Em Bruxelas, Montenegro não escapou à crise política no dia em que Conselho deu avanços na defesa

Para os líderes europeus o dia foi de avanço nas primeiras decisões sobre o aumento do investimento em defesa, para Montenegro foi o dia em que o Conselho de Ministros aprovou a moção de confiança.

O primeiro-ministro chegou a Bruxelas no meio da maior crise política do seu Governo, que resultará muito provavelmente em eleições antecipadas. O motivo para a deslocação foi de força maior: um Conselho Europeu extraordinário para colocar a Europa a falar a uma só voz sobre o investimento em defesa.

No entanto, apesar de ter garantido que a iminente queda do Executivo não o fragilizou perante os pares europeus, a moção de confiança acabou por centrar as atenções da passagem de Luís Montenegro ao encontro convocado pelo seu antecessor em Portugal e agora presidente do Conselho Europeu, António Costa, justamente devido também a eleições antecipadas.

Poucas horas após o chumbo da moção de censura do PCP no Parlamento e de ter anunciado que o Governo avançava com uma moção de confiança, na quarta-feira à noite, Montenegro aterrava na capital belga, enquanto em Lisboa o seu ministro da Economia, Pedro Reis, defendia ao Público/Renascença que as eleições podem reforçar a maioria à Aliança Democrática (AD). Essa é, aliás, a convicção entre alguns membros da sua equipa governativa.

Na manhã seguinte, à entrada para o Conselho Europeu, onde trocou impressões com António Costa, reiterou que “era e é desejável que não haja nenhuma perturbação política, mas a democracia tem de funcionar e de ter saída para os seus problemas”, envolvendo “o decisor último, que é o povo”.

Ao fim do dia, em conferência de imprensa (enquanto os líderes europeus começavam a jantar), sem querer falar em ter uma maioria absoluta nas legislativas, mostrou-se convicto que “o povo português tem, por larga maioria, uma satisfação com o caminho de recuperação e transformação que o Governo encetou nos últimos 11 meses“.

Certo é que Montenegro acredita que “a democracia portuguesa tem instrumentos para solucionar os problemas de estabilidade”, acrescentando ser melhor fazê-lo num “período de tempo curto do que estar a prolongá-lo e a tornar um processo de degradação lento”. Prefere assim um “processo mais célere”, tal como o Presidente da República, que atira as eleições antecipadas para 11 ou 18 de maio.

Embora Montenegro dê como adquirido a realização de eleições antecipadas com o chumbo da moção de confiança, enquanto estava reunido no Conselho Europeu, o candidato presidencial Luís Marques Mendes apelou ao Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, para fazer uma “última tentativa” junto do primeiro-ministro e do PS para evitar eleições.

Tive conhecimento muito fugaz de que havia uma proposta no sentido de esgotar todas as diligências, para poder evitar que o país tenha necessidade de auscultação do povo português. Da parte do Governo estamos a fazer aquilo que nos compete”, disse.

Montenegro esclareceu ainda que irá manter-se como líder do PSD: “A situação política é conhecida e a situação do PSD é conhecida. Não vai sofrer em alterações”, afirmou.

Montenegro defende utilização de empréstimos a condições favoráveis

O primeiro-ministro, Luís Montenegro, defendeu que o país deve recorrer ao instrumento extraordinário que a Comissão Europeia propôs no valor de 150 mil milhões de euros para empréstimos a condições favoráveis, à semelhança do programa pandémico SURE.

Evidentemente que Portugal deve aproveitar a oportunidade de poder ter empréstimos e poder ter um mecanismo de flexibilidade para utilizar, sem colocar em causa a trajetória” das contas públicas, afirmou, na conferência de imprensa dominada por questões sobre a situação nacional, onde apenas duas perguntas foram relacionadas com o tema do Conselho.

Enquanto o primeiro-ministro falava com jornalistas eram divulgadas os textos do Conselho Europeu sobre o investimento em defesa, assinado por 27 países, e sobre a situação na Ucrânia, assinado por 26 Estados-membros.

Na cimeira extraordinária, que contou com a presença física do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, os líderes europeus acordaram acelerar a mobilização do financiamento para reforçar o investimento em defesa, apoiando o plano “Rearmar a Europa”.

Acolhendo com “satisfação” a recomendação da Comissão de “ativação, de forma coordenada, da cláusula de escape nacional sob o Pacto de Estabilidade e Crescimento como uma medida imediata”, os líderes pediram, contudo, ao executivo comunitário que “explore outras medidas, levando em consideração as opiniões do Conselho, ao mesmo tempo em que garante a sustentabilidade da dívida, para facilitar gastos significativos com defesa em nível nacional em todos os Estados-membros”.

Ademais, pediu à instituição liderada por Ursula von der Leyen que proponha “fontes de financiamento adicionais para a defesa “inclusive por meio de possibilidades e incentivos adicionais oferecidos a todos os Estados-membros, com base nos princípios de objetividade, não discriminação e igualdade de tratamento dos Estados-membros, no uso de suas alocações atuais sob os programas de financiamento relevantes da UE, e que apresente rapidamente propostas relevantes”.

Costa, Zelensky, von der LeyenLusa

Destacou ainda a importância de “mobilizar financiamento privado para a indústria de defesa”, pedindo à Comissão que apresente medidas a este respeito, incluindo a sinalização aos investidores privados da importância da indústria de defesa, e identificou como áreas prioritárias para a ação no domínio das capacidades:

  • defesa aérea e antimísseis;
  • sistemas de artilharia, incluindo capacidades de ataque de precisão profunda;
  • mísseis e munições;
  • drones e sistemas antidrones;
  • facilitadores estratégicos, incluindo em relação à proteção do espaço e de infraestrutura crítica;
  • mobilidade militar;
  • cibernética; inteligência artificial e guerra eletrónica;

No entanto, no que toca ao texto proposto pelo presidente do Conselho sobre a Ucrânia, a posição não foi unânime, já que foi assinado por 26 Estados-membros, com a Hungria a ficar de fora. Os líderes europeus concordaram que “não pode haver negociações sobre a Ucrânia sem a Ucrânia”, “não pode haver negociações que afetem a segurança europeia sem o envolvimento da Europa”, que “qualquer trégua ou cessar-fogo só pode ocorrer como parte do processo que leva a um acordo de paz abrangente” e que “qualquer acordo desse tipo precisa ser acompanhado por garantias de segurança robustas e confiáveis ​​para a Ucrânia que contribuam para dissuadir futuras agressões russas”.

“A paz deve respeitar a independência, a soberania e a integridade territorial da Ucrânia”, pode ler-se.

Em 2025, a União Europeia prevê fornecer à Ucrânia 30,6 mil milhões de euros, com desembolsos do Mecanismo para a Ucrânia e ao abrigo da iniciativa G7 ERA, reembolsados ​​pelos lucros extraordinários decorrentes de ativos russos imobilizados.

“O Conselho Europeu apela à Comissão para que tome rapidamente todas as medidas necessárias para antecipar o financiamento ao abrigo dos instrumentos acima referidos. Também insta a Comissão e os Estados-membros a utilizarem todas as opções ao abrigo do Mecanismo para a Ucrânia para aumentar o apoio financeiro à Ucrânia“, acrescenta.

O tema voltará a fazer parte da agenda do próximo Conselho Europeu, agendado para 20 e 21 de março.

*Em Bruxelas. A jornalista viajou a convite do Conselho da União Europeia.

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