
Pró-Presidenciais
Com a presença do Almirante, os partidos desistiram de ganhar as eleições. Aguardam apenas por uma surpresa na grande contabilidade eleitoral da segunda volta.
Todo o debate sobre as Presidenciais é uma bizarria sem fim. Começa-se com um ano de antecedência, sem motivo, sem razão, sem programa, apenas com as ambições excelentes dos candidatos. Todos se julgam indispensáveis à nação que espera por eles com a antecipação do tédio. Parece que em virtude do vazio da política nacional, o país político resolve antecipar as Presidenciais como solução para o impasse da política executiva. É um expediente como outro qualquer. Enchem-se os candidatos de orgulho patriótico e responsabilidade democrática e propõem-se presidir a um país que já não existe e a outro país que ainda não existe. Pois daqui a um ano o país e o mundo serão bem diferentes. As Presidenciais são uma ficção fantasiosa que ameaça Portugal com histórias de embalar.
É comovente observar tantos cidadãos democráticos, altruístas, conscienciosos, em reflexão pessoal sobre a suposta utilidade de uma candidatura como contribuição para o progresso nacional. Todos estão dispostos ao derradeiro sacrifício para a aventura nacional, dispostos a transformar Portugal numa fábrica de justiça e num complexo de bem-estar. É como se a Presidência da República fosse o Clube dos Presidentes Vivos quando tudo se resume ao Clube dos Presidentes Mortos – fisicamente mortos, socialmente mortos, politicamente no purgatório. O grande motivo para toda esta precipitação e impaciência reside no cansaço que o actual Presidente causa nas hostes partidárias e no português comum. O purgatório do Presidente é o purgatório nacional de um país que já não lhe reconhece autoridade nem lhe tolera o excesso da palavra nem compreende a leveza etérea de uma proximidade artificial. Marcelo já não é Presidente pois limita-se a esgotar o tempo que lhe resta. No fundo, o actual Presidente da República transformou-se numa selfie. Portugal é o único país da Europa que tem como Presidente da República uma selfie. É bom para o turismo e para a circulação dos cruzeiros.
A questão partidária também tem a sua particular contribuição para a aceleração do calendário. Quando não existem visões políticas na oposição, quando não existe uma ideia de país no Governo, quando a degradação do debate político conhece os esconsos do insulto, da vulgaridade, do pequeno crime insalubre, os partidos alimentam a ficção das Presidenciais para alívio interno e para ganhar tempo. Ganhar tempo significa apenas durar nos cargos até ao momento das próximas eleições. Deste modo, a soirée política continua na rotina acéfala dos dias e os partidos aguardam que as reflexões pessoais dos candidatos se consolidem e se apresentem à nação. Neste ponto reside um outro equívoco político sobre as Presidenciais, uma espécie de espelhos e fumos para esclarecer os portugueses enquanto se engana os portugueses.
Em bom rigor, os candidatos nas suas reflexões pessoais estão apenas a aguardar pelas decisões partidárias quanto ao perfil do candidato mais desejado ou mais conveniente. Do mesmo modo, os partidos estão apenas a aguardar a engenharia política pessoal dos candidatos na construção de um perfil adequado à reunião de apoios e à aprovação da candidatura. O processo das Presidenciais é uma comédia de enganos pois nada é genuíno, tudo não passa de uma simulação política para sugerir transparência, independência, autonomia da sociedade civil. Na realidade todo o processo é partidário até à medula e tem como propósito político ganhar as eleições Presidenciais. Tentar fazer passar a ideia de que a Presidência da República é a consciência da nação em movimento é um exercício calculista e cínico.
Perante este cenário surge então a figura do Almirante. Como não é político, como não pretende o apoio condicional dos partidos, como tem toda uma carreira militar feita com base na vinculação patriótica, o Almirante é o único candidato que acredita que a palavra do Presidente é a palavra da República. Ponto final. O Almirante pretende o voto dos portugueses porque acredita que os partidos não são donos do voto dos portugueses. Neste sentido, os partidos viciados na “estupidez democrática” e nos vícios de aparelho, pensam que o Almirante é um epifenómeno passageiro e uma moda anti-democrática. Resulta apenas que estão distraídos.
O Almirante tem o perfil típico dos Presidentes militares que se colocam acima dos partidos e ao lado da nação. O modelo de Presidente da República em questão projecta sobre o espaço partidário um escrutínio moral, uma avaliação política constante sobre as promessas eleitorais, dois critérios essências ao Almirante para a demissão do Governo. Definitivamente, o Almirante pretende incutir um módico de autoridade num regime democrático onde a auto-gestão dos interesses selvagens domina a paisagem democrática. Os partidos parecem já ter interiorizado esta “nova moderação democrática”, de tal modo que aguardam candidaturas para concorrer à segunda volta.
Com a presença do Almirante, os partidos desistiram de ganhar as eleições. Aguardam apenas por uma surpresa na grande contabilidade eleitoral da segunda volta. Uma segunda volta para um país de segunda.
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