Moção de confiança ao Governo tem chumbo pré-anunciado. Partidos já entraram em campanha eleitoral

Parlamento debate e vota esta terça-feira a moção de confiança. Com eleições pré-anunciadas, líderes políticos procuram controlar narrativa e atiram responsabilidades.

O país entra esta terça-feira num novo capítulo quando os partidos votarem a moção de confiança ao Governo liderado por Luís Montenegro. Menos de um ano depois de tomar posse, o país prepara-se para ir a votos apesar de o Executivo e o maior partido da oposição garantirem que não querem eleições.

Sem ninguém a recuar e com o chumbo da moção anunciado, ao longo dos últimos dias os principais atores políticos foram ensaiando o discurso de responsabilização pela crise política e, numa espécie de sprint final, Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos disputaram a atenção dos telespetadores na defesa das suas posições.

Em pouco mais de um mês, o Governo que se esperava em funções pelo menos até à primavera do próximo ano entrou em colapso. O pedido de demissão do secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território, Hernâni Dias – após notícias de que criou duas empresas que alegadamente poderiam beneficiar da Lei dos Solos –, não estancou a polémica e seguiram-se notícias em catadupa sobre os negócios de membros do Governo.

“Foi uma imprudência do senhor secretário de Estado, claro que foi. E foi por isso que ele assumiu a dimensão política dessa ação”, afirmou Luís Montenegro sobre Hernâni Dias.

Contudo, dias mais tarde, foi o próprio que entrou no centro do ‘furacão’, com a empresa familiar Spinumviva e um potencial conflito de interesses com os clientes. Entre estes destaca-se o grupo Solverde, uma vez que, entre 2018 e 2022, ou seja, antes de ser presidente do PSD e primeiro-ministro, Montenegro liderou as negociações com o anterior Governo para estender o contrato de concessão dos casinos de Espinho e do Algarve ao mesmo grupo.

Entre o chumbo da moção de censura do Chega e a inviabilização da moção de censura do PCP, foi conhecido que a empresa recebe mensalmente avenças mensais de vários clientes, entre os quais a Solverde, que paga mensalmente 4.500 euros por prestação de serviços de consultadoria na área de proteção de dados.

Embora o primeiro-ministro recuse revelar a lista de clientes da Spinumviva, a sociedade acaba depois por fazê-lo em comunicado enviado às redações, no qual também divulga o nome dos trabalhadores da empresa. Após o PS anunciar que iria pedir uma comissão parlamentar de inquérito (CPI), Luís Montenegro anunciou a 5 de março a apresentação de uma moção de confiança.

Luís Montenegro, durante o debate da apresentação da moção de censura ao GovernoHugo Amaral/ECO

O que diz a moção de confiança em 5 pontos

  1. “O País precisa de clarificação política e, perante estas circunstâncias, este é o momento de a conseguir. Os grandes desafios internos de Portugal assim o exigem, e o preocupante agravamento do contexto internacional assim o impõe. Permitir o arrastamento do presente cenário seria contrário ao interesse nacional. E o Governo não o pode aceitar”;
  2. “Por mais infundadas que sejam as alegações e por mais clarificadoras que se mostrem as respostas do Governo, parece ter-se entrado numa espiral sem fim, em que qualquer explicação é imediatamente revirada visando suscitar uma nova dúvida sem razão, nem sentido. Esta atitude destrutiva não traz nada de útil ao regime democrático, nem aproveita a Portugal e aos portugueses”;
  3. “Tendo sido levantadas dúvidas sobre a vida profissional e patrimonial do Primeiro-Ministro, este prestou os devidos esclarecimentos e reiterou as medidas adequadas para prevenir qualquer potencial conflitos de interesse”;
  4. “Não tendo sido apontada qualquer ilegalidade, ainda assim, as oposições persistiram em fomentar um clima de suspeição desprovido de bases factuais e sem a mínima correlação com a realidade”;
  5. “Para garantir a estabilidade política efetiva, imprescindível às condições necessárias para que possa prosseguir a execução do seu Programa de transformação do País, é com pleno sentido de responsabilidade e exclusivo foco no interesse nacional que o Governo submete a presente moção de confiança”.
O secretário-geral do PS, Pedro Nuno SantosHugo Amaral/ECO

Qual é o objeto da Comissão Parlamentar de Inquérito?

A CPI imposta pelo PS vai centrar-se no cumprimento do regime de exclusividade pelo primeiro-ministro e as suas obrigações declarativas. Os socialistas voltaram a apelar ao Governo para retirar a comissão de confiança e que o Chefe do Governo se sujeite ao escrutínio, mas garante que voltará a apresentar a iniciativa na próxima legislatura se o Parlamento for dissolvido.

Os socialistas querem:

  • Apurar o papel e a atuação de Montenegro no quadro da Spinumviva, “seja enquanto prestador de serviços, seja enquanto detentor e beneficiário da mesma, durante o exercício de funções“. Assim, pretende verificar “as condições em que se desenvolveu a atividade efetiva da empresa no que respeita aos serviços prestados, aos recursos humanos afetos a esses serviços e à adequação dos valores faturados”;
  • Apurar o cumprimento das obrigações declarativas do primeiro-ministro enquanto titular do cargo político, nomeadamente declarar “os atos e atividades suscetíveis de gerar incompatibilidades e impedimentos, que compreende a identificação dos atos que geram, direta ou indiretamente, pagamentos, incluindo identificação das pessoas coletivas públicas e privadas a quem foram prestados os serviços”;
  • Apurar o cumprimento das regras do Código de Conduta do Governo, bem como “dos demais regimes jurídicos relevantes, designadamente o Código do Procedimento Administrativo, na avaliação, prevenção e eliminação da existência de conflito de interesses em relação aos clientes com os quais foram mantidas relações comerciais” pela Spinumviva.

O que respondeu Montenegro aos partidos

O primeiro-ministro nega qualquer mistura entre a atividade empresarial e política, garantindo que a angariação de clientes para a Spinumviva foi feita, primeiramente, do conhecimento dos sócios da empresa e, posteriormente, através do ‘passa palavra’ dos próprios clientes. Luís Montenegro continua sem discriminar os montantes recebidos por data e clientes.

As posições constam das respostas às perguntas dos grupos parlamentares do Chega e do Bloco de Esquerda, remetidas na segunda-feira à tarde ao Parlamento pelo gabinete de Montenegro. Nos documentos, o primeiro-ministro defende que a passagem das suas quotas da Spinumviva à mulher foi legal e não cometeu (nem a empresa) qualquer crime de procuradoria ilícita.

Montenegro vs Pedro Nuno Santos: o que disseram na véspera da moção

Pedro Nuno Santos acusou Luís Montenegro de um “pedido de demissão cobarde” ao apresentar a moção de confiança ao Governo, sabendo de antemão que a maioria dos partidos ia chumbar a proposta. E o secretário-geral do PS não mostrou receio de avançar para eleições antecipadas apesar das sondagens desfavoráveis.

“O primeiro-ministro, quando apresenta uma moção de confiança, sabe qual vai ser o voto do PS e da maioria do parlamento. Mesmo assim decidiu levar. (…) Não é bem uma moção de confiança, é um pedido de demissão cobarde”, disse o líder socialista, esta segunda-feira, em entrevista à SIC.

Pedro Nuno Santos considerou que o primeiro-ministro “não teve coragem de assumir as consequências do que aconteceu”, “pediu a demissão” e agora quer “transportar para a oposição aquilo que era a sua responsabilidade”. E lembrou uma frase de Francisco Sá Carneiro: “A política sem risco é uma chatice e sem ética é uma vergonha”.

Minutos depois da entrevista do socialista, foi a vez de Luís Montenegro entrar nos ecrãs dos portugueses e revelar que continuaria a ser candidato às legislativas mesmo que seja constituído arguido e reiterou que não cometeu nenhum crime. “Avanço com certeza“, disse o chefe do Governo em entrevista à TVI/CNN, quando questionado sobre se manteria a candidatura a primeiro-ministro caso a Justiça o constituísse arguido.

A menos de 24 horas do debate e votação da moção de confiança no Parlamento, com chumbo anunciado e que deverá levar a eleições antecipadas, Luís Montenegro garantiu que não cometeu qualquer ilegalidade. “Tenho a convicção plena que não cometi nenhum crime. Até à data ainda ninguém me imputou nenhum crime”, afirmou.

Luís Montenegro revelou ainda que obteve uma mais-valia de cerca de 200 mil euros com a venda de ações do BCP uma semana antes de ter tomado posse como primeiro-ministro, em abril do ano passado. Mas contou que, apesar dos ganhos, foi um “investimento muito sofrido” ao longo de mais de uma década em que teve as ações.

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