Sem deixar cair EUA, calçado ‘aperta cordões’ a novos mercados
Depois de dois anos de quebra de encomendas, o setor do calçado ainda antecipa um 2025 difícil, mas de transição. Indústria aposta em novos produtos e novas geografias, nomeadamente na Ásia.
“O momento é difícil para lançar uma marca, mas nunca há momentos fáceis”, reconhece Paulo Monteiro, diretor comercial da Kyaia, referindo-se à nova aposta do grupo de calçado de Guimarães, a Fred & Frederico, que está a apresentar em Milão, na Micam, a maior montra de calçado do mundo. A nova marca, que nasce sob a forma de homenagem de Fortunato Frederico à família — Fred é o nome do filho e Frederico da família –, chega num momento em que o grupo, que detém as marcas Fly London, As Portuguesas e Softinos, está a fechar as contas de um “ano difícil”, olhando para 2025 com expectativa que seja “um ano de inversão”, com a indústria a apertar os cordões a novos mercados para dar um pontapé na crise.
Depois de dois anos de contração de encomendas no setor, o diretor comercial da Kyaia está confiante que 2025 seja um “ano melhor na Europa”, mantendo a aposta nos EUA, um dos principais mercados do grupo, apesar de toda “esta indecisão” a que se assiste em torno das taxas aduaneiras. Ainda sem querer adiantar números de faturação relativos a 2024, mas que baixaram face a 2023, Paulo Monteiro, refere que, para este ano, “estamos dependentes desta coleção que estamos a apresentar”, adianta o responsável, antecipando uma recuperação na época de inverno. Para 2025, além do lançamento da nova marca do grupo, está previsto o regresso à Ásia e à Escandinávia, para conquistar novos clientes.
Quanto aos EUA, que pesam 18% das vendas da Kyaia e é atualmente o segundo maior mercado do grupo, atrás do Reino Unido, onde vende entre 27 e 28%, o diretor comercial diz que “as vendas continuam estáveis”, mas não deixa de demonstrar preocupação em relação à incerteza que persiste em torno da imposição de novas taxas aduaneiras. Para a marca As Portuguesas, os EUA pesam ainda mais: representam cerca de 30% das suas exportações. “Nos Estados Unidos estamos representados nos 50 Estados Unidos desde 2018”, explica o fundador e CEO da marca, Pedro Abrantes. Ao contrário da Europa, onde se tem sentido uma quebra de encomendas, 2024 ainda foi um ano de crescimento para a marca portuguesa nos EUA.
“Temos que olhar para outro tipo de mercados, não nos mantermos e habituarmos às quedas na Europa e ir buscar outros mercados e acrescentar esse valor”, explica Pedro Abrantes, adiantando que “em 2024 fizemos uma ação que achamos muito importante para o futuro, que foi iniciarmos a presença em algumas feiras na Ásia“. Em relação a mercados concretos, o fundador da marca detida pelo grupo vimaranense destaca a Coreia do Sul — “para nós é um mercado que é muito bom e muito importante; é onde se calhar temos mais clientes na Ásia ” — e o Japão, onde neste momento tem cerca de 18 pessoas a trabalhar para a marca.
Com os EUA a liderarem as exportações, seguidos da Alemanha, Itália e Portugal, a marca tem a ambição de continuar a crescer na Ásia. O objetivo era em 2026 “ter uma expressão parecida com os EUA”, traduzida num peso de cerca de 20% nas exportações.
Apesar de estar atenta a novas geografias, a marca portuguesa não desiste do mercado do outro lado do Atlântico. “Não vamos parar de vender ou parar de exportar para os EUA“. “Vamos arranjar soluções”, aponta o responsável, uma posição que está em linha com a defendida pelo setor. “Não vamos desistir do mercado dos EUA, pelo contrário, estamos a reforçar a nossa presença no mercado norte-americano, na última década as nossas exportações praticamente duplicaram para os Estados Unidos”, reforça Paulo Gonçalves. Para o porta-voz da associação industrial do calçado APICCAPS, os “Estados Unidos são um mercado absolutamente estratégico para a indústria portuguesa de calçado“.
Sobre o potencial impacto de novas taxas aduaneiras, Paulo Gonçalves realça que “se as tarifas forem iguais para todos, no limite, quem vai ser penalizado vai ser o consumidor norte-americano”, destacando que “há vários cenários em equação, nesta fase temos que esperar para ver. Esperar para ver nunca é um bom presságio nos negócios. Nós gostaríamos, naturalmente, que este processo negocial, se é que de um processo negocial estamos a falar, seja resolvido tão cedo quanto possível”, lamenta.
Os EUA, onde as vendas cresceram 25% nos últimos três anos para dois milhões de pares, ou 97 milhões de euros, são atualmente o sexto maior mercado da indústria portuguesa de calçado, que no ano passado exportou 1.724 milhões de euros para 174 países nos cinco continentes.
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A indústria portuguesa apresenta, este ano, uma comitiva reforçada em Milão, com 75 empresas. Destas, 43 empresas — mais 10% que no ano passado e o maior número dos últimos quatro anos — participa na MICAM e no MIPEL e outras 32 vão representar Portugal na Lineapelle, o que representa um crescimento da delegação nacional de 6,7%.
Com o seu stand à frente das marcas do grupo Kyaia, a Lemon Jelly, uma das 43 empresas portuguesas que marcam presença na Micam, também tem nos EUA um “mercado importante”, assume José Pinto, CEO da gigante Procalçado. “Naturalmente, não estamos ainda a sentir o efeito deste novo governo, mas como também temos ligação com o Canadá, vamos ver nos próximos tempos o que é que as taxas podem trazer”, aponta. “Acreditamos que, apesar de tudo, ainda temos produto competitivo para continuar a trabalhar no mercado“, explica o líder da empresa de Carvalhos, Vila Nova de Gaia, que emprega cerca de 400 pessoas e que prevê ter faturado mais de 30 milhões em 2024, com as exportações a crescerem 10%.
Apesar de não desistir dos EUA, José Pinto está mais preocupado com a Europa. “A Alemanha e França são os nossos principais mercados”, assume.
Preocupa-nos mais nesta fase o mercado europeu do que o mercado americano. Os Estados Unidos são um mercado absolutamente estratégico para a indústria portuguesa de calçado.
Também Paulo Gonçalves, da APICCAPS, nota que o setor está mais atento ao que se passa no continente europeu, onde a indústria tem os seus maiores mercados, com a Alemanha à cabeça. O mercado alemão absorveu 391 milhões de euros em exportações, em 2024, seguido pela França e pelos Países Baixos, com 348 e 197 milhões, respetivamente. Já o Reino Unido foi o destino de três milhões de pares de sapatos portugueses, no valor de 113 milhões.
Novos mercados compensam quebra na Europa
“Preocupa-nos mais nesta fase o mercado europeu do que o mercado americano”, assume o porta-voz, a falar com jornalistas na Micam, em Milão, que este ano começou com uma homenagem ao vice-presidente da APICCAPS e CEO da Celita, que detém a marca Ambitious, e que faleceu subitamente na passada quarta-feira, dia 19 de fevereiro. O porta-voz da associação do setor adianta que a indústria está a investir noutros mercados e noutros produtos. “Estamos à procura de novas janelas de oportunidades“.
A Procalçado é uma das empresas que está a prosseguir esta estratégia. “Estamos a diversificar a produção. A área de sustentabilidade está a crescer muito“, realça, adiantando que se está a apostar numa “produção cada vez mais amiga do ambiente”. E é precisamente o resultado dessa aposta na sustentabilidade que está no centro dos olhares no stand da Lemon Jelly, em Milão. Trata-se de uma mala 100% compostável, feita com biomateriais, sem qualquer costura ou fecho.
Em termos de geografias, o industrial destaca que “existem mercados e marcas que estão a crescer”. À semelhança de outros industriais do calçado, José Pinto está a olhar para os países nórdicos e está “a reforçar a parte comercial na Coreia e a abrir a Leste“, conta o CEO da Procalçado.
Os desafios vão ser muitos e o protecionismo traz a vantagem para quem produz localmente. A indústria na Europa vai ser cada vez mais importante. Consideramos que neste momento, a não ser que a Europa se fragmente, nós acreditamos que a Europa é um mercado interno nosso, um mercado interno natural.
“Nunca preparamos só um ano, nós preparamos, diria, quase 5 anos à frente, por isso nós estamos em grandes investimentos, nomeadamente na área do PRR, a parte ambiental, novas tecnologias para dentro da empresa, para trazer novos produtos, novas soluções”, realça. “Estamos a começar a pensar é o que é que vai ser de 26 a 30, é isso que nós estamos a focar-nos”. “Os tempos que vêm são mais difíceis”, reconhece.
O industrial assume que “os desafios vão ser muitos e o protecionismo traz vantagem para quem produz localmente” e “a indústria na Europa vai ser cada vez mais importante. Consideramos que neste momento, a não ser que a Europa se fragmente, nós acreditamos que a Europa é um mercado interno nosso, um mercado interno natural”, sustenta.
O objetivo da feira é tentar recuperar alguns clientes que já tivemos na Ásia e, nomeadamente, no Japão e Coreia do Sul e agora estamos a deslocar-nos para os EUA. Vamos fazer uma deslocação comercial em março, no sentido de abordar alguns clientes ou potenciais clientes, no sentido de alargar as geografias das nossas vendas e não ficarmos reduzidos à Europa.
Paulo Ferreira, CEO da Paradigma, reconhece que atualmente a marca trabalha “basicamente com mercado europeu, com França e Inglaterra. Mas, o industrial de Guimarães, que este ano regressou à feira após três anos sem participar no evento, refere que “o objetivo da feira é tentar recuperar alguns clientes que já tivemos na Ásia e, nomeadamente, no Japão e Coreia do Sul e agora estamos a deslocar-nos para os EUA”. “Vamos fazer uma deslocação comercial em março, no sentido de abordar alguns clientes ou potenciais clientes, no sentido de alargar as geografias das nossas vendas e não ficarmos reduzidos à Europa”, atira.
Sobre as mudanças introduzidas pela nova administração republicana, o líder da empresa, que conta atualmente com cerca de uma centena de trabalhadores e fatura sete milhões e meio, diz que “a questão das tarifas penso que hoje são impostas, amanhã são retiradas. Mais cedo ou mais tarde, Trump vai perceber que só vai levar a inflação interna”.
Com uma fábrica também localizada em Guimarães, a Penha refere que está a “ter bons resultados com coisas que começam a desenvolver nos EUA”, conta Armindo Novais. Com uma capacidade de produção diária de 550 pares de sapatos, a empresa criada em 1967 também está a colocar parte das suas fichas na Ásia, nomeadamente no Japão, e no Norte da Europa. “Essas coisinhas todas juntas vêm colmatar a baixa de outros mercados. Com a entrada de mercados novos conseguimos equilibrar em termos produtivos e de faturação o ano”, explica Armindo Novais. “O que os mercados europeus perderam, essa diferença conquistamos noutros mercados”, reconhece o dono da empresa.
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Focado na Europa continua Reinaldo Teixeira, dono da Carité Calçados. O histórico empresário de Felgueiras, que emprega mais de 650 pessoas, prepara-se para fechar as contas de 2024 com uma faturação de 43 milhões de euros, um crescimento de 14% face aos 37,7 milhões registados em 2023. Um resultado que atribui às encomendas “mais estáveis”. “Estamos organizados, temos menos perdas [na produção]”, justificou. Em relação à presença na maior montra do calçado do mundo, Reinaldo Teixeira não vê este evento como uma necessidade para angariar novos clientes. “Não vemos necessidade extrema de arranjar negócio”, aponta.
Com um cliente no mercado alemão a representar 80% da sua produção e os Países Baixos a pesarem 18% das vendas, a Carité continua a olhar para o mercado americano, onde quer entrar com as duas marcas próprias: J. Reinaldo (segmento moda) e Tentoes (técnico e profissional). “Queria ver se metia lá sapatos profissionais”, diz, adiantando que não acredita que os EUA aumentem tarifas sobre as importações de calçado nacional. “Eu não estou a ver os Estados Unidos a aumentar-nos a nossa taxa, que são 10%. Portugal não conta para eles“.
Quanto a resultados, em equipa que ganha não se mexe: “Nós temos um ano já projetado, pelo menos até agosto já está resolvido”, esclarece. Depois de um ano “excelente”, “se conseguir andar ali a rondar o 2024, já fico felicíssimo”, diz o CEO da Carité.
(A jornalista viajou para Itália a convite da APICCAPS)
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