
A importância da participação política dos imigrantes na sua integração, a começar já nas autárquicas
Portugal pode liderar a integração política e social de imigrantes e mostrar à Europa como se pode atingir um desenvolvimento mais harmonioso, reduzindo a mesmo tempo discursos populistas e extremismo
Uma recente análise do Gabinete de Estudos da FEP – Faculdade de Economia do Porto (Flash nº 2/ 2025) aborda a importância do aumento da participação política dos imigrantes em Portugal para promover uma melhor integração social. Estou a falar de direito de voto e, se tiverem direitos políticos mais amplos (após aquisição da nacionalidade portuguesa ou equiparação de direitos políticos, no caso dos brasileiros), também filiação partidária e acesso a cargos eletivos, como deputado do Parlamento ou, considerando as eleições autárquicas próximas, os cargos associados: deputados de Assembleia Municipal ou de Freguesia, vereadores municipais, ou, na representação máxima, presidentes de Junta de Freguesia ou de Câmara.
Uma maior participação eleitoral não só fortalece a Democracia, como também estimula uma maior permanência dos cidadãos estrangeiros no país e reforça o seu contributo para a economia e a Sociedade. Segundo o estudo da FEP, os estrangeiros representavam quase 10% da população residente em 2023, mas somente 0,3% dos recenseados no final de 2024, o que torna esse segmento relevante da população apenas residual em termos eleitorais e, por isso, mais exposto a ataques populistas.
O estudo realça ainda a importância do recrutamento ativo de imigrantes já integrados na Sociedade portuguesa pelos partidos que se preocupam genuinamente com a sua inclusão. Essas ações promovem políticas de integração mais eficazes – quem melhor do que os imigrantes para as desenhar, conhecendo melhor os problemas no terreno– e incentivam a participação eleitoral de outros imigrantes, criando um ciclo virtuoso de inclusão. Com efeito, uma maior participação política dos cidadãos estrangeiros torna esse segmento eleitoral mais relevante, colocando as suas necessidades na agenda política – o que suscita políticas públicas mais eficazes para resolver os problemas, sobretudo se imigrantes bem integrados estiverem envolvidos – e reduz muito a margem para discursos populistas sobre imigração, pois não apenas terão maiores custos eleitorais, como tenderá a haver menos problemas e insatisfação a explorar.
A participação política dos imigrantes faz parte de um processo de integração bem-sucedido, como salienta o “Plano de Ação para a Integração e a Inclusão 2021-2027” da Comissão Europeia. A participação eleitoral dos imigrantes é maior em países mais avançados, como Dinamarca, Bélgica e Canadá, mostra o estudo da FEP. É, por isso, de supor que a integração económica e social é mais rápida e eficiente nos países onde é promovida a participação política dos imigrantes. Por outro lado, a participação dos estrangeiros em atos eleitorais é geralmente inferior à dos nativos, o que também se confirma em Portugal. A questão é que os portugueses nascidos cá não dão um bom exemplo aos estrangeiros, pois a sua participação eleitoral está abaixo da média europeia para os nativos. Ou seja, precisamos de uma maior sensibilização para a participação eleitoral dos cidadãos em geral e dos imigrantes em particular.
Além disso, a filiação partidária de imigrantes nos países da OCDE tende a ser ainda mais residual que o recenseamento e participação eleitoral, aponta o relatório de “Indicadores de Integração dos Imigrantes 2023” da OCDE e Comissão Europeia. No caso de Portugal, admite-se que a filiação seja residual ou mesmo nula, pelo que este será um tema que os partidos devem introduzir na sua agenda e rapidamente.
Para já, com as eleições autárquicas a aproximarem-se, é essencial que os partidos políticos e a Comissão Nacional de Eleições (CNE) adotem, pelo menos, medidas concretas para promover o recenseamento eleitoral e o uso do direito de voto entre os imigrantes. O voto não é apenas um direito; é também um instrumento fundamental de participação cívica e de integração na Sociedade portuguesa.
Informação sobre direitos políticos dos imigrantes, a começar pelo voto: o papel dos partidos e da CNE
Um dos principais desafios enfrentados pelos imigrantes na sua participação política é a falta de informação clara e acessível sobre os seus direitos políticos, nomeadamente o de voto. Muitos desconhecem que podem votar em determinadas eleições ou como proceder para se recensear. Para mudar essa realidade, é fundamental a disseminação de materiais informativos em português, inglês e nas línguas das principais comunidades imigrantes do país. Isso garantiria que uma grande maioria das comunidades estrangeiras residentes tivesse acesso (pelo menos) à informação necessária para votar.
O Flash nº 2 de 2025 do Gabinete de Estudos da FEP apresenta informação relevante sobre os direitos políticos dos imigrantes em Portugal, que até são bastante extensos, pelo que o seu potencial político é bastante relevante (ainda que não esteja a ser aproveitado de momento, como referido) – ver Figura 1.
Figura 1. Potencial político dos estrangeiros em Portugal por país de origem em 2023 e timing de acesso: voto (por tipo de eleição) e direitos políticos amplos (voto e acesso a cargos eletivos) via naturalização
Fonte: Flash nº 2/ 2025 do Gabinete de Estudos Económicos, Empresariais e de Políticas Públicas da FEP (G3E2P) – reprodução da Figura 3 do Flash. Notas: * EIDP = Estatuto de Igualdade de Direitos Políticos concedido a brasileiros após 3 anos de residência legal em Portugal mediante requerimento – mais detalhes nas notas de enquadramento no final do Flash. O grupo de 9 países engloba: Argentina, Chile, Colômbia, Islândia, Noruega, Nova Zelândia, Peru, Uruguai e Venezuela.
É crucial que as campanhas de informação e sensibilização dos partidos políticos e da CNE sejam realizadas em diferentes meios, incluindo redes sociais, centros comunitários, escolas e locais de trabalho. Experiências internacionais mostram que programas de educação cívica dirigidas aos imigrantes contribuem significativamente para o aumento da taxa de participação eleitoral.
A promoção da participação política dos imigrantes – e dos cidadãos em geral, pois temos taxas de participação baixas no contexto europeu, como referido, pelo que a subida nas últimas eleições legislativas tem de ser analisada em contexto e não como um novo padrão – deve ser uma prioridade dos partidos políticos e da CNE. Além de campanhas institucionais, é importante que os partidos envolvam diretamente as comunidades estrangeiras, promovendo encontros, debates e acesso a materiais informativos claros e em múltiplas línguas, como referido. A atenção deve ainda recair nos descendentes de imigrantes (2ª geração e seguintes), que podem influenciar as primeiras gerações. De realçar também a necessidade de uma especial atenção das autoridades aos cidadãos mais vulneráveis em geral, como os idosos e deficientes, que poderão precisar de apoio para se deslocarem às mesas de voto. Numa sociedade cada vez mais envelhecida, que requer cada vez mais imigrantes, é importante assegurar que os mais idosos continuem a participar nas eleições e incitar os jovens adultos e os imigrantes a fazê-lo.
O recenseamento eleitoral dos imigrantes deve ser estimulado para poderem participar já nas próximas eleições autárquicas, mas também noutras eleições subsequentes, como as europeias, dependendo do país de origem e acordos de reciprocidade existentes. Por exemplo, os cidadãos de outros países da União Europeia recenseados podem votar imediatamente em ambas as eleições, como mostra a Figura 1.
O voto nas eleições legislativas, presidenciais e regionais (ilhas dos Açores e Madeira) é mais restringido, mas também acessível após a aquisição da nacionalidade – possível após 5 anos de residência legal, no caso da naturalização, que é a via de aquisição mais frequente (quase 80% dos casos) – ou equiparação de direitos políticos no caso de cidadãos brasileiros, que pode ser requerido após 3 anos de permanência. De notar que esses direitos políticos mais amplos acessíveis aos cidadãos estrangeiros são quase idênticos aos dos nascidos em Portugal, apenas não podendo concorrer ao cargo de Presidente da República (reservado aos portugueses de origem pelo artigo 122º da Constituição da República Portuguesa).
O potencial eleitoral dos imigrantes: 10% de residentes estrangeiros poderiam eleger 23 deputados
A filiação dos imigrantes nos partidos políticos portugueses é marginal ou inexistente, à semelhança do que sucede no resto da Europa, refere o estudo da FEP. Se os partidos políticos recrutassem ativamente imigrantes para representar os cerca de 10% de residentes estrangeiros, então 23 deputados eleitos seriam de origem estrangeira (com direitos políticos), distribuídos pelos principais partidos (8 no PSD e no PS, 5 no Chega e 1 na IL e no BE), segundo o estudo.
Naturalmente, trata-se de uma simulação com várias assunções, apenas para demonstrar o potencial eleitoral que os cerca de 10% de residentes estrangeiros em 2023 podem atingir após alguns anos, admitindo que adquirem a nacionalidade, nomeadamente via naturalização, não saem do pais (o que exige melhores políticas de integração) e podem ser mobilizados para votar.
A ideia é salientar que os partidos que se esforcem por apelar à participação eleitoral dos imigrantes e recrutem militantes estrangeiros com direitos políticos – com capacidade de mobilização dessas comunidades e ideias válidas de melhores políticas de integração – podem, no limite, aumentar a prazo o número de deputados em 23, admitindo que toda essa comunidade estrangeira irá votar, sublinho. Os partidos com discursos populistas perderiam o acesso a este segmento eleitoral ainda inexplorado, reduzindo o número de deputados, pois a sua base de apoio ficaria diluída num universo eleitoral maior.
A repartição dos 23 deputados em proporção da atual distribuição por grupos parlamentares feita no estudo (última figura) assume, assim, que a partir do momento em que a comunidade imigrante ganhe expressão eleitoral, todos se esforcem por chegar a esse eleitorado, acabando o populismo sobre o tema.
Até poderia bastar um deputado estrangeiro por partido para mobilizar o voto de muitos outros, mas como temos muitas comunidades imigrantes (num total de 185 nacionalidades, refere o estudo da FEP), é logico que fosse preciso uma representação maior para chegar a todo esse eleitorado – poderia até haver uma especialização dos partidos por comunidades imigrantes face aos deputados estrangeiros escolhidos –, é isso que se pretende evidenciar, estando estas explicações implícitas no estudo.
Como nota adicional, há uma outra simplificação nessa análise, pois não vai ao detalhe dos círculos eleitorais por distrito e sabemos da concentração de imigrantes nas duas grandes áreas metropolitanas, sobretudo a de Lisboa. Devido ao modo como o nosso sistema eleitoral está desenhado, é natural que os maiores partidos conseguissem mais facilmente aceder ao segmento eleitoral de 10% de estrangeiros espalhados pelos vários distritos e fosse difícil aos partidos mais pequenos conseguir eleger o seu deputado estrangeiro para o Parlamento, mas tal não altera as principais conclusões da simulação.
Assinalo ainda que o referido potencial eleitoral pode até já ser maior ao dia de hoje, admitindo que o número de estrangeiros e o seu peso na população residente terá aumentado desde 2023.
Benefícios de uma maior inclusão política na Democracia, economia e Sociedade
Conclui-se que uma maior participação política dos estrangeiros residentes traria benefícios tanto para os próprios como para o conjunto da sociedade portuguesa, retirando lastro ao populismo em torno do tema da imigração. O envolvimento cívico e político fortalece a Democracia e fomenta a integração social dos imigrantes – crucial para a sua permanência e contributo para o crescimento da economia, realçado numa outra publicação do Gabinete de Estudos da FEP –, aumentando as hipóteses de que as necessidades e preocupações dessas comunidades sejam devidamente representadas nas instâncias de decisão política.
Portanto, é imperativo que se tomem medidas concretas para remover os entraves à participação política dos estrangeiros, a começar pela promoção do recenseamento e exercício de direito ao voto já nestas eleições autárquicas, mas também o recrutamento ativo pelos partidos políticos de cidadãos estrangeiros integrados e com direitos políticos amplos, sem esquecer que a maioria dos estrangeiros com nacionalidade portuguesa (incluindo os naturalizados) reside no estrangeiro, o que alarga o mercado de recrutamento. A maioria de nacionalizados no exterior mostra a dificuldade de retenção de imigrantes, sendo mais um motivo para acelerar a sua integração na Sociedade, incluindo pelo maior envolvimento a nível político. A Democracia portuguesa só tem a ganhar com uma participação política mais ampla e diversa, efetivando a muito propalada, mas pouco concretizada, “abertura dos partidos à Sociedade”. Chegou o momento de garantir que todas as vozes sejam ouvidas, e que todos os cidadãos, independentemente da sua origem, tenham a oportunidade de influenciar o futuro do país onde vivem.
De forma conexa, acelerar o reconhecimento de graus académicos e competências dos imigrantes é fulcral para a sua integração económica e intervenção política. Uma reportagem recente mostrou fortes entraves para os médicos imigrantes exercerem cá a sua profissão, quando o pais precisa tanto de médicos.
Portugal pode liderar a integração política e social de imigrantes e mostrar à Europa como se pode atingir um desenvolvimento mais harmonioso, reduzindo a mesmo tempo discursos populistas e extremismos.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
A importância da participação política dos imigrantes na sua integração, a começar já nas autárquicas
{{ noCommentsLabel }}