Biometano é uma realidade “com imenso futuro” e desafiante
Presidente da ERSE reconhece que a tecnologia “é difícil”, mas acredita no seu potencial e diz ser preciso “aprender com outros” países. Biometano pode ser “crucial” na gestão dos aterros, diz Governo
Vai ser criado um grupo de trabalho para estudar e desenvolver as regras para a produção de biometano em Portugal, confirmou o presidente da ERSE durante a conferência ‘Qualificar Portugal para uma economia do Biometano’. No evento, organizado terça-feira pela Goldenergy e Axpo Iberia, Pedro Verdelho explicou que o grupo de especialistas vai contar com “os produtores, operadores e a regulação”. Objetivo é acelerar o desenvolvimento de regras para a produção. Já existe, há cerca de um ano, o Plano de Ação para o Biometano, mas a chegada ao terreno, em concreto, tem sido lenta. É por isso que existe a necessidade deste grupo de trabalho, para trabalhar dificuldades concretas e ajudar ao avanço.
Miguel Checa, diretor-geral da Goldenergy, acredita que “existe um consenso generalizado entre empresários, governantes e cidadãos” sobre a importância de aumentar a “independência energética dos combustíveis fósseis”, mas também sobre a relevância de manter a energia a “custos competitivos”. “O biometano tem de ser uma das soluções para atingir os objetivos de descarbonização”, sublinha.
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Miguel Checa, diretor-geral da Goldenergy Henrique Casinhas/ECO -
Ignacio Soneira, diretor-geral da Axpo Iberia Henrique Casinhas/ECO -
Pedro Verdelho, presidente da ERSE Henrique Casinhas/ECO -
Conferência ‘Qualificar Portugal para uma economia do Biometano’ Henrique Casinhas/ECO
O diretor-geral da Axpo Iberia, Ignacio Soneira, não tem dúvidas de que o biometano “é uma solução tecnológica e economicamente viável”, além de ter uma grande vantagem face a outras opções: “temos infraestruturas prontas para a sua integração imediata”. “O biometano é uma realidade e pensamos que tem imenso futuro”, refere.
Existem, porém, desafios que importa resolver e que foram debatidos no painel que juntou Ricardo Aguiar, investigador da Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG), Jorge Lúcio, presidente da APEG – Associação Portuguesa de Empresas de Gás, e Gabriel Sousa, CEO da Floene.
Jorge Lúcio assinala que a “vantagem absoluta” do biometano – produzido a partir de matéria orgânica encontrada em resíduos urbanos, agrícolas ou industriais – é poder substituir o gás natural sem qualquer necessidade de adaptação da rede e dos equipamentos. Por outro lado, diz, representa “uma vantagem extraordinária do ponto de vista do aproveitamento de recursos endógenos”.
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Painel sobre os desafios e oportunidades do biometano em Portugal Henrique Casinhas/ECO -
Ricardo Aguiar Investigador na Direção-Geral de Energia e Geologia Henrique Casinhas/ECO -
Jorge Lúcio Presidente da APEG - Associação Portuguesa de Empresas de Gás Henrique Casinhas/ECO -
Gabriel Sousa CEO da Floene Henrique Casinhas/ECO
“É exatamente a mesma coisa que acontece nas nossas casas ou indústrias quando consumimos eletricidade numa semana em que é 100% renovável e na semana seguinte já não. Ninguém sente a diferença”, explica Gabriel Sousa. Para o CEO da Floene, é preciso, porém, resolver questões em aberto, como a partilha de custos na ligação dos produtores à rede e as garantias de origem.
Um dos desafios está na matéria-prima para a produção de biometano. Ricardo Aguiar aponta que “o maior potencial está nos resíduos agrícolas”, que estão, no entanto, espalhados pelo território nacional. “Vai demorar muito tempo até encontrarmos uma forma económica de tratar esses resíduos”, acrescenta. Em sentido oposto, os resíduos industriais têm a vantagem de “saber-se onde estão”.
“O estudo que a Floene fez aponta para que tenhamos em Portugal a possibilidade de, em 2050, de estar a substituir 60% do gás natural com biometano”, perspetiva Gabriel Sousa. Para estes oradores, o cenário é claro: a indústria energeticamente intensiva ganhará com a introdução de biometano na rede.
Caminhar passo a passo
No segundo painel de debate moderado pelo subdiretor do ECO Tiago Freire participaram Cláudia Pereira da Costa, do departamento técnico da CAP – Confederação dos Agricultores de Portugal, Nuno Soares, presidente da Tratolixo, e Paulo Almeida, da Primus Cerâmica, para refletir sobre “Os Benefícios do Biometano”.
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Painel sobre os benefícios do biometano Henrique Casinhas/ECO -
Cláudia Pereira da Costa, do departamento técnico da CAP – Confederação dos Agricultores de Portugal Henrique Casinhas/ECO -
Nuno Soares, presidente da Tratolixo Henrique Casinhas/ECO -
Paulo Almeida, da Primus Cerâmica Henrique Casinhas/ECO
No setor dos resíduos, “o potencial é enorme”, assegura Nuno Soares, que lembra que das 5 mil milhões de toneladas de resíduos produzidos anualmente em Portugal, 40% são orgânicos. “No entanto, a recolha seletiva e obrigatória de biorresíduos tem dado passos, mas curtos”, lamenta. A empresa que lidera – responsável pela recolha de resíduos em Mafra, Cascais, Amadora e Sintra – desenvolveu um projeto pioneiro para a separação automática destes biorresíduos. “São sacos verdes entregues gratuitamente à população. Na nova central que construímos para esse efeito, separamos esse saco. Isso facilita a vida às pessoas”, explica. Esses sacos com os resíduos orgânicos podem depois ser colocados, fechados, nos contentores de lixo indiferenciado.
Para Paulo Almeida, a aposta no biometano é uma lógica de investimento na sustentabilidade que “vem ser uma vantagem competitiva”. “No Norte da Europa já há mercados que começam a triar entre produtos mais verdes do que outros. Quem não tiver declarações ambientais fica excluído à partida”, diz, justificando assim o investimento ainda exploratório que está a realizar.
Do lado da produção de resíduos, Cláudia Pereira da Costa diz que o modelo ideal será conseguir que os agricultores se juntem em associações de produtores para que ganhem escala e consigam, de forma mais eficiente, gerir os subprodutos e resíduos. “É necessário olhar para a legislação em vigor e perceber, antecipadamente, quais poderão ser os entraves ao desenvolvimento destes projetos e eliminá-los proativamente”, sugere.
Estratégia nacional
Para debater a relevância estratégica do biometano em Portugal, o evento organizado pela Goldenergy e pela Axpo Iberia juntou Pedro Verdelho, presidente da ERSE, Alexandre Fernandes, presidente da ENSE, Ana Cristina Carrola, vogal da APA – Agência Portuguesa do Ambiente, e Lisa Pinto Ferreira, advogada.
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Painel dedicado à estratégia nacional para o biometano Henrique Casinhas/ECO -
Pedro Verdelho, presidente da ERSE Henrique Casinhas/ECO -
Alexandre Fernandes, presidente da ENSE Henrique Casinhas/ECO -
Ana Cristina Carrola, vogal da APA – Agência Portuguesa do Ambiente Henrique Casinhas/ECO -
Lisa Pinto Ferreira, advogada Henrique Casinhas/ECO
“Temos de definir as regras enquanto os projetos se estão a concretizar e isso faz-se com uma regulação dinâmica”, reconhece Pedro Verdelho, que confirma intenção de reunir especialistas em torno do desenvolvimento das regras deste mercado. Há, porém, questões que devem ser consideradas – e o financiamento das redes é uma delas.
Embora admita que o licenciamento seja “difícil” porque “a tecnologia é difícil”, Pedro Verdelho diz que os desafios à execução de projetos nesta área não se devem apenas ao licenciamento e ao financiamento.
“Os setores têm de começar a juntar-se e a articular estas questões, nomeadamente os da agricultura, energia e resíduos”, aponta Ana Cristina Carrola. A responsável da APA confirma que a agência tem estado atenta e reconhece a importância de “criar incentivos económicos que desviem os resíduos de aterro” para a produção de biometano. Esta relação e trabalho em conjunto de diferentes setores é, aliás, um dos pontos que vários participantes referiram como uma dificuldade, uma vez que não estão necessariamente habituados a comunicar.
Alexandre Fernandes diz-se otimista sobre o desenvolvimento deste mercado e acredita que as indústrias da cerâmica e do vidro vão beneficiar da introdução desta energia renovável, assim como o transporte marítimo, onde também se prevê que a solução ganhe cada vez mais espaço. “O que aqui temos é uma oportunidade de mercado”, sublinha, lamentando que aqui, como em muitas outras matérias, se esteja sempre à espera de um incentivo do Estado para arrancar.
Já Lisa Pinto Ferreira diz que a criação de um balcão único para a gestão de toda a burocracia associada a estes projetos podia beneficiar o desenvolvimento desta área. “Temos de ter muito cuidado para que não se frustrem objetivos”, afirma. A especialista em energia, na parte jurídica, salientou que há ainda muita burocracia e que, muitas vezes, se pedem autorizações de uma série de entidades; no entanto, basta uma delas atrasar-se mais e uma candidatura a um projeto pode ficar em causa, até por regras dos concursos ou dos leilões.
Portugal tem potencial
Jean Barroca, secretário de Estado da Energia, marcou presença no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, para encerrar a conferência. O responsável destacou o papel de “referência” de Portugal no mundo em matéria de energias renováveis e lembrou que “o esforço da descarbonização da economia” é “imperioso” para o país.
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Jean Barroca, secretário de Estado da Energia Henrique Casinhas/ECO -
"O biometano tem o potencial de desempenhar um papel crucial na mitigação de um dos desafios prementes em Portugal, o esgotamento dos aterros, e a gestão sustentável dos resíduos agrícolas e pecuários locais”, refere Jean Barroca, secretário de Estado da Energia Henrique Casinhas/ECO
“O plano de ação para o biometano estabelece uma ambição de 2,7 terawatts em 2030, o que representaria 9,1% do consumo total de gás nesse ano”, apontou, lembrando que em 2040 poderá ser superior a 18%.
Por outro lado, esta fonte renovável poderá ter um papel importante na mitigação de outros desafios climáticos e relacionados com a gestão de resíduos, nomeadamente nos aterros. “O biometano tem ainda o potencial de desempenhar um papel crucial na mitigação de um dos desafios prementes em Portugal, o esgotamento dos aterros, e a gestão sustentável dos resíduos agrícolas e pecuários locais”, acrescentou.
O secretário de Estado da Energia ouviu os pedidos e as críticas do setor e mostrou-se disponível a promover colaboração entre todas as partes interessadas para fazer avançar a estratégia nacional. “Esse caminho só será possível com envolvimento ativo de empresas, academias, autarquias, sociedade civil”, rematou.
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