E se o Canadá for europeu?

É mais o que nos une, do que aquilo que nos separa e se queremos ser competitivos e uma força capaz de garantir a paz, teremos mesmo de olhar em nosso redor e encontrar novos aliados

O projeto europeu define-se pelas suas fronteiras geográficas e naturais, ou pelos seus valores e objetivos comuns? Não tenho dúvidas que a resposta não passa pelas fronteiras ou pela geografia, mas por um ideal de paz, prosperidade e desenvolvimento comum. Aliás, a adesão do Chipre em 2004 e as candidaturas da Turquia e da Geórgia deviam ser o maior exemplo disso mesmo.

Então, e se o Canadá não fosse o 51º estado norte-americano, mas o 28º Estado-Membro da União Europeia? Como é evidente, a ideia não é minha e tem ganho eco na imprensa internacional nas últimas semanas. Nestes parágrafos que se seguem, vou ignorar a profunda improbabilidade desta empreitada, apresentando apenas o que tanto os povos europeus, como o povo canadiano, teriam a ganhar com este alargamento.

Num momento em que Trump aperta o cerco à Gronelândia e a sua readesão à UE é uma possibilidade, em que as autoridades islandesas admitem um referendo à entrada na União para 2027 e em que os processos de adesão dos países dos Balcãs Ocidentais e da Ucrânia avançam significativamente; o assédio da administração americana às instituições canadianas dever-nos-ia fazer colocar esta hipótese em cima da mesa.

Numa altura em que a NATO volta ao seu estado de “morte cerebral”, citando o Presidente Macron de 2019, a adesão canadiana ao projeto europeu facilitaria o aparecimento de um bloco militar e geográfico alternativo com significado. A ideia poderia passar por um exército ‘europeu’ (nesta circunstância o ‘europeu’ teria de ser substituído por ‘atlantista’, ou algo do género) na base de uma cooperação reforçada por parte dos países que quisessem ser parte integrante. Deve-se lembrar que a Irlanda, a Áustria, Malta e Chipre não fazem parte da NATO.

Talvez não saibam que o Canadá é o segundo maior país do mundo, apenas menor que a Rússia e com sensivelmente o dobro da área da União Europeia. Ao mesmo tempo, tem apenas menos de 10% da nossa população, tendo apenas 4 vezes mais habitantes que Portugal. Para além disto, passaria automaticamente a ser o nono maior PIB per capita em PPC, bem como o oitavo maior IDH da União Europeia.

Da mesma forma, o Canadá é o terceiro país com maiores reservas de petróleo do mundo, com mais de 10% das reservas de barris globais, bem como o terceiro maior exportador mundial de trigo e o nono maior exportador de bens agrícolas. Neste sentido, os desafios para a UE seriam notáveis, tanto pela gestão de energia mais barata, ainda que mais poluente, em seu território, como para a sustentabilidade económica e política da PAC.

Reforço ainda que o Canadá é uma Monarquia Constitucional e continua a ter como seu Chefe de Estado o Rei de Inglaterra. A adesão reaproximaria a UE da coroa britânica e reacenderia, certamente, o debate sobre o regresso do Reino Unido ao projeto europeu, crucial para a afirmação militar e económica da Europa.

Por outro lado, nós, europeus, podemos oferecer ao Canadá aquilo que mais lhe falta: pessoas. Se hoje o Canadá ainda é a nona maior economia do mundo, projeta-se que, em 2100, possa estar apenas entre as 20 maiores. Aí, apenas uma União Europeia coesa e abrangente poderá disputar posições e liderança, nas suas mais variadas formas, com a China, os EUA e a Índia. Temos a oferecer um projeto assente num Estado social forte, uma moeda mais robusta e ainda as características significativas inovações na regulação.

John Lennon diria ‘You may say I’m a dreamer’, mas os desafios geopolíticos e económicos das próximas décadas serão brutais. Só com um mundo Atlântico unido e disponível poderemos enfrentá-los. Este texto serviu, apenas, como exposição de um caminho, mesmo que improvável ou não crível. No mundo que se desenha, esta pode não ser uma ideia tão absurda quanto parece.

No entanto, de algo estou certo, é mais o que nos une, do que aquilo que nos separa e se queremos ser competitivos e uma força capaz de garantir a paz, teremos mesmo de olhar em nosso redor e encontrar novos aliados ou reforçar as amizades com os povos irmãos.

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