
Trumpcession: Inevitável? O preço da Trumpeconomics?
Era expectável que a agenda de Trump tivesse impacto na economia a curto prazo devido às tarifas, mas talvez não de forma tão abrupta.
Há dois anos, em 2023, muitos economistas, eu incluído, estavam convencidos de que os EUA caminhavam para uma recessão inevitável. O elevado nível de alavancagem da economia seria penalizado pelo gradual aperto da política monetária do banco central dos EUA (Fed), ditado pela elevada inflação. A subida das taxas de juro e a redução do balanço da Fed, diminuindo a liquidez, deveriam travar o consumo e o investimento, mergulhando o país numa contração económica.
Contudo, essa recessão nunca se materializou, uma vez que uma conjugação de fatores alterou o rumo da economia, incluindo a descida dos custos energéticos, nomeadamente do gás natural, uma política fiscal fortemente pro-cíclica da administração Biden, sustentada por défices orçamentais de 6%, e um desempenho excecional das bolsas que sustentaram a expansão através do ‘efeito riqueza’.
As empresas, sobretudo as grandes empresas, têm beneficiado de emissões de dívida a taxas de juro próximas de 0%, realizadas ao longo de mais de uma década. Enquanto esses títulos não atingirem a maturidade e forem refinanciados às taxas atuais de 4%, o impacto no custo do capital será reduzido. Além disso, se essas empresas tiverem tesouraria disponível, podem aplicá-la nos fundos monetários e junto da Fed, obtendo um retorno de 4,3%. O S&P 500 valorizou quase 50% em apenas dois anos, entre 2023 e 2024, impulsionando a confiança de consumidores e empresas através do ‘efeito riqueza’ e contrariando as previsões mais pessimistas. A grande questão agora é se este cenário foi apenas um adiamento da recessão ou se estamos perante uma mudança estrutural mais profunda na economia dos EUA.
Mudança de sentimento e risco de contração
Nas últimas duas semanas, as obrigações do Tesouro americano de longo prazo superaram significativamente o S&P 500 e o Nasdaq, refletindo os fracos dados económicos dos EUA. A reforçar essa tendência desfavorável, desde 20 de fevereiro, o rendimento dos títulos soberanos americanos a 10 anos caiu 40 pontos base, e o mercado espera agora três cortes das taxas de juro pela Fed em 2025, reduzindo-as para 3,75%. Em janeiro, a principal preocupação era a inflação impulsionada pelas tarifas, um receio que surgiu logo em novembro, aquando da eleição de Trump. No entanto, nos últimos quinze dias, o foco mudou e a economia passou a ser o centro das atenções.
Uma economia fragilizada é a maior ameaça para os mercados acionistas. Entre uma economia fraca e uma inflação elevada, a primeira é sempre mais prejudicial. A inflação pode, por vezes, impulsionar as ações, uma vez que tende a acompanhar o aumento do PIB nominal. Em 2022 e 2023, esse efeito verificou-se porque a principal fonte de inflação veio dos lucros das empresas, um fenómeno conhecido como greedflation. Além disso, as grandes empresas cotadas tendem a ter pricing power, permitindo-lhes transferir os custos para os consumidores. Como resultado, não só preservaram as margens de lucro em 2022 e 2023, como ampliaram os lucros, pois, com uma base de receitas maior, mesmo mantendo as margens, conseguiram gerar lucros superiores.
Os dados macro têm enfraquecido rapidamente
O modelo GDPNow da Fed de Atlanta sinaliza agora uma deterioração mais profunda da economia. A estimativa para o crescimento anualizado dos EUA no primeiro trimestre de 2025 caiu acentuadamente, de +2,3% na segunda metade de fevereiro para -2,8% no início de março. Trata-se da contração mais rápida prevista por este modelo desde o confinamento generalizado de 2020. Há um mês, o modelo ainda apontava um crescimento de +4% para o período de janeiro a março. A contração para -1,5% registada a 28 de fevereiro foi impulsionada, em grande parte, pelo défice comercial recorde de 153 mil milhões de dólares em janeiro, reflexo da antecipação de importações antes da implementação de tarifas. Todavia, caso o défice tivesse seguido a tendência habitual, o PIB teria recuado na mesma, mas de forma menos acentuada, até porque, nesse mesmo dia, outro fator preocupante foi a queda do consumo privado, com as despesas dos consumidores a diminuírem 0,2% em janeiro – a maior descida desde fevereiro de 2021.
Já a contração para -2,8% registada a 3 de março resultou da fraca atividade manufatureira, com um recuo significativo nas perspetivas de emprego e encomendas no setor industrial. O consumo, que representa mais de dois terços da economia dos EUA, sofreu uma descida abrupta nesses dois momentos. A 28 de fevereiro, a sua contribuição para o PIB já tinha caído de 1,53 pontos percentuais para 0,87. Com a nova atualização de 3 de março, a variação tornou-se praticamente nula (0,01 pontos percentuais), deixando de impulsionar o crescimento económico. Ou seja, mesmo que o défice comercial tivesse mantido a sua tendência anterior, o PIB estimado pelo modelo GDPNow da Fed de Atlanta teria caído na mesma dos +2,3%, aproximando-se de 0%, penalizado pelo abrandamento do consumo.
Os sinais de deterioração do sentimento do consumidor são evidentes. O índice do Conference Board atingiu o nível mais baixo desde junho de 2024. Já o sentimento do consumidor da Universidade de Michigan caiu para o nível mais baixo desde novembro de 2023, penalizado pelo aumento das expectativas de inflação para os próximos 12 meses, que subiram de 2,8% para 3,3%. Além disso, a gigante do retalho Walmart alertou para um ano difícil pela frente, reforçando os receios sobre o consumo. Por fim, as vendas a retalho, o principal indicador da confiança do consumidor americano, registaram uma contração de 0,9% em janeiro, a maior desde março de 2023, confirmando o arrefecimento da procura interna. Dado este contexto, a descida do índice de surpresas económicas dos EUA do Citi para território negativo, atingindo o nível mais baixo desde setembro, surge como um reflexo natural dessa tendência.
O ‘Índice Económico Semanal’ da Fed de Dallas, publicado a 27 de fevereiro, apontou para um crescimento do PIB de 2,37% na semana encerrada a 22 de fevereiro, enquanto o da Fed de Nova Iorque desceu de 3% para 2,9% na atualização de 28 de fevereiro. No entanto, as estimativas em tempo real do GDPNow da Fed de Atlanta são historicamente as mais fiáveis entre esses modelos, e os números negativos não surgiram do nada. Muitos indicadores económicos qualitativos, como inquéritos de sentimento, têm-se mostrado extremamente fracos nas últimas semanas, e até alguns indicadores de atividade económica concreta começam a dar sinais de alerta.
O Papel da Trumpeconomics na desaceleração
A incerteza gerada pela agenda económica de Donald Trump, incluindo o protecionismo comercial, a aproximação à Rússia e os cortes nos gastos federais pelo Departamento de Eficiência Governamental (DOGE), está a pesar no crescimento económico.
O ‘efeito riqueza’ tende a desaparecer e, mais do que isso, a tornar-se um fator desfavorável à medida que os mercados acionistas recuam, gerando um impacto negativo na economia. Os mercados sinalizam problemas, com o Nasdaq a cair 10% desde 19 de fevereiro e as Big Tech a sofrerem ainda mais. Os investidores procuram refúgio nos títulos do Tesouro, corroborando a queda do rendimento a 10 anos em 60 pontos base desde janeiro, enquanto o rendimento a dois anos desceu abaixo de 4%. Este efeito é relevante, uma vez que os 10% mais ricos, responsáveis por metade do consumo, detêm grandes participações em ações. Se Wall Street continuar a desvalorizar, é provável que reduzam os seus gastos.
Era expectável que a agenda de Trump tivesse impacto na economia a curto prazo devido às tarifas, mas talvez não de forma tão abrupta. Se as suas políticas forem implementadas de maneira desorganizada, a Fed poderá ser forçada a cortar as taxas de juro já no segundo trimestre. O ciclo de cortes encontra-se suspenso, mas uma eventual “Trumpcession” pode desencadear uma nova ronda de descidas das taxas de juro por parte da Fed.
Mas então, qual é a maior preocupação dos empresários, além da incerteza sobre as tarifas, ao ponto de afetar o consumo nos EUA? Para além de alguns fatores determinantes, as taxas de juro, que subiram de cerca de 0% para 4,5%, começam agora a ter impacto. De repente, tanto os dados económicos como os mercados financeiros dos EUA parecem convergir para um cenário mais desfavorável.
A política fiscal pró-cíclica da era Biden está a dar lugar a cortes nos gastos governamentais, enquanto a Europa e a China assumem um papel mais ativo no estímulo económico. A Alemanha, por exemplo, prepara-se para lançar um pacote financeiro de 500 mil milhões de euros ao longo da próxima década, equivalente a 12% do PIB alemão, o que tem impulsionado os mercados acionistas europeus. O DAX, em particular, valorizou mais de 15% desde o início do ano, atingindo sucessivos máximos históricos, tendo registado um forte avanço de quase 3,5% no dia 5 de março.
Muitas empresas e famílias que aproveitaram as taxas de juro historicamente baixas de 2020 e 2021 enfrentam agora um novo desafio: à medida que esses empréstimos vencem, precisam de contrair novos créditos a taxas substancialmente mais elevadas (o chamado rollover), o que poderá restringir o consumo e pressionar os lucros empresariais. Paralelamente, a gradual saída de imigrantes ilegais, que desempenhavam muito trabalho braçal, está a aumentar os custos laborais. Como consequência, as famílias americanas, ao lidarem com despesas mais elevadas, tendem a reduzir o consumo noutras áreas.
A reeleição de Trump e as suas políticas estão a criar um clima de incerteza, afetando o comportamento dos consumidores e investidores. Este receio pode ter sido intensificado pelo tenso encontro de 28 de fevereiro entre Trump e Zelensky, que aumentou as dúvidas sobre a posição dos EUA na geopolítica global. No entanto, só os próximos dados, a serem divulgados nas próximas semanas, poderão confirmar essa perceção.
Por último, os EUA permanecem profundamente polarizados, o que se reflete nos mais recentes inquéritos de confiança dos consumidores da Universidade de Michigan. Os dados apontam para uma deterioração acentuada das expectativas económicas entre os simpatizantes democratas, enquanto os republicanos demonstram algum otimismo crescente. Este contraste reforça a incerteza sobre a trajetória da economia americana e pode afetar negativamente o consumo e a atividade económica, num momento já marcado por desafios significativos. Em suma, os norte-americanos que não confiam na governação de Trump e, ao mesmo tempo, temem repercussões nas instituições dos EUA estão sem dúvida apreensivos quanto ao futuro e muito provavelmente reduzirão os seus gastos.
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