Spinumviva & Co. 5 temas que vão dominar a campanha eleitoral
A menos de dois meses das legislativas antecipadas, o ECO analisa cinco dos temas 'quentes' que vão dominar um debate que Marcelo quer "sereno, digno e elevado", entre outras qualidades ambiciosas.
“Um debate eleitoral claro, frontal, esclarecedor, mas sereno, digno, elevado, tolerante, respeitador da diferença e do pluralismo”. O pedido feito pelo Presidente da República na mensagem em que confirmou a convocação de eleições antecipadas legislativas para 18 de maio acarreta um grau de exigência que poderá ser difícil os partidos políticos satisfazerem, especialmente numa campanha que resulta de um período de crise e polarização provocado pelo tema da empresa familiar do primeiro-ministro Luís Montenegro, a Spinumviva.
Marcelo reconheceu que “é inevitável que o tema da crise ocupe parte desse debate, em particular nas primeiras semanas” e que esse debate “pode e deve pesar, e pesar bem, os sinais e os riscos para a Democracia, de situações de confronto em que não é possível haver consensos, nem que parcial seja, porque se trata de conduzir a becos, de natureza pessoal e ética, que não têm saída, que não sejam as eleições”.
Mas o Presidente da República sublinhou também que seria “um desperdício imperdoável não discutir aquilo que tanto preocupa no dia-a-dia dos portugueses”. Desde a economia à corrupção, elencou 16 “problemas concretos” que têm que ser discutidos por quem quer liderar o Governo.
Nem todos os temas são estanques. Marcelo desdobrou, por exemplo, economia, emprego, salários, rendimentos e inflação. Para ajudar a navegar uma campanha que se prevê complexa, o ECO analisa aqui cinco temas centrais que deverão dominar o debate. Nota ainda para alguns tópicos que são importantes, mas que tendo em conta os discursos públicos das últimas semanas, poderão ficar ligeiramente à margem do debate central: a despesa na área da Defesa, o apoio à Ucrânia e os problemas na educação.
Spinumviva: como gerir uma crise?
Tal como Marcelo sublinhou, é um tema inevitável, mas não é simples nem linear, obrigando os dois principais partidos a gerir o assunto com cuidado. Se, por um lado, Luís Montenegro quererá usar a campanha para limpar a imagem, reiterando que não cometeu irregularidades, por outro, Pedro Nuno Santos irá repetir que não só o primeiro-ministro as cometeu, pior ainda, tentou escondê-las a todo custo.
A intensidade do debate deverá variar consoante as novidades sobre o comportamento de Montenegro na Spinumviva, partam elas da comunicação social, da Procuradoria Geral da República (e a sua “averiguação preventiva”) ou das variações nas sondagens. PSD e PS terão de dosear o uso de acusações cruzadas de vitimização e culpabilidade, respetivamente, podendo optar também por proteger os líderes, por vezes deixando essas acusações para outros dirigentes.
Não será o nosso foco, mas também não fugiremos a isso quando naturalmente isso for assunto.
Essa gestão terá de equilibrar também o foco nos outros temas na campanha. Alexandra Leitão, líder parlamentar do PS, garantiu aos jornalistas no sábado que o partido “vai seguramente pôr políticas públicas na campanha”, mas questionada, esclareceu que “naturalmente não nos podemos esquecer como chegámos aqui, porque é que neste momento vamos a eleições”.
“Vamos a eleições porque houve uma moção de confiança que o Governo coloca para se furtar a uma Comissão Parlamentar de Inquérito e que tem um motivo, portanto é normal que esse motivo seja trazido para as eleições”, sublinhou Leitão. “Não será o nosso foco, mas também não fugiremos a isso quando naturalmente isso for assunto”.
O Chega tem estado na linha da frente na manutenção da atenção na polémica sobre a empresa familiar de Montenegro e certamente não irá abrandar essa estratégia na campanha. O partido de extrema-direita apresentou a primeira moção de censura, foi firme na rejeição da moção de confiança e aproveitou os debates para acusar os partidos do arco da governação de conluio.
Cada vez mais focado no tema da corrupção (e menos na imigração, ver abaixo), o Chega aliás já iniciou a pré-campanha com um cartaz de rua no qual a acompanhar a frase “50 anos de corrupção” colocou uma fotografia de Luís Montenegro ao lado de uma de José Sócrates, numa clara tentativa de colar PSD e PS à mesma imagem.

A Iniciativa Liberal terá de continuar a gerir com algum cuidado a posição de ter criticado o comportamento de Luís Montenegro e ao mesmo tempo votado a favor da moção de confiança ao Governo. Livre, Bloco, PCP e PAN não têm esse problema, devendo tentar aproveitar ao máximo a fragilidade de Montenegro no campo da transparência.
Economia: anda por si?
Durante uma visita à Bolsa de Turismo de Lisboa, este domingo, Marcelo mostrou-se tranquilo em relação ao desempenho da economia no período eleitoral. “Encontrei sempre um espírito muito sereno e otimista, quer dizer que a atividade económica anda por si, independentemente daquilo que são os fenómenos naturais em democracia“, disse, desdramatizando a situação.
O ministro das Finanças já afastara quaisquer implicações para a economia resultante da queda do Governo com um claríssimo “não, de maneira nenhuma” na ressaca do chumbo da moção de confiança. Joaquim Miranda Sarmento adiantou que o bom desempenho em 2024 se irá traduzir num crescimento “próximo dos 2,5%” este ano.
Os economistas consultados pelo ECO concordam. A crise política “não é um bom sinal”, mas as contas públicas equilibradas, a ausência de reformas profundas e a política de bloco central de PSD e PS vão atenuar o impacto na economia, sublinham. É difícil negar que a economia portuguesa esteja saudável neste momento, pelo menos comparativamente, portanto a estratégia principal dos dois partidos deverá ser tentar colher os créditos desse diagnóstico positivo.
O Governo deverá destacar o quarto trimestre de 2024, que vê como “francamente positivo”, com o maior crescimento em cadeia da união europeia com 1,5%, o terceiro maior crescimento em variação homologa com 2,9% e que “isso significa o efeito carry over para 2025 de 1,4%”. Aos olhos do PS, no entanto, esse carry over já vem do passado, dos tempos da governação socialista quando, salientou Pedro Nuno Santos depois da reunião com Marcelo, na quinta-feira, “a economia crescia muito mais”.
Nenhum debate sobre a economia em Portugal pode escapar ao tema da carga fiscal. Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos vão querer ficar com os louros dos alívios fiscais inscritos no Orçamento de Estado para 2025, especialmente a redução em um ponto percentual da taxa de IRC para 16%, a atualização dos escalões do IRS e o alargamento do IRS Jovem. A narrativa social-democrata irá ser de ter conseguido aprovar esses benefícios para os portugueses, a dos socialistas a de os ter deixado passar ao viabilizar o OE.
Quanto ao próximo Orçamento do Estado, para 2026, os economistas ouvidos pelo ECO dizem que “há tempo” para o preparar, não se prevendo grandes alterações no que os dois principais partidos devem propor, nem grandes divergências entre as propostas.
Com o país vindo a registar um superávite orçamental de 0,3% do PIB este ano e a dívida pública a continuar a trajetória descendente para fixar-se nos 93,3%, a economia portuguesa tem “resiliência” para suportar uma crise política, dizem as agências de rating DBRS, Standard & Poor’s e Fitch, embora esta última tenha alertado que a instabilidade relacionada com as eleições pode impedir a execução do PRR, o que pode, por sua vez, “atrasar projetos críticos”, com consequências negativas para o crescimento.
Do lado dos restantes partidos as principais críticas devem ser as mesmas que têm feito nos últimos meses, que as políticas económicas de PSD e PS são praticamente idênticas, que o crescimento e as mexidas nos impostos afetam apenas alguns privilegiados, que os salários não sobem o suficiente para as famílias poderem lidar com a inflação, uma combinação que resulta na desigualdade social e na fuga de jovens para fora do país.
Habitação: crise sem fim?
O evento já estaria programado mas demonstra como o Governo tem tentado mostrar trabalho (e resultados) na luta para atenuar a crise da habitação. A 13 de março, na manhã a seguir ao chumbo da moção de confiança, Luís Montenegro presidiu à inauguração do programa habitacional Alto da Montanha, no município de Oeiras, um edifício com 64 habitações de renda acessível com um custo estimado de 9,5 milhões de euros.
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"Não estamos a ter uma intervenção excessiva no mercado e na economia. Estamos a fazer a intervenção que é necessária para modelar os preços.”
O primeiro-ministro aproveitou o evento para defender os benefícios da nova lei dos solos e salientar que o problema da habitação tem de se resolver através dos investimentos públicos, mas também dos investimentos privados. Vincou que, se estava prevista a construção de 26 mil habitações através do PRR, o Governo decidiu passar para 59 mil novas casas públicas.
Para Montenegro é possível, através de políticas públicas, “condicionar o mercado e os promotores imobiliários“, devendo o Estado “dar incentivos aos que são capazes de construir e colocar no mercado habitação a custos mais acessíveis”, mas sem intervenção excessiva no mercado. “Estamos a fazer a intervenção que é necessária para modelar os preços”.
Montenegro deverá também repetidamente salientar medidas emblemáticas como isenção de IMT e Imposto de Selo na compra das primeiras casas pelos jovens até aos 35 anos para poderem suportar os elevados preços. Também a garantia pública para os jovens será tema de debate, até porque tem tido bastante procura e ajudado a manter os preços altos.
Mas os preços, apesar dos esforços do Governo, não param de subir. Segundo dados do Confidencial Imobiliário, em fevereiro deste ano os preços da habitação em Portugal Continental sofreram um aumento de 13,6%, quando comparado com o mesmo mês de 2024. E a tendência deverá continuar. A agência de notação financeira DBRS considerou esta segunda-feira que a dinâmica positiva da economia portuguesa, associada à forte procura — que não é acompanhada por nova construção –, o interesse estrangeiro e o ambiente de taxas de juro mais baixas vão continuar a suportar os preços das casas.
A ilustrar o impacto desses dados, diariamente surgem notícias sobre o aumento do número de barracas ou o uso ilegal de edifícios, por exemplo o caso divulgado na quarta-feira sobre um ex-colégio em Massamá que alojava dezenas de famílias, alguma a pagar 500 euros por um quarto.
O tema será, portanto, um dos mais ‘quentes’ na campanha. Pedro Nuno Santos tem criticado o Governo por ‘esquecer’ que a classe média também é afetada pela crise. “O problema da habitação em Portugal, infelizmente, hoje não é um problema apenas das famílias carenciadas, o problema da habitação é um problema da classe média, dos filhos da classe média, e é por isso que não só nós temos que promover a construção privada e cooperativa, mas o Estado tem que assumir também a sua responsabilidade de construir para a classe média, como acontece em muitos países europeus”, defendeu, a 17 de fevereiro, numa visita a um conjunto habitacional em Almada, uma obra cuja primeira pedra tinha sido lançada por si em 2019, então como ministro das Infraestruturas.
Mas é precisamente aí que poderá residir o problema para a estratégia eleitoral do sobre este tema. Por mais que tentem demonstrar que os esforços do Governo têm sido insuficientes para atenuar a crise, os socialistas dificilmente poderão escapar a críticas sobre a tardia reação ao escalar dos preços e da escassez de habitação durante os oito anos no poder até 2023. Além de lançar críticas sobre as políticas (ou escassez delas) do Governo cessante e as do seu antecessor, os outros partidos da oposição deverão repetir de forma geral as propostas das últimas eleições, que incluem mais construção, redução de impostos ou controlo da especulação.
Saúde: como cortar a espera?
Pode ser um dos calcanhares de Aquiles da curta governação da AD e, portanto, um tema especialmente quente da campanha, além obviamente de ser um campo de preocupação central no dia-a-dia dos portugueses.
Demissões em hospitais-chave como o Amadora-Sintra, milhares de utentes sem médico de família e, sobretudo, as longas esperas nas urgências ofuscaram o plano apresentado pelo Governo em maio para reduzir listas de espera, melhorar cuidados materno-infantis e primários. A morte de 11 pessoas em dia de paralisação de trabalhadores de emergência aumentou as críticas à ministra da Saúde, Ana Paula Martins, eventualmente a governante mais fragilizada da equipa de Montenegro.

Do lado dos socialistas, neste campo também terão de se defender das fraquezas com que deixaram o SNS. Mas Pedro Nuno Santos já tem, e está a usar, uma arma de contra-ataque: a aprovação pelo Governo, a 7 de março, de parcerias público-privadas (PPP) em cinco hospitais.
Na resolução publicada esta segunda-feira em Diário da República, o Executivo justificou a decisão de avançar com PPP com a diminuição da qualidade dos serviços médicos nos hospitais de Braga, Vila Franca de Xira e Loures e com as “graves falhas” no Amadora-Sintra e Garcia de Orta. No dia seguinte, Pedro Nuno Santos visitou o Hospital de Sintra e garantiu que os problemas do SNS não se resolvem entregando à gestão aos privados, atirando ainda que o anúncio das PPP “é uma forma de a senhora ministra e o primeiro-ministro assumirem a incompetência na gestão do SNS”.
A par destas críticas, os restantes partidos dificilmente se desviarão muito das propostas que apresentaram nas eleições do ano passado, até porque a situação não se alterou de forma significativa. O Bloco sugeriu “reformar” o SNS, o Chega “modernizar”, o Livre “reorganizar” e a CDU “aumentar”, enquanto a IL quer um “novo sistema de saúde que integre os setores público, privado e social”.
Imigração: fechar ou encostar as portas?
Cerca de dois meses após a tomada de posse, o Governo de Montenegro aprovou o Plano de Ação para as Migrações, para corrigir “os graves problemas nas regras de entrada em Portugal, resolver a incapacidade operacional da AIMA e assegurar a operacionalidade dos sistemas de controlo das fronteiras”. Além do processo de entrada, outro eixo fundamental passa por atuar na integração dos imigrantes, para que esta seja efetiva e funcione.
Esses “graves problemas”, segundo o Governo, resultaram da forma irresponsável como os socialistas geriram a imigração, incluindo o desastroso fecho do SEF. Em entrevista ao Expresso, em janeiro, Pedro Nuno Santos admitiu que a gestão da imigração feita pelos socialistas não foi perfeita e que se opõe ao regresso do regime das manifestações de interesse que o Governo AD eliminou com o plano.
No mês seguinte, o PS levou ao Parlamento uma iniciativa para melhorar e acrescentar vias adicionais para a regularização, sem se tratar de recuperar a manifestação de interesses. Apesar dos apelos dos socialistas sobre diálogo nesta matéria, o Governo manteve-se firme nas medidas tomadas.

Montenegro tem voltado de forma repetida ao tema da imigração, numa posição que ficou plasmada numa frase proferida em outubro: Portugal está aberto a receber imigrantes, mas sem “portas escancaradas”. A posição do primeiro-ministro é claramente uma tática de entrar com força num assunto que durante anos foi dominado pelo Chega. Nesta nova configuração das posições dos partidos sobre o tema, o impacto positivo e negativo da imigração e as medidas para a regular serão sem dúvida alvo de discussão acesa nas semanas até 18 de maio.
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