Queda das bolsas americanas preocupa mais do que crise política nacional

  • Paulo Monteiro Rosa
  • 10:35

Mais preocupante do que a atual conjuntura política interna é a deterioração da economia norte-americana e as sucessivas perdas nas bolsas dos EUA, dada a sua influência na economia global.

A crise política em Portugal tem dominado a agenda mediática e o debate económico, mas será esse, atualmente, o maior risco para a estabilidade da economia nacional? Enquanto a atenção se concentra na incerteza governativa do país, os mercados acionistas norte-americanos registam uma correção acentuada, acumulando perdas sucessivas nas últimas semanas. O S&P 500 já recuou 10% e o Nasdaq 100 desvalorizou 13%.

A possibilidade de uma recessão nos EUA aumenta a cada dia que passa, refletindo sobretudo a incerteza gerada pela errática política comercial da Administração Trump. Esta tem vindo a condicionar as decisões de consumo e investimento das famílias e das empresas, podendo resultar numa desaceleração acentuada da atividade económica norte-americana. Caso esta tendência se agrave, as repercussões para a economia portuguesa poderão ser bem mais sérias do que a atual instabilidade política interna.

Há cerca de duas semanas, a S&P reviu em alta o rating de Portugal, passando de ‘A-’ para ‘A’, e nesta sexta-feira será a vez da Fitch Ratings, que deverá seguir o mesmo caminho e melhorar a classificação de crédito da República Portuguesa. Esta atualização será um dos primeiros “testes do algodão” à atual crise política e marcação de eleições antecipadas.

A economia portuguesa mantém-se relativamente robusta, impulsionada pelo turismo, pelo crescimento do emprego e pelo aumento do investimento estrangeiro. Comparativamente a outras economias europeias, incluindo o eixo franco-alemão, Portugal e, de um modo geral, toda a Península Ibérica têm demonstrado resiliência.

A incerteza gerada pelas eleições francesas de julho do ano passado teve um impacto mais significativo no sentimento dos investidores e na perceção de risco do que a queda do governo português em novembro de 2023 e a consequente convocação de eleições antecipadas. Prova disso foi a subida das taxas de juro de longo prazo, ou seja, o aumento dos rendimentos da dívida do Tesouro Nacional, mais pressionados pelo cenário político em França do que pela instabilidade registada em Portugal no final de 2023.

Se, em 2023, Portugal contava com a garantia de um governo de maioria absoluta, a coligação saída das eleições de 2024 e entretanto demitida, ainda que minoritária e considerada uma das mais frágeis desde o 25 de Abril, continuava a ser percebida pelos investidores como um garante da trajetória de consolidação das contas públicas.

Os sucessivos excedentes orçamentais e a redução do rácio da dívida pública face ao PIB nominal têm reforçado essa perceção. O Orçamento do Estado para 2025 antecipa um excedente orçamental de 0,3%, que, aliado a um eventual crescimento económico real de cerca de 2% e a um exequível deflator do PIB entre 2% e 2,5%—valor relativamente semelhante à inflação medida pelo índice de preços no consumidor—, permitiria um aumento do PIB nominal à volta de 4,5% em 2025. Esse crescimento, juntamente com o saldo positivo das contas públicas, poderia reduzir o rácio da dívida pública em cerca de 5 pontos percentuais este ano, aproximando-o dos 90%, face aos 95,3% de 2024, reforçando a confiança dos investidores. E, caso o resultado das próximas eleições de 18 de maio dê origem a uma base parlamentar frágil, o impacto seria limitado, desde que os investidores percecionassem um compromisso com a responsabilidade orçamental.

Assim, mais preocupante do que a atual conjuntura política interna é a deterioração da economia norte-americana e as sucessivas perdas nas bolsas dos EUA, dada a sua influência na economia global.

Não se pode excluir um cenário semelhante ao colapso da bolha das dotcom em 2000 ou à crise do subprime, que desencadeou a recessão global de 2008-2009 e culminou na crise das dívidas soberanas na Zona Euro entre 2010 e 2011.

Os consecutivos défices orçamentais nos EUA, ainda em 2024 o saldo das contas públicas foi negativo de 6,3%, têm sucessivamente elevado a dívida pública, que regista máximos históricos e já supera 120% do PIB. Também a forte subida das taxas de juro nos últimos anos, de quase 0% para cerca de 5%, começa agora a ter efeitos mais abrangentes, sendo a substituição dos empréstimos a taxas baixas por outros com taxas mais elevadas uma realidade cada vez mais frequente.

Além disso, o setor imobiliário comercial enfrenta dificuldades, em grande parte devido ao impacto do teletrabalho, enquanto as bolsas, apesar das recentes quedas, mantêm valorizações relativamente elevadas, que poderão revelar-se desajustadas perante uma eventual forte desaceleração económica. Há duas semanas, o índice S&P 500, que reúne as 500 maiores empresas americanas, atingiu um valor de mercado de 54 biliões de dólares – quase o dobro do PIB nominal dos EUA e metade do PIB mundial –, mas desde então, 5 biliões de dólares ‘evaporaram’.

Merece uma atenta reflexão a relação entre uma parte do investimento estrangeiro em Portugal e o excelente desempenho das bolsas americanas, sobretudo nos últimos dois anos, impulsionado pela inteligência artificial, com o S&P 500 a valorizar quase 50% em dois anos, 2023 e 2024. Por exemplo, perante o aumento da aquisição de imóveis em Portugal por investidores estrangeiros, alguns deles americanos, importa questionar até que ponto a valorização bolsista nos EUA tem financiado essas operações. Se as bolsas sofrerem uma correção mais acentuada, esse fluxo de investimento poderá diminuir?

Assim, caso as quedas nos mercados acionistas americanos persistam, elas representarão, com certeza, uma maior ameaça para a economia portuguesa do que a atual crise política nacional. Enquanto o PIB dos EUA corresponde a 26% do total global, as ações dos EUA representam 70% da capitalização das bolsas globais (segundo o MSCI World), influenciando fortemente a liquidez mundial e gerando repercussões na economia portuguesa.

  • Paulo Monteiro Rosa
  • Economista Sénior, Banco Carregosa

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