
Campanha Pós-Eleitoral
A política está transformada num imenso cenário onde se discute a arrumação das cadeiras, mas não a orientação das políticas.
O país passa da dissolução parlamentar para o cenário pós-eleitoral. Neste compasso de espera entre a surpresa e o desconhecido, a política resume-se a um exercício especulativo de alianças e coligações, maiorias e minorias, contabilidade à esquerda e cálculo à direita, tudo arranjos parlamentares hipotéticos para resultados eleitorais desconhecidos. A política está transformada num imenso cenário onde se discute a arrumação das cadeiras, mas não a orientação das políticas. Pela tranquilidade do vazio e a enormidade da tarefa, o discurso democrático só pode revelar um tom politicamente menor.
A campanha eleitoral também é uma preocupação onde não falta matéria, mas começa a faltar confiança. A matéria política circula em torno de uma “campanha suja” e de uma “campanha esclarecedora”. A sujidade das campanhas em Portugal costuma ser um exercício infantil de personalizar os ataques políticos e comentar o assunto do dia. Em cada dia a vítima mantém-se e o enredo muda, tudo como numa novela para consumo imediato ou num reality-show para a alienação do país. Na realidade, as campanhas eleitorais são musicais sem música. Mudam-se as circunstâncias e muda-se a banda sonora ao encontro da conveniência e do oportunismo. Com eleições choque marcadas para o curto prazo, o país político vive uma espécie de “ressaca bailada”.
O que não existe no debate político é política. Ideias para o país, visões para a nação, opções de política pública para transformar Portugal. Não estamos a falar nos grandes desígnios políticos para o espaço de uma geração. A política de longo prazo acabou há muito tempo. O que se exige é um mínimo político para o tempo dos pequenos mini-ciclos. No caso do Governo derrubado, não se pode falar sequer de um mini-ciclo, apenas de uma governação à experiência até interrupção do contrato por conveniência de ambas as partes. Em rigor, os portugueses não conseguem perceber se estamos perante uma conveniência ou uma inconveniência. Certamente uma conveniência para alguns partidos. Com certeza uma inconveniência para o país. Mas o que se sente na política portuguesa é uma “ignorância agressiva” em que os dois grandes partidos do sistema afirmam a convicção de uma vitória política sem vestígios de uma ideia política.
A política é uma peça de porcelana Ming e cada partido escolhe a mais exuberante. O problema reside no facto da peça de porcelana Ming não conter o plano das políticas, apenas a estagnação de um ar muitas vezes usado. Os portugueses vão ter de escolher pela aparência e não pelo conteúdo. É como provar um gelado antes do fim do mundo.
Ainda há a questão da estabilidade e da instabilidade políticas. Com o parlamento pulverizado, com uma esquerda minoritária, com uma direita maioritária mas com uma força de bloqueio absoluto na direita radical, os portugueses vão votar como quem vai repetir um exame chumbado. Quem reprovou no exame da estabilidade foi a política. Quem vai votar para inventar uma estabilidade qualquer são os portugueses. Na realidade, todas as forças políticas são pela estabilidade mas todas contribuem para a instabilidade ao demitirem-se de pensar politicamente o país. Com esta lógica em mente pode-se cinicamente adiantar três cenários ao grande leilão do sentido da responsabilidade – podemos ter uma estabilidade instável que é no fundo o modelo preferencial da governação em Portugal; podemos ter uma instabilidade estável que é na essência o outro modelo preferencial da governação em Portugal; podemos ter uma real estabilidade política que na verdade só acontece em episódios esporádicos resultantes de votações exóticas e que é prontamente designada por “ditadura da maioria”. O país político alimenta-se da confusão, do caos, da ruina. A política em Portugal é como um concerto dos Pink Floyd em Pompeia.
Esta separação entre o país e a política explica a indiferença nacional e a multidão de indecisos. Os portugueses estão indecisos porque os partidos são o paradigma da indecisão. O PS vai rever o programa eleitoral progressista de há um ano; o PSD vai revisitar o manifesto eleitoral para a prosperidade de há um ano; o Chega vai continuar a gritar pelo fim do regime da corrupção e pela república dos puros. Os pequenos partidos vão tentar sobreviver como espécies em extinção. Os portugueses que não frequentam os programas eleitorais vão tentar inventar uma nova configuração parlamentar para salvar a pátria. Os portugueses injectados com slogans de campanha não vão inventar nenhuma missão impossível e passam directamente a ignorar a pátria que insiste em não ser salva.
“Alguns têm na vida um grande sonho, e faltam a esse sonho. Outros não têm na vida nenhum sonho, e faltam a esse também”.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Campanha Pós-Eleitoral
{{ noCommentsLabel }}