta altura?
-
Por que ganha o tema relevância nesta altura?
A existência e a atividade da empresa ganha relevância pelo facto de potencialmente a empresa imobiliária da sua família poder vir a ser beneficiada com a alteração à chamada ‘lei dos solos’ recentemente aprovada pelo Governo e que flexibilizou as regras para a transformação de solos rústicos em solos urbanos. Apesar de promulgado pelo Presidente da República em dezembro passado, o Decreto-Lei 117/2024 acabou por ser chamado à Assembleia da República e para esta quarta-feira estava agendada a votação de várias propostas na especialidade, mas o Chega solicitou o adiamento para a próxima semana.
Proxima Pergunta: O que já disse Luís Montenegro sobre o caso?
-
O que já disse Luís Montenegro sobre o caso?
Em resposta ao Correio da Manhã, o primeiro-ministro alegou que uma das vertentes pelas quais a sociedade foi constituída foi a possível exploração agrícola e turística, pois pretendia “incorporar na sociedade o património [herdado] dos pais e revitalizá-lo” – declarou à Entidade para a Transparência a posse de 54 propriedades imobiliárias, num valor total de 639 mil euros –, embora não o tenha feito por ter, entretanto, voltado à vida política ativa”.
Assegurou que “nunca foi, não é e não será objeto da atividade da empresa qualquer negócio imobiliário ligado à alteração legislativa” na lei dos solos. Disse ainda que “do vasto objeto social dessa empresa, apenas a prestação de consultoria no âmbito da proteção de dados pessoais teve execução”. Sobre a possibilidade de retirar a vertente imobiliária do objeto social, disse “não [haver] nenhuma necessidade disso porquanto não foi nem vai ser atividade da empresa qualquer operação imobiliária geradora de conflito de interesses”.
Proxima Pergunta: E o que é que Montenegro ainda não esclareceu?
-
E o que é que Montenegro ainda não esclareceu?
No portal Base não constam contratos da Spinumviva com o Estado, corroborando o que Montenegro disse sobre a empresa não ter celebrado “nenhuma relação com qualquer entidade pública”. Mas continuam por esclarecer questões como os clientes que a empresa teve – o primeiro-ministro apenas referiu a Cofina nas respostas ao jornal –, assim como o tipo de serviços que foram prestados, quem é que os prestou, qual o grau de envolvimento que teve na captação desses negócios, quem é que trabalha na empresa – em 2023 declarou quatro funcionários — ou qual a faturação e os lucros da empresa em 2024, ano em que ascendeu ao poder.
Esta quarta-feira, ao aterrar em Brasília e via redes sociais, Montenegro remeteu “para o debate da moção de censura, que terá lugar após o [seu] regresso, todas as considerações devidas sobre a atual situação política interna”.
Tweet from @LMontenegropm
Proxima Pergunta: Que impacto político é que este caso está a ter?
-
Que impacto político é que este caso está a ter?
O Chega entregou terça-feira no Parlamento uma moção de censura ao Governo, por considerar que recaem sobre o primeiro-ministro “suspeitas gravíssimas de incompatibilidade” no exercício de funções públicas. Na moção de censura — intitulada “Pelo fim de um Governo sem integridade, liderado por um primeiro-ministro sob suspeita grave” — o partido alega que o primeiro-ministro “mancha a reputação e a imagem do país, tanto interna, como externamente”.
De acordo com o Regimento da Assembleia da República, o debate de uma moção de censura “inicia-se no terceiro dia parlamentar subsequente à apresentação da moção de censura”, neste caso, dia 21 de fevereiro. E a discussão já foi mesmo agendada para esta sexta-feira às 15h, com uma duração de cerca de três horas.
Proxima Pergunta: O Governo vai cair por causa disto?
-
O Governo vai cair por causa disto?
Não. Pedro Nuno Santos já afirmou que o caso da empresa da mulher e filhos do primeiro-ministro é “muito semelhante ao do seu secretário de Estado [Hernâni Dias] que acabou por sair do Governo”, exigiu explicações a Luís Montenegro “o quanto antes” e considerou “incompreensível” que o líder do Executivo não tenha decidido “matar logo” a questão, porque as dúvidas se adensam com o tempo, recusando que seja populista pedir explicações a Luís Montenegro. No entanto, já garantiu que o PS votará contra a moção de censura apresentada pelo Chega.
O Executivo tem na Assembleia da República o apoio de 80 dos 230 deputados: 78 do PSD e dois do CDS-PP. Sem o voto favorável dos socialistas, que têm 78 deputados e recusam “dar para o peditório” do Chega, qualquer moção de censura tem chumbo assegurado.
Questionado sobre o tema, Marcelo Rebelo de Sousa recusou pronunciar-se por ser “o tema central de uma iniciativa parlamentar que já está desencadeada”. “Uma vez desencadeada, vai ser agendada e será discutida nesta semana ou na semana que vem, e eu não vou agora pronunciar-me sobre aquilo que, embora de uma forma mais genérica, vai ser objeto de debate no parlamento”, acrescentou o Presidente da República.